Luisa Arraes fala sobre amor livre: “Todo relacionamento é aberto”

Companheira de Caio Blat, com quem não divide o mesmo teto, atriz considera vital morar sozinha e acha novas gerações muito caretas

Por Melina Dalboni
17 Maio 2024, 06h00
Luisa Arraes
Luisa Arraes: atriz quer falar cada vez menos sobre sua relação conjugal: "E, quando quiser, acho que tem que ser em um filme, uma peça" (Maju Magalhães/Divulgação)
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Quando estreou sua primeira novela das 8, aos 22 anos, Luisa Arraes se espantou com a visibilidade que alcançou. Ela se incomodava quando a olhavam na rua e lhe pediam para tirar fotos. “Queria morrer”, lembra. Mas, com o passar dos anos, mudou. “Hoje, ao contrário, adoro saber o que as pessoas estão achando do meu trabalho”, diz Luisa, agora aos 30, que atualmente vive a vilã da nova trama global das 6, No Rancho Fundo. Uma das atrizes mais versáteis de sua geração, escreve, produz, dirige, canta e fica “desesperada” quando não está trabalhando. “Não lido bem com férias”, confessa. E ela está longe disso: pode ser vista nos cinemas como uma das protagonistas de Transe, de Anne Pinheiro Guimarães e Carolina Jabor, sobre encontros, desencontros, política e poliamor, e, em 6 de junho, estreia ao lado de Caio Blat, seu companheiro, o longa Grande Sertão, dirigido pelo pai, Guel Arraes, interpretando Diadorim, uma das mais instigantes personagens da literatura brasileira. Um filme de ação com a prosa poética de João Guimarães Rosa. Em cena, Luisa maneja facas, mata, ameaça, dança e se vinga após renunciar à identidade feminina para ir à luta com os homens. À VEJA RIO, ela falou sem meias-palavras da relação com o pai e sobre amor livre.

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Como foi a preparação para Grande Sertão, seu primeiro filme de ação? Meu corpo mudou. Fiz dieta para ganhar massa muscular e comecei a levantar muito peso. Fiquei forte a ponto de conseguir carregar o Caio (Blat) nas costas. Eu não malhava e comecei a levantar peso pesado no Estúdio Igarashi. Cheguei a levantar cento e dez quilos no quadril. Vi o quanto podemos ficar fortes se treinarmos. Essa sensação de ser forte é muito retirada das mulheres.

Onde buscou referências para viver Diadorim? Tem uma frase muito legal do RuPaul (ator e apresentador drag queen): “Todo mundo nasceu nu e o resto é drag”. Eu me inspirei em tudo o que sai do padrão. Queria que Diadorim tivesse um aspecto de provocação, quase como se fosse um homem viado.

Além de Grande Sertão, dirigido por seu pai, atuou em Transe, codirigido por sua ex-madrasta, Carolina Jabor. Não teve receio de misturar trabalho e família? Nunca tinha trabalhado com eles. Não foi uma coisa que a gente pensou, relativizou, ao contrário. O que acontece é que não paramos de falar de trabalho, somos um monte de viciados nisso. Como eu já tinha feito a peça (Grande Sertão: Veredas, dirigida por Bia Lessa), o filme acabou virando o maior desafio da vida do meu pai e meu também. Vivemos coisas no set que foram emocionantes. Meu personagem idolatra o pai, o pai morre, ele se vinga. Então, eu e meu pai enfrentamos grandes questões existenciais juntos nesse filme.

Fora do ambiente de trabalho, você e seu pai são muito ligados? Muito. Quando meu pai teve a última separação, veio morar comigo. Foi a coisa mais linda, porque, por acaso, eu vivo no apartamento onde nasci. Neste mesmo espaço, onde ele cuidava de mim, tínhamos trocado os papéis, e era eu que estava cuidando dele. Meu pai tem um tamanho gigante na minha vida. Tenho muito interesse na opinião dele, artística, de educação, ética. Ele realmente me educou. Eu vi tudo o que ele fez. Tem uma história muito engraçada. Quando eu era criança, ele era diretor de núcleo (da TV Globo) e tinha que ver várias séries e programas e fazer anotações. Um dia, eu disse a ele que queria ser diretora. Ele respondeu que dava muito trabalho ser diretor. E eu falei que eu queria ser diretora de núcleo, que para mim era só ver filme e ficar anotando.

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O seu trabalho com a música e a banda Comes & Bebes, fazendo um show independente, tem a ver com seu desejo de reforçar a individualidade? Super. Na pandemia eu queria uma coisa que fosse mais barata, independente e alternativa, e encontrei isso na música. No início da minha carreira, eu tinha uma cobrança dentro de mim maior do que tudo que tenho hoje. Sempre dizia: “sou atriz, mas meu projeto de longa data é escrever e criar os meus próprios projetos”. O ator não pode esperar que chamem para trabalhar, ele tem que ser um criador também.

Você fica ansiosa quando não está trabalhando? Fico desnorteada quando não trabalho. Quando o vazio chega, eu enfrento: lá vem o bicho papão. Não lido com férias com facilidade. Gosto muito de trabalhar, e para mim isso é mais férias do que as férias. Férias de uma semana para mim está ótimo já, fico aflita. Nos momentos de vazio, aproveito para tocar projetos mais autorais e independentes.

Você nasceu no Rio, mas seu pai e sua mãe (a atriz Virgina Cavendish) são do Recife. Qual cidade te influenciou mais? Eu me sinto muito do Recife. Outro dia alguém me falou que a nacionalidade na França não é se você nasceu lá, mas de onde seus pais são. Foi uma mera causalidade eu ter nascido no Rio de Janeiro. Sempre tive muita dificuldade, inclusive na escola, porque eu gostava mais dos meus amigos do Recife, eu ficava um pouco por fora. É muito diferente a criação, quase como se Recife fosse um pouco uma periferia do Brasil. O Rio de Janeiro, na Zona Sul, onde eu estudei, tem uma coisa mais playboy, mais malandra, mais patricinha, que eu não gostava.

A popularidade que uma novela global traz ainda a incomoda? Isso se transformou ao longo dos anos. Na primeira novela das 8 que fiz, eu queria me matar, mas aí fui ganhando experiência. Hoje, adoro. Gosto de saber o que as pessoas estão achando. E, depois que a novela acaba, é só mudar o cabelo que ninguém mais te reconhece.

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“Eu me inspirei em tudo o que sai do padrão. Queria que Diadorim tivesse um aspecto de provocação”

O que a levou a dirigir o curta Dependências?

Ele fala das relações em torno do trabalho doméstico, questão tratada no Brasil de forma absurda. No mundo inteiro, as pessoas limpam a própria casa. Que coisa brasileira é essa? É um resquício da escravidão. E é óbvio que, se você educa crianças nesse sistema, ele vai se perpetuar. É fundamental entender que, se a gente suja, a gente limpa.

Você e o Caio moram em apartamentos separados? Sim

É uma maneira de romper padrões femininos? Sem dúvida. Mas é até difícil responder essa pergunta, porque para mim morar sozinha é tão vital. Foi acontecendo. Toda vez que eu entrava num relacionamento e alguém chamava para morar junto, eu dizia (fazendo careta): “com certeza?!”.

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Você pretende morar sozinha para sempre? Acho difícil, mas pode ser em algum momento que dê para morar junto.

Você e o Caio têm uma relação aberta? Nunca usamos esse termo. Decidiram por nós. Uma hora, falamos um para o outro: “Estão dizendo que temos um relacionamento aberto, que engraçado”. Todo relacionamento é aberto, porque, mesmo num sistema fechado, a pessoa pode ir na esquina, bater um vento e ela se apaixonar.

Gostaria que sua relação conjugal não fosse assunto público? Claro, é muito chato. Outro dia eu falei para o Caio: “Vamos dizer que a gente se separou?”. Ele concordou. Eu realmente quero cada vez menos falar sobre isso. E, quando quiser, acho que tem que ser em um filme, uma peça.

Você sabe responder à pergunta “O amor livre é possível?”, que o filme Transe suscita? Resposta de milhões. E o amor preso, é possível? Não sei. Todo mundo que se relaciona durante muito tempo sabe a dificuldade que é, seja em um relacionamento aberto ou fechado. Se relacionar é uma complicação, mas sou uma romântica. Acho que tudo é possível se você ama uma pessoa.

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Sua geração tem a cabeça mais aberta? Tenho dúvida. Minha impressão é de que os adolescentes e jovens estão supercaretas. Achava, por exemplo, que as meninas não iam se depilar nunca mais. E elas estão todas de shortinho e top, as crianças estão fazendo skincare. Tem um papel aí da internet, que estimula essa coisa de comparação, e a depressão só aumenta. Aprendo muito com os casais gays ao meu redor. Vejo muitas inovações nos casais gays tanto entre mulheres quanto entre homens. Quanto menos a gente se fechar à possibilidade da vida, que é muito vasta, melhor.

Você declarou que uma das grandes tragédias para uma mulher é não saber o que deseja. O que você deseja hoje? Tem uma dificuldade da mulher de se colocar como protagonista da sua própria vida. É tão difícil você bancar existir, que você está sempre buscando outra pessoa para colar sua vida. Não quero mais me misturar com o outro. O meu maior desejo é enfrentar o desafio que é existir, que é tão difícil para todo mundo – não à toa somos uma população de viciados, adictos. Desejo tentar continuar nessa corda bamba de não achar um objeto totalizante. Quero continuar amando as pessoas, mas entendendo que elas são outras pessoas, não eu.

Você conversa com os diretores sobre sua visão sobre as suas personagens femininas? Muito. Converso até demais. Já neguei muito papel. Tive a sorte de trabalhar com muitas diretoras e esse é um assunto que, bem ou mal, desde quando comecei a trabalhar, está na moda, graças a Deus. Então, às vezes, sou escutada, às vezes não. Já saí de trabalho e falei: “Vou trocar de profissão, mas eu não vou fazer isso porque me fere demais”. Até se as personagens que não são complexas, são chapadas, um acessório dos personagens masculinos. Ainda é muito difícil encontrar personagens femininas complexas. Não gosto de fazer a personagem que é só namorada de alguém, digo logo que não vou saber fazer, e é verdade. Tento conversar ao máximo, tento inventar, e se eu vejo que não dá, aí eu não faço, prefiro produzir, escrever outras coisas.

Qual sua maior bandeira politica? A diminuição da desigualdade social no Brasil. Não tem como morar no Brasil e não se chocar com esse abismo. Não pode ter ninguém com fome, tem que ter saúde, colégios e transporte públicos para todo mundo.

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Em quem se espelha? Eu sei que é clichê dizer que sou fã da Fernanda Montenegro, mas ela está lotando um teatro, fazendo a Simone de Beauvoir. Que é isso, gente? É muito lindo. Isso mudou a minha vida. Fui ver três vezes. É igual igreja.

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