Embalada pela folia, Anitta diz que se livrou do “vício em sucesso”

Na estrada com seu evento de Carnaval, ela conta que, depois do baque de duas internações, quer fazer mais o que tem vontade, como investir no lado atriz

Por Marcela Capobianco
Atualizado em 19 jan 2024, 09h18 - Publicado em 19 jan 2024, 06h00
A toda no Carnaval: a maratona prevê ensaios em onze cidades, megabloco no Centro do Rio e presença na Sapucaí
A toda no Carnaval: a maratona prevê ensaios em onze cidades, megabloco no Centro do Rio e presença na Sapucaí (Eduardo Bravin/Divulgação)
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Deitada à vontade, sem maquiagem e vestindo uma camiseta em que se liam as palavras “gostosa e cansada”, Anitta desabafou sem travas para seus quase 65 milhões de seguidores no Instagram: “Bem que me disseram que depois dos 30 (exata idade dela) a gente não tem o mesmo pique. Fiz show ontem e parece que levei uma surra”. Era 29 de dezembro, e a maratona estava só começando. Antes mesmo de o ano virar, ela ainda teria de encontrar fôlego para se apresentar em Salvador, Búzios e Rio, onde foi a atração mor do réveillon na Marina da Glória. O ano que mal se iniciou não trouxe trégua. Já no primeiro fim de semana, foi dada a largada para os Ensaios da Anitta, série de shows pré-folia que roda onze capitais. O pé segue firme no acelerador até 17 de fevereiro, quando tomará as ruas do Centro carioca com seu megabloco.

Em meio ao corre-corre imposto por tão abarrotada agenda, a artista de Honório Gurgel falou a VEJA RIO via chamada de vídeo, de um hotel em Salvador, pedindo licença para seguir estirada na cama, no que foi atendida. “Há uns dois anos meus sócios me disseram que, em termos financeiros, eu já poderia me aposentar. Então resolvi fazer só o que me diverte”, afirma, dando uma pitada da nova fase, em que a farra momesca é inegociável. “Não imagino um Carnaval sem cantar”, diz Anitta, escalada para musa do camarote N1, que no ano passado trouxe para a Sapucaí a modelo Gisele Bündchen.

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arte Anitta

Com Ensaios da Anitta, a ideia é homenagear escolas de samba na tentativa de alçá-las à vitrine global que, vez ou outra, põe a brasileira em destaque. “O projeto é mostrar ao mundo a essência do Carnaval”, conta Daniel Trovejani, sócio no Grupo Rodamoinho, holding de empresas da cantora. No show de Florianópolis, ela subiu ao palco a bordo de uma fantasia vermelha remetendo ao enredo sobre Exu, que conduziu a Grande Rio ao título, em 2022. Ao longo da temporada, os figurinos exaltam também agremiações como Mangueira, Portela e Mocidade, na qual desfilou como musa no princípio da carreira.

Os shows duram, em média, quatro horas, com repertório mesclando sucessos seus com clássicos de axé, pagode e funk. Ivete Sangalo, Claudia Leitte e Pabllo Vittar constam no rol de nomes presentes à festa. Botar os espetáculos de pé exige engenharia e gente — Anitta comanda uma equipe de 150 funcionários, entre produtores e arquitetos e, a cada apresentação, cerca de 900 pessoas ficam em plena ação. Em paralelo ao som, dá-lhe parque de diversões com roda-gigante, tirolesa, tobogã, praça de alimentação e loja de produtos oficiais. “Não deve nada a grandes festivais de música”, avalia Trovejani.

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Morando em Miami desde 2021 e viajando pelo mundo para se manter sob holofotes internacionais (lançada em dezembro, a música Bellakeo, em parceria com o cantor mexicano Peso Pluma, figurou entre as dez mais ouvidas globalmente no Spotify), ela não prevê mais temporadas esticadas e apresentações no Rio ou no Brasil neste ano. “Só havendo mesmo um propósito bem diferente”, afirma, com um quê de filosofia. Ou seja, os anitters, como também são conhecidos seus fãs, sabem que, para vê-la ao vivo, só nestes tórridos dias de verão.

Nada está cravado na pedra, evidentemente, mas em 2022, após se apresentar no Rock in Rio Lisboa, Anitta soltou o verbo no X (ex-Twitter), mostrando que a era clicou-postou, até então uma marca registrada, passou a ser motivada pela defesa de algumas bandeiras. “Não piso neste festival nunca mais. É como se estivessem fazendo um grande favor por colocarem a gente lá”, postou a cantora, que à época se queixava de os estrangeiros, segundo ela, receberem melhor tratamento do que os brasileiros.

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Sucesso e reflexão: em 2023, a cantora se apresentou na final da Champions League, faturou o troféu de melhor clipe latino no VMA (abaixo) e também dedicou tempo para fazer retiros de autoconhecimento em Minas Gerais (à dir.)
Sucesso e reflexão: em 2023, a cantora se apresentou na final da Champions League, faturou o troféu de melhor clipe latino no VMA (abaixo) e também dedicou tempo para fazer retiros de autoconhecimento em Minas Gerais (à dir.) (Divulgação; Noam Galai/Getty Images; @anitta/Instagram)

Depois do Carnaval, Anitta ainda tem chão pela frente: já está prevista uma ida de jatinho próprio ao Chile, onde se exibirá no tradicional festival de Viña del Mar. De lá, segue para compromissos no Hemisfério Norte. Ainda no primeiro semestre, lança clipes e um álbum de funk em inglês e espanhol, empenhada que está em firmar-se no cenário mundial da música. Em 2023, suas canções foram ouvidas 1,4 bilhão de vezes, somente no Spotify, por mais de 100 milhões de pessoas em 184 países.

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O voo em solo estrangeiro também se reflete nas redes: uma fatia de 30% de seus seguidores não fala português. Mesmo com números tão vultosos, que têm como reflexo uma rotina elétrica, Anitta relata que os últimos meses também foram dedicados a achar o que toda a humanidade busca em algum grau: equilíbrio entre trabalho e descanso. Nas viagens, agora, ela faz questão de espaçar os compromissos, algo impensável tempos atrás.

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No pano de fundo da chacoalhada está a descoberta de uma doença. Em 2022, pouco antes de uma escalada até o acampamento-base do Everest, a mais alta montanha do mundo, a cantora foi diagnosticada com o vírus Epstein-Barr, causador da mononucleose, mal transmitido pela saliva e relacionado a alguns tipos de câncer. Ao voltar do Nepal, ela precisou ser hospitalizada pelo menos duas vezes, o que foi determinante para uma guinada. “Antes de ficar doente eu trabalhava muito, ia à exaustão sem pensar no amanhã. Acho que foi por isso que minha saúde ficou mais para lá do que para cá”, reflete a cantora, que, em paralelo, mergulhou numa “jornada de autoconhecimento”, como define, com o auxílio da terapeuta e xamã Max Tovar.

Com frequência, a artista participa de retiros espirituais comandados pela mineira em Varginha em meio à natureza, sem luxos. Um dos programas, com duração de cinco dias, custa cerca de 10 000 reais. “Reconhecer dores e traumas nos tira do lugar de refém e nos transporta para o de autocura e autogestão. Fico feliz em saber que pude ajudar no processo dela”, fala Max Tovar.

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Sob nova direção: após participar da série Elite, a carreira de atriz é uma das prioridades de Anitta para 2024
Sob nova direção: após participar da série Elite, a carreira de atriz é uma das prioridades de Anitta para 2024 (Netflix/Divulgação)

Em sua prateleira cheia de prêmios, sobressaem dois troféus do MTV Music Awards, feito inédito para brasileiros, além de um selo no livro dos recordes por ser a primeira artista latina solo a alcançar o primeiro lugar no Spotify. Somem-se à conta oito indicações ao Grammy Latino e uma ao Grammy. Depois de catorze anos na estrada artística, Anitta entendeu que perseguia as láureas como um “vício em sucesso”. “Era uma carência, um sentimento constante de insatisfação. Eu precisava estar no topo e ser sempre a número 1, mesmo que aquilo custasse minha saúde”, revela.

“Hoje, aprendi a ficar mais satisfeita com o que já conquistei e consigo focar em coisas que me trazem real felicidade, como viajar e atuar”, arremata ela, que, para seus parâmetros, entrou numa era mais low-profile. “Durante muito tempo expus minha vida para promover minha música. Não me importava se as pessoas falariam bem ou mal, contanto que estivesse em evidência”, confessa Anitta, que jura ter mudado de mentalidade. “Percebi que posso lidar com problemas sem que ninguém saiba e isso ajuda a namorar em paz, por exemplo”, confidencia a nova adepta da ioga e da meditação.

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A cantora deixa no ar a interrogação se está ou não namorando e gosta de alimentar o mistério: limita-se a dizer que a vida amorosa anda maravilhosa. Em meio às suas reflexões, garante que chegou a ficar dez meses sem sexo. “Foi-se o tempo em que eu pegava geral. Era muito divertido, mas não sei como tinha energia. Agora estou mais resguardada”, afirma ela, revelando o sonho de promover um casório com tudo a que tem direito, no momento certo.

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“Talvez eu já tenha encontrado o noivo, mas quero muito fazer a festa, nem que seja para separar depois”, brinca, e solta uma gargalhada. “Anitta é a mulher que sobe ao palco e entretém. Já a Larissa (seu nome de batismo) sou eu em casa, de pernas para o ar, lendo ou assistindo a séries com a família e amigos”, compara. Conta que, em Miami, não consegue ir ao mercado porque é muito assediada. “Mas dá para sair para jantar tranquilamente. Tem gente bem mais famosa que eu nos lugares que frequento”, esclarece.

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Nos negócios, foi assimilando postura e jargão empreendedor e, hoje, comanda, ao lado do irmão e melhor amigo Renan Machado e de Daniel Trovejani, o grupo Rodamoinho — holding composta de quatro empresas voltadas para música e entretenimento, com escritórios na Barra da Tijuca e em Beverly Hills, reduto dos endinheirados de Los Angeles. O business envolve gerenciamento de carreiras, impulsionamento internacional de artistas e produção audiovisual. Desde 2019, ocupa ainda o cargo de head de criatividade e inovação da Skol Beats, marca da Ambev.

Pisando em outro terreno desconhecido, no ano passado ela estreou como atriz em breve e apagada aparição na série espanhola Elite, da Netflix, e aventurou-se a escrever o roteiro de um filme que, segundo ela, já está bem encaminhado em um estúdio. “Não existe zona de conforto para quem trabalha com a Anitta. Cada projeto exige que a gente esteja em constante evolução”, diz o irmão Renan Machado. “Ela é criativa, prática e objetiva. Traz ideias e temos que ouvi-la com atenção para que tudo se concretize”, ressalta Daniel Trovejani.

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Nascida em 30 de março de 1993 no subúrbio do Rio, Larissa de Macedo Machado começou a cantar ainda criança, no coral da igreja. Àquela época, cultivava o sonho de estrelar uma novela. O nome artístico, inclusive, foi emprestado da minissérie de Manoel Carlos protagonizada por Mel Lisboa, em 2001. A chance de ingressar no mundo musical veio quando o DJ Batutinha, espécie de Midas do funk, a descobriu em um vídeo postado no YouTube.

Aos 16 anos, Larissa virou MC Anitta ao largar um estágio na mineradora Vale para selar contrato com a Furacão 2000. Desde então, derrubou muros e abriu portas para o ritmo carioca, não sem esbarrar em obstáculos. “Anitta tem uma visão de mercado impressionante, se preocupa com cada detalhe e a música que ela faz evoluiu bastante”, avalia o músico Zé Ricardo, vice-presidente artístico do Rock in Rio e do The Town. “Ela é uma artista em ebulição e segue o caminho já trilhado por gênios como Carmen Miranda, Tom Jobim e Milton Nascimento, levando os sons brasileiros para o exterior”, elogia.

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Anitta não vê problema em ser considerada cantora de funk. “Fiz um trabalho de formiguinha para que o funk vencesse preconceitos. Me sinto responsável por isso, sim. Se tem alguém que não acha, tá tudo certo, não estou nem aí para a opinião dos outros”, atira sem freios na língua, bem ao seu estilo, mesmo dizendo estar em fase mais zen. Para este ano que começa, depois de matutar sobre os excessos de exposição, a meta é seguir “olhando para si mesma” — o que, no caso de Anitta, não se traduz em sair de cena, obviamente.

Deslanchar a carreira de atriz, aliás, é uma de suas prioridades. “Vou aceitar qualquer convite que surgir”, avisa. Sobre o disco novo, faz questão, mais uma vez, de relativizar a ideia de sucesso. “Tudo bem se não bombar no mundo todo. Estou muito tranquila com as minhas escolhas. Quero me sentir plena em 2024.” Mas que ninguém se engane: na prateleira de troféus de Anitta, há espaço reservado para mais.

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