Gerald Thomas: “Nunca proibi nada”
Com mais de noventa peças no currículo, o diretor estreia montagem inédita com Danielle Winits no rio e anuncia que sua verdadeira autobiografia vem aí
Nascido em Nova York e criado no Rio de Janeiro, Gerald Thomas fez seu nome com uma linguagem cênica experimental e provocadora. Fundou a Companhia de Ópera Seca nos anos 1980 e produziu trabalhos que se tornaram referência no teatro mundial, como a Trilogia Kafka, que ganhou capa do The New York Times.
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Em sua extensa carreira, trabalhou com nomes que vão do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989) até a dama do teatro Fernanda Montenegro, colecionando mais de noventa peças. Conhecido pelo humor afiado, ele agora apresenta Choque! Procurando Sinais de Vida Inteligente, que estreia quinta (2) no Teatro Copacabana Palace.
Escrita pela americana Jane Wagner em 1985 e estrelada por Danielle Winits, a montagem inédita no Brasil questiona a lógica capitalista e os limites das relações, refletindo sobre a busca por empatia em meio à confusão cotidiana da humanidade. Na cidade há um mês para os ensaios, Gerald conversou com VEJA RIO do hotel em que ficou hospedado no Leme antes de zarpar para São Paulo, onde estreia em novembro o espetáculo Sábius, os Moleques.
Encontrar empatia e conexão é tão difícil quanto uma busca extraterrestre? Quando o texto foi escrito, existia telefone de discar. Agora a internet conecta um garoto na China com outro em Ponta Porã. Reclamamos do excesso de informação, mas nos esquecemos dos benefícios para quem passou a ter muito mais acesso. É claro que existem as fake news e a máquina do mal de Steve Bannon ganha plataforma nas redes sociais. Mas era o que Joseph Goebbels fazia como Ministro da Propaganda do Partido Nazista.
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As redes sociais transformaram as relações? Sim, pois ninguém realmente se conhece. As pessoas podem ter 1,5 milhão de seguidores, mas a maioria é robô. O mais absurdo é que todo mundo sabe que isso acontece. Os coleguinhas da Globo e de Hollywood tem plena noção e se submetem a isso, sem nenhuma vergonha. Usam como moeda para contratar os artistas. Sem falar nos influenciadores, que falam besteiras que outros ainda mais bestas gostam. Vivemos no mundo do idiotismo idolatrado.
Esse é o mal do mundo? É a sede pelo poder, como sempre foi. O domínio de um sobre o outro é da natureza humana e animal. N Se isso um dia mudar ó o que eu duvido ó, nenhum de nós estará aqui para ver. Outro mal do mundo é que um bom sorvete de macadâmia nunca foi inventado.
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Você tem uma filha de 24 anos. como ensina essas questões para ela? Brigo muito com a Mileny porque ela é uma das que acredita que a vida das telas é real. Ela quer ter um espaço nessa rede, mas não sabe de nada. Quer influenciar o quê então? Dizem que é uma questão geracional, que os gen-z são infantis, mas na hora de ter uma vida sexual ativa puxou a mim. Nunca proibi nada, mas digo: buracos não faltam, só tome cuidado.
Fazer teatro é uma forma de resistência? Sempre foi, muito mais em épocas proibitivas. Hoje existem leis de incentivo que permitem colocar diversas etnias nos palcos. Em países onde você é preso por ser homossexual, o nível é outro. Fazer teatro em pleno Apartheid na África do Sul era realmente resistência ó e fazia-se. Mesmo nos lugares mais obscuros do mundo, uma coisa é certa: nunca se deixou de fazer teatro.
O caráter efêmero dessa arte é um limite ou a maior força? Um filme pode existir fisicamente, sem ser visto. Ouvi isso de Francis Ford Coppola, quando ele filmou a minha peça Tristão e Isolda, em 2003. Passou o tempo todo reclamando porque ninguém mais se interessava por Apocalypse Now. Isso antes de eu mostrar a bunda; depois, ele não falou mais nada (episódio em que Gerald baixou as calças como resposta às vaias no Theatro Municipal). Mestres de si mesmos tendem a achar suas obras tão necessárias que é inconcebível não tê-las expostas nas avenidas, em painéis iluminados.
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O que foi mais surpreendente na parceria com a Danielle Winits? O convite do produtor veio do nada ó odeio quando descobrem meu número e tenho vontade de jogar o telefone fora. Não sabia quem ela era e fui conversar com Miguel Falabella, que se rasgou em elogios. O primeiro encontro foi como dois cachorros que não se cheiravam. Demorou a engrenar, mas agora está uma loucura maravilhosa. É uma das melhores atrizes com quem já trabalhei.
A personagem central vira catadora de lixo depois de um episódio de loucura. acha que todos estamos sujeitos a algo assim? Ela enlouquece porque descobre uma maneira de erradicar a fome e os chefões da indústria onde trabalha não a levam a sério. Tem a ver com a questão do poder. Aconteceu com um amigo, em Nova York. Era um judeu rico e via as filhas brigando por dinheiro. Um dia, saiu andando só com uma capa e nada por baixo. Acabou se internando num hospital, declarando-se louco. Nunca voltou ao normal. Hoje é um homem excêntrico.
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Você se considera excêntrico? Eu não sou um ser normal, é verdade. Com isso vem muita depressão. Tem a ver com o holocausto e tudo que ouvi da minha família desde criança. Depois, sempre estive junto à calamidade. Morava no Tennessee quando o Martin Luther King foi assassinado. Trabalhei na Anistia Internacional e vi muita tragédia. Vivi o 11 de setembro da minha janela.
Fazer arte é uma forma de curar isso? Não, a arte me fez sofrer ainda mais. Meus primeiros desenhos foram rasgados por Ivan Serpa na frente de nomes como Hélio Oiticica e Carlos Vergara. Isso define uma vida. Um dia, aos 12 anos, perdi a paciência. Tinha que parar de tentar ser perfeccionista. Passei batom, vesti um casaco de pele e os saltos da minha mãe. Entrei na sala de aula e disse: “Eu sou a arte”. Bateram palmas e saí correndo. Logo depois, Oiticica me comeu.
Você lançou recentemente um livro sobre a sua experiência com a cocaína. há algo que o mundo ainda não saiba sobre você? O artista é isso: nu. Por isso já posei de pau duro para um jornal. Se as pessoas têm problemas comigo, isso diz mais sobre elas do que sobre mim. Vou lançar a segunda edição da minha autobiografa, porque a primeira foi muito ruim. Não fui direto ao ponto e não falei a verdade. Estava muito perto do suicídio. No final do ano que vem sai a verdadeira.