Fineline: microtatuagens de traços finíssimos se destacam no verão carioca

Na temporada do calor inclemente e dos corpos à mostra, pequeninas tatuagens de riscos delicados se revelam cada vez mais procuradas

Por Marcela Capobianco
19 jan 2023, 19h00
Charme discreto: Nina Alvarenga fez um beija-flor com o tatuador Godri -
Charme discreto: Nina Alvarenga fez um beija-flor com o tatuador Godri -  (Leo Lemos/Divulgação)
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Conhecido por flanar pela cidade observando hábitos urbanos e contrastes sociais cariocas, o cronista João do Rio assim escreveu em A Alma Encantadora das Ruas, de 1908: “A tatuagem é a inviolabilidade do corpo e a história das paixões. Esses riscos nas peles de homens e mulheres dizem as suas aspirações, as suas horas de ócio, a fantasia de sua arte e a crença na eternidade de seus sentimentos”. Tais palavras colidiam com uma visão difundida à época, segundo a qual quem decidia marcar o próprio corpo carregava, além dos desenhos, uma sorte de estigmas. Pois mais de um século depois, a tatuagem se libertou do preconceito que a rondava e é perfeitamente aceita e adotada em todas as classes sociais, estampando graciosamente corpos que se põem cada vez mais à mostra conforme o calor se anuncia. E há uma tendência visível nesse campo de tantas e variadas opções, percebida nos calçadões e nas incontornáveis redes sociais. Os traços robustos e geométricos vêm cedendo espaço a linhas mais finas, delicadas e, por vezes, minúsculas. Numa rápida busca pelos termos fineline e microtatuagem no Instagram ou no TikTok não dá outra: os pequeninos desenhos que ornam a pele estão com tudo.

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Os riscados do momento só são possíveis graças ao avanço da tecnologia. Nos principais estúdios, barulhentos equipamentos vêm sendo substituídos por modelos mais modernos — as chamadas máquinas rotativas. Cânulas finíssimas, com menos de 0,5 milímetro de diâmetro, garantem um traçado suave e preciso. E sim, a mão do tatuador é fator decisivo. “A pegada deve ser a mais leve possível, porque o processo já é dolorido”, explica Luiza Fortes, 34 anos, cuja agenda no recém-aberto Art Line Tattoo, no Jardim Botânico, está lotada até março. Ela enfatiza que a velocidade com a qual a agulha adentra a pele é definidora da largura do traço. “Para linhas finas, o ritmo tem de ser intenso”, ensina. Neta da artista plástica Lygia Pape (1927-2004), Luiza herdou da avó a certeza de que “a arte é muito mais interessante quando compartilhada”. A gerente de loja Lidia Halliday, 27, esperou dez anos para ser tatuada por Luiza e escolheu um urso panda em suave degradê que cravou no braço. “Sei que ninguém tem um desenho igual ao meu”, orgulha-se.

Luiza Fortes: traçado suave e agenda lotada até março -
Luiza Fortes: traçado suave e agenda lotada até março – (Leo Lemos/Divulgação)

Vale, nesse tão delicado terreno, a máxima de que menos é sempre mais. “A pele é uma tela viva e, com o tempo, a tinta tende a se expandir, então o especialista deve prestar atenção para que os riscos não fiquem muito grudados”, atenta o tatuador Daniel Tucci, que também notou o aumento pela procura dos traços finos em seu estúdio, no Jardim Botânico. “Não adianta nada uma tatuagem linda virar um borrão dali a cinco, dez anos”, alerta. Sua opinião não é consenso entre colegas. “A experiência do profissional e o equipamento correto, somados aos cuidados na cicatrização, como ficar longe do sol e evitar certos alimentos que causam inflamação à pele, são o segredo. Em 90% dos casos, não precisa nem fazer retoque”, garante Rodrigo Montello Zerkowski, o Godri, 40 anos, dono de estúdios em Búzios e Copacabana. O minimalismo de Godri encantou a arquiteta Nina Alvarenga, 43, que recentemente salpicou pelo corpo três microtatuagens de uma só vez: um beija-flor no ombro, a palavra “art” no braço e reticências no dedo indicador. “Os desenhos simples e pequenos não permitem erros de interpretação. Dependendo da roupa e dos acessórios que eu uso, posso escondê-los ou revelá-los”, conta.

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Os primeiros registros oficiais sobre tatuagens, um costume que volta à Antiguidade, datam do século XVIII, quando o capitão inglês James Cook (1728-1779), desbravador da Oceania, relatou em seus escritos o termo taitiano “tatau”, que significa “desenho pigmentado na pele”. Não à toa, foram os marinheiros que difundiram nos demais continentes o hábito de marcar o corpo. No Brasil, a tatuagem também chegou de navio, na pele de imigrantes e africanos escravizados. Naquele tempo, o adorno era muitas vezes escondido sob as roupas por sua conotação marginal. Só a partir da década de 60, com a sacudida da contracultura e o movimento hippie, tais desenhos passaram a ser vistos e exibidos com altas doses de orgulho. Desde então, não só a técnica evoluiu, como as tatuagens ganharam status de arte. A atual demanda por rabiscos minimalistas pode ser explicada pela popularidade das festas conhecidas como flash days, nas quais tatuadores celebrados disponibilizam modelos mais simples, sem possibilidade de alteração ou personalização, por um preço mais baixo. “É ótima sugestão para quem deseja fazer uma primeira tatuagem, mas não tem muita ideia sobre o que vai gravar na própria pele”, avalia Godri.

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Um mantra essencial nesse mundo de múltiplas escolhas é saber escolher um tatuador responsável que siga à risca as boas normas de higiene. Luvas, agulhas e lâminas devem ser descartáveis, por exemplo. “É um trabalho delicado e sério, e qualquer imperfeição fica muito aparente. A relação entre tatuado e tatuador deve ser de extrema confiança”, ressalta Luiza Fortes. A enfermeira Lia Furtado, 47 anos, cultivava o sonho de se tatuar desde adolescente. Só há pouco tempo tomou coragem. “Tinha receio de me arrepender, mas a pandemia me fez perceber que a vida é curta para ser medrosa. Agora tenho quinze, nenhuma grande. Meu corpo virou um jardim”, compara, com o riso aberto. “Já estou pensando na próxima e, se precisar retocar alguma dessas, vou lá e reforço”, arremata. Esses pequeninos adornos no corpo às vezes provocam grandes revoluções.

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