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Gloria Perez: ‘Essa onda conservadora não vai abalar minha audiência’

Prestes a voltar ao ar com A Força do Querer, novelista diz não temer rejeição a assuntos polêmicos e fala sobre as saudades que sente da filha, Daniella

Por Cleo Guimarães
Atualizado em 18 set 2020, 14h56 - Publicado em 18 set 2020, 07h00
Gloria Perez: Autora se manifestou publicamente contra o projeto da Globo de adaptar para a TV a biografia do ex-goleiro Bruno; "Estamos falando de um assassino cruel e narcisista. Para que acender holofotes sobre ele?" (Renato Rocha Miranda/TV Globo)
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Discípula de Janete Clair, com quem diz ter aprendido a não ter pudores ao retratar as emoções humanas, Gloria Perez, 71 anos, escreveu sua primeira novela na TV Globo há exatas três décadas. De lá para cá, conquistou um Emmy Internacional, até então inédito (por Caminho das Índias, em 2009), e pôs à mesa do brasileiro questões como doação de órgãos, crianças desaparecidas, clonagem de humanos e imigração ilegal.

Às vésperas dos 28 anos da morte de sua filha, Daniella Perez, vítima de um assassinato que chocou o país, a novelista revela que sente sua falta todos os dias. De volta às telas em 21 de setembro, com a reprise de A Força do Querer, e já escrevendo sua próxima trama, prevista para ser exibida em 2022 no horário das 9, Gloria falou a VEJA RIO.

Novelas que vêm sendo reprisadas enfrentam críticas por mostrar personagens e atitudes que atualmente podem ser considerados politicamente incorretos. Mudaria alguma palavra ou cena do passado se isso fosse possível? Não. Dramaturgia não é cartilha de bom comportamento. O que me interessou sempre foi a dimensão humana dos personagens. É isso que o público de todos os tempos quer ver nas histórias que contamos: as grandezas e misérias humanas.

Acredita que a escalada do conservadorismo possa ser um obstáculo ao sucesso da reprise de A Força do Querer, trama que aborda assuntos como tráfico de drogas e transexualidade? Nem um pouco. São assuntos e personagens que estão aí, na vida de todo dia, sendo discutidos em família, nas mesas de bar, nas praças. Por que não falar deles?

A personagem de Juliana Paes, baseada na história de uma estudante que entra para o tráfico por causa do namorado, foi acusada de incentivar a glamorização do crime. O que dizer disso? O que glamoriza o crime é a impunidade na vida real.

A Globo comprou os direitos para produzir uma série sobre a vida do goleiro Bruno, assassino de Eliza Samudio, e a senhora criticou publicamente o projeto. Existe um limite ético para o que é exibido na TV? Estamos falando de um assassino cruel e narcisista, empenhado em resgatar a posição de ídolo. Por que ajudá-lo nisso? Acender holofotes para que esteja em todas as mídias, vendendo-se como goleiro, vitimizando-se e opinando sobre a escolha do elenco? Por quê?

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Leva em consideração a enxurrada de comentários e críticas que hoje inundam as redes sociais? No que diz respeito às críticas, o que impacta o trabalho de um novelista é sempre a resposta do público. E a internet é um excelente meio de observação. Mas há que saber filtrar. É preciso distinguir o que é crítica genuína daquilo que é campanha ou torcida organizada.

Ao chamar atenção em suas tramas para assuntos como doação de órgãos e preconceito contra doentes mentais, acha que as novelas têm um papel social? Não que elas devam fazer isso, mas novelas podem, sim, ir além do entretenimento. Ali, um assunto ganha visibilidade e passa a ser discutido por todo o país. Às vezes nascem soluções, dissolvem-se preconceitos. Por que não fazer uso dessa possibilidade? Mas essas campanhas só são bem-sucedidas quando a novela vai bem.

Diante de situações da vida que não soam reais, tem gente que diz, em tom meio pejorativo, “parece novela da Gloria Perez”. Isso a incomoda? Ao contrário, me envaidece. A fantasia é uma qualidade essencial ao folhetim. E é isso que os novelistas fazem: folhetins.

A senhora começou a escrever novelas como colaboradora de Janete Clair, em 1983. Qual foi o melhor conselho que recebeu dela? O melhor de todos foi o de conceber cada capítulo como um espetáculo, manter a unidade. E não ter pudor nenhum ao expor as emoções humanas.

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Como veterana na TV brasileira, pode dizer se os casos de assédio sexual que estão vindo à tona são comuns no meio? Sinceramente, eu nunca presenciei. A ideia de que isso seja comum no nosso meio é parte da fantasia que muita gente faz sobre o ambiente da televisão.

A senhora fez a pesquisa para o roteiro do filme sobre a vida de Roberto Carlos e o entrevistou longamente
algumas vezes. Qual foi a sua impressão? É impossível ouvir o Roberto sem se emocionar. É um homem de rara sensibilidade, tem uma história forte de vida e de superação. Evidentemente existem sentimentos mais íntimos, sobre os quais ele fala, mas não quer divulgar. E isso se respeita.

É verdade que Regina Duarte pediu para ser escalada em sua próxima novela, prevista para ir ao ar em 2022? Fake news. Isso nunca aconteceu. Regina nunca me procurou nem fez nenhum aceno sugerindo voltar ao ar na minha novela.

O que achou da gestão dela à frente da Secretaria da Cultura de Jair Bolsonaro? Não conheço a Regina pessoalmente. Estive com ela uma única vez, há muitos anos, numa reunião sobre um projeto que não foi adiante. De modo que não sei quais eram suas expectativas. Acredito que tenha tido a melhor das intenções ao aceitar o cargo.

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Em tempos de coronavírus, novelas suspenderam as gravações por meses e só voltaram agora, com novos protocolos. Isso mexe no seu ofício de escritora? Para mim, não muda nada. Como minha novela vai ao ar em 2022, o que me foi pedido é que escrevesse  considerando um cenário onde a Covid-19 já será passado. Para os autores que estão gravando, tem sido desafiador. Mas nada que a experiência e a criatividade não consigam contornar.

A senhora escreveu o primeiro beijo gay da TV brasileira, em América, de 2005, mas a cena foi vetada. Acredita que um dia será natural pessoas do mesmo sexo se beijarem na televisão? Com certeza. As polêmicas de ontem foram substituídas pelas de hoje, da mesma forma como as de hoje serão substituídas pelas de amanhã. Nas primeiras novelas, os temas mais polêmicos eram a perda da virgindade e a gravidez da mulher solteira.

A Globo tem demitido muita gente e reformulado contratos. Tem medo de ser demitida? Não é um fenômeno novo. Desde sempre as empresas fazem esse movimento, se reformulam diante dos desafios que cada época impõe. Não temos ainda a dimensão exata dessas mudanças. Elas ainda estão em curso.

Com uma exceção aqui, outra ali, as novelas vêm consistentemente perdendo público. Vê nas séries e em sua popularização uma ameaça? Desde que eu comecei, e lá se vão muitos anos, fala-se na extinção das novelas. O folhetim é muito mais antigo que a própria televisão. E vai continuar prendendo a atenção das pessoas, seja através de um aparelho de TV, seja através da tela de um computador, de um tablet, de um celular. O que está mudando é a maneira de consumir.

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De que forma encara as pesquisas de opinião? Elas podem mudar o rumo da história? Se o público não está entendendo a história, altero o jeito de contar. Quando o telespectador não entende aonde você quer chegar, a falha é sempre sua.

O assassinato de sua filha, que completaria 50 anos de vida no último 11 de agosto, ainda é um assunto difícil? Faria 50 anos e ainda é como se ela estivesse aqui hoje. Filho nunca se conjuga no passado.

Como vem lidando com essa perda? Lutei por justiça e consegui as assinaturas que resultaram na primeira emenda popular da história do Brasil que inclui o homicídio qualificado entre os crimes hediondos. E estou aqui, trabalhando sem parar.

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