“Existe um desprezo pela terceira idade”, diz Herson Capri
Apaixonado pelo Rio, ator curitibano está em cartaz com o espetáculo A Sabedoria dos Pais e quer mostrar que a idade madura pode guardar muitos prazeres
Pouco mais de uma década após viverem um par na novela Em Família, de Manoel Carlos, Herson Capri e Natália do Vale voltaram a ser um casal — desta vez, em meio a uma separação. A peça A Sabedoria dos Pais, em cartaz no Teatro Vannucci até domingo (14), apresenta dois personagens maduros e cheios de esperança após um complicado divórcio.
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O assunto não é novidade para Capri, 74, que disse já “sim” no altar três vezes. Pai de cinco filhos, o curitibano celebra o cinquentenário de carreira com o espetáculo, escrito e dirigido por Miguel Falabella especialmente para eles.
De sua casa em São Conrado, o ator que acumula mais de cem papéis no currículo, incluindo, neste ano, um vilão em Beleza Fatal, da HBO Max, e uma participação no remake de Vale Tudo, da Globo, conversou com VEJA RIO sobre a falta de boas histórias para atores mais velhos e relembrou a batalha contra um câncer de pulmão, em 1999, que chegou a ganhar contornos religiosos por parte da imprensa.
Como foi o reencontro com a Natália? Estamos nos divertindo demais. Ela tem o riso frouxo e qualquer “caco” a faz morrer de rir. Fica difícil saber se estamos interpretando ou rindo de nós mesmos. Miguel é um comediante fantástico e nós três compartilhamos a mesma visão de mundo. Juntos, temos 150 anos de teatro, é quase uma eternidade (risos).
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Usou da sua própria experiência com términos para a construção do personagem? Todos os meus divórcios foram complicados, por isso até pude dar alguns toques para a Natália, que teve vivências mais tranquilas nesse sentido. Em geral, as separações são delicadas — assim como na montagem, em que eles passaram 35 anos juntos, o amor não acaba de repente. Mas é uma história engraçada e está atingindo todo mundo, inclusive os jovens, que talvez reconheçam ali alguma situação familiar.
Tem vontade de casar de novo? Não, três vezes foram suficientes (risos). Quero continuar namorando, mas com liberdade. No momento, estou solteiro.
Quais os principais ensinamentos que teve com os seus pais? Meu pai era um homem firme ideologicamente. Um exemplo de bons valores, que tentei reproduzir. Minha mãe era uma feminista, quando ainda não se usava esse nome — rompeu com um casamento infeliz e foi para São Paulo trabalhar como produtora de TV. Morei com os dois, em diferentes fases, e consegui assimilar bastante do que tinham para oferecer.
Rompeu com algum vício na criação dos seus filhos? Tentei não deixar que a militância me envolvesse a ponto de deixá-los em segundo plano, como fez meu pai. Ele era do Partido Comunista no Paraná, fundava sindicatos, organizava greves e foi preso várias vezes… Lembro que, em 1964, revistaram a minha casa e, quando perguntei para onde o levariam, disseram que iam tomar um cafezinho e já voltavam — isso levou quarenta dias.
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Odete Roitman foi uma febre em Vale Tudo. Faltam boas tramas de amor e sexo para personagens maduros? Existe um desprezo pela terceira idade. Quando a pessoa para de produzir, os mais jovens não a dão mais importância. E existe esse preconceito de que mais velho não pode transar. A peça mostra que se pode ter prazer numa idade avançada, e faltam mais histórias assim.
Os teatros estão com as plateias cheias. A que atribui a retomada? As transformações nos contratos da Globo tiveram impacto. Ao mesmo tempo que os atores perderam aquela fonte de renda, ficaram mais livres para fazer o que quisessem. O fim da pandemia também influenciou, criando o desejo pelo ao vivo.
O que o público do Rio tem de diferente? Uma espontaneidade no riso. Mas os cariocas vão menos ao teatro do que os paulistanos. Deve ser porque em São Paulo não tem praia (risos).
Tem vontade de experimentar novos formatos, como a novela vertical? Não me importa. Sempre baseei as minhas escolhas na qualidade do trabalho. No filme Marighella (2019), fiz uma participação pequenininha, mas em um grande papel. Fora o viés da grana — tive cinco filhos planejados e precisei chegar junto. Agora só tenho uma de 11 anos, os outros já foram para a vida.
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Você teve algumas batalhas importantes de saúde e sempre falou sobre isso abertamente. Como essas experiências o transformaram? O diretor Daniel Filho uma vez apontou que eu fui o primeiro ator a falar sobre um câncer. Quando saí do hospital, ainda convalescente, tinham vários jornalistas esperando. Dei uma coletiva e contei tudo, que tinha tirado metade de um pulmão e estava ali inteiro. Ainda tive que responder se Jesus tinha me salvado.
Como assim? Eu ia fazer Jesus Cristo em Nova Jerusalém e precisava emagrecer rapidamente, então optei por uma lipo. No pré-operatório, descobri o câncer, então vieram com essa máxima de salvação. Mas tenho certeza de que ele tem mais coisa com o que se preocupar; foi o doutor Carlos Carvalho quem me salvou.
Você sempre teve uma relação forte com o Rio. Como a cidade te atravessa? O mar é uma coisa muito forte para mim — sou de escorpião, gosto de água. Fui nadador de competição. Para um curitibano, que fica a 970 metros de altura e vive um frio danado no inverno, isso aqui é o paraíso. O carioca também tem uma alma gostosa. Minha caçula, Sofia, uma vez disse que, em São Paulo, as pessoas desviam o olhar, enquanto aqui no Rio parece que são amigas à primeira vista. Não é que aprendi isso com ela?





