“A desconstrução que eu buscava estava dentro de mim”, diz Marcos Palmeira

De volta à novela Pantanal e perto dos 46 anos de carreira, o ator fala a VEJA Rio sobre crise, aprendizados na terapia e projetos profissionais

Por Melina Dalboni
Atualizado em 20 abr 2022, 08h58 - Publicado em 14 abr 2022, 09h00
Marcos Palmeira
 (Rogério Faissal/Divulgação)
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Nessas três décadas que separam a primeira versão de Pantanal, na qual interpretou o jovem Tadeu, da atual novela das 9, em que vive o protagonista José Leôncio, o mundo girou para Marcos Palmeira. Aos 58 anos, ele se casou, se tornou pai, se separou, virou produtor de orgânicos, entrou em crise profissional, rompeu contrato com a Globo muito antes das demissões se tornarem frequentes, casou-se de novo e aprendeu que o homem pode e deve chorar, reconhecer suas vulnerabilidades e falar das emoções. A terapia o ajudou neste processo.

Ele segue aprendendo no exercício da paternidade de Julia, 14 anos (fruto do casamento com a diretora Amora Mautner), e ao lado da cineasta Gabriela Gastal, sua mulher, que acaba de lançar o documentário feminista Lobby do Batom. “A Gabi está me fazendo ser PhD nessa história dos sentimentos”, diz.

Neste ano, o ator teve excelentes notícias profissionais, e Pantanal não foi a única. Em janeiro, dois produtos de sua fazenda, o Vale das Palmeiras, em Teresópolis, entraram no rol dos melhores do Brasil no Guia do Queijo. Perto de completar 46 anos de carreira — ele estreou aos 12 no especial O Menino Atrasado, na TVE —, o ator falou a VEJA RIO.

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Como foi voltar a Pantanal três décadas depois? É interessante pensar nessa perspectiva do tempo para notar o que mudou. Na primeira versão da novela, a região era um pântano. As cenas de banho eram feitas em salinas cristalinas, que nem existem mais. Tinha muita água por todo canto, hoje é seco e árido.

Reparou mudanças na fauna também? Sim, a quantidade de bichos agora é bem menor, e eles aparecem em horários incomuns. Nas árvores, não se vê mais o ninhal, o refúgio das aves para descansar e reproduzir. O Pantanal virou um protagonista doente, que precisa de tratamento urgente.

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A novela pode ajudar a jogar luz sobre o problema? Com certeza, mas será uma batalha e tanto. O meio ambiente e a classe artística estão sendo massacrados. Criou-se uma retórica de que nós, artistas, roubamos do Estado, e que o meio ambiente impede o desenvolvimento econômico.

Acha que isso é um subproduto da polarização na política? As pessoas estão com pouca escuta. Se alguém faz uma crítica ao PT, dizem que a pessoa está defendendo Bolsonaro. Se fala mal do Bolsonaro, dizem que é petista. Discutem-se soluções muito pouco e o debate se restringe a quem é o bom e o mau.

Ficou surpreso ao ser convidado a voltar à trama de Pantanal? O que me surpreendeu foi, aos quase 60 anos, ser chamado para um papel de protagonista como este. É um privilégio para um ator ter a possibilidade de fazer um mergulho mais profundo numa obra da qual já tenha participado, na pele de outro personagem.

Você tem mais de quarenta filmes e quase cinquenta novelas e séries no currículo. Viveu momentos de crise na carreira? Sim, em Celebridade. Todo ator sonhava ser protagonista de Gilberto Braga. E quando chegou o meu momento, veio o questionamento: é isso mesmo o que eu quero?

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“O meio ambiente e a classe artística estão sendo massacrados. Criou-se uma retórica de que nós, artistas, roubamos do Estado, e que o meio ambiente impede o desenvolvimento”

E como driblou a dúvida? Eu achava que tinha ficado muito engessado na figura do galã. Então, viajei para a França para fazer o curso da Delphine Eliet e, na volta, procurei o Amir Haddad para fazer uma peça. Descobri que a desconstrução que eu buscava estava dentro de mim. Eu precisava descobrir novos caminhos para a minha carreira.

Fazia terapia nessa época? Faço há muitos anos. Talvez tenha começado nesse período, não lembro bem, mas me arrependo de não ter iniciado antes. Teria ajudado a cortar alguns caminhos.

Quais, por exemplo? Quando eu era garoto, no Colégio São Vicente, assisti a uma palestra do Gabeira, quando ele voltou do exílio, em que ele dizia que o ciúme era um sentimento menor. De alguma maneira, eu introjetei isso. Passei anos morrendo de ciúme sem botar para fora. Entendi que eu posso ter ciúme, sim, e que posso expressá-lo sem ser um problema. Descobri isso na terapia, mas o casamento com a Gabi (eles se casaram em 2016) também está me fazendo ser PhD nessa história de sentimentos.

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Como é o casamento após os 50? É mais leve. Mas é sempre um exercício, não é fácil. As crises e as dificuldades sempre vão existir, só que nessa fase você está mais aberto. Consegue perceber, por exemplo, que deixar de falar algo que o incomodou pode dar espaço para que isso vire um problema gigante lá na frente. Hoje sou capaz de falar mais.

Qual a diferença de ser homem hoje em relação a poucas décadas atrás? A gente teve de reaprender muita coisa, o que é bom. Às vezes, tem um radicalismo, que é necessário para quebrar essa estrutura machista ancestral em que crescemos. A situação ainda é muito desigual em relação à mulher.

Você passou pela clássica crise da meia-idade? Desde que minha filha nasceu, eu tive a dimensão de que o tempo estava passando, mas estou achando bom envelhecer. Aprender mais, me entender melhor. Minha filha me ensina muito nesse sentido, porque não adianta só falar, se você não faz. O que educa é o exemplo.

Pensa em ter mais filhos? Eu e a Gabi até tentamos. Mas o processo é muito cruel, muitos hormônios. Não veio, e a gente se permitiu estar assim, decidindo não interferir tanto nesse destino.

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Como lida com as redes sociais? No meu tempo. Eu mesmo faço meu Instagram, mas no Twitter eu nem gosto de entrar. É muita pancadaria.

Por que você optou por não ter contrato fixo com a Globo? Quando os streamings estavam chegando por aqui, a HBO me chamou para fazer Mandrake. Meu contrato estava acabando e decidi não renovar. Foi uma decisão artística.

Fez a escolha certa? A série me levou a uma indicação no Emmy. Foi uma virada na minha carreira. E eu não parei de trabalhar na Globo, faço os contratos por projeto. Costumo falar para eles que eu sou o ator mais barato que eles têm, porque não precisam me pagar para não trabalhar.

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