Bons ventos: clube Marimbás elege uma das primeiras comodoras do Brasil
A advogada Lydia Valansi ocupa o mais alto posto dos clubes náuticos, função nunca exercida por uma mulher no país e possivelmente na América Latina
O dia 11 de janeiro de 2024 foi histórico para o Marimbás, no Posto 6, e todos os clubes náuticos do país: uma mulher tomou posse como comodora, o mais alto posto em instituições do gênero, rompendo uma barreira que ainda resistia aos avanços do tempo. No país, em toda a América Latina e mesmo no mundo inteiro são bem poucas. Não aconteceu de uma hora para outra: a advogada e professora Lydia Valansi, a desbravadora de 73 anos, já possuía uma trajetória de mais de duas décadas no Marimbás. Ela ingressou no quadro de sócios em 2000, quando o então marido se tornou diretor social, e ela, vice.
“Nunca mais deixei o cargo. Eu que fazia os eventos, adoro, sou festeira. Aí fui me entrosando com as pessoas, conversando com todo mundo”, conta ela, que mora em Ipanema, num trecho bem próximo ao ponto da praia onde passa tantas horas. A simpatia de todos é visível com Lydia, que há vinte anos é casada com Marco Antonio Rodrigues, neto de um dos fundadores e comodoro por três mandatos (cada qual de dois anos). Alçada ao topo com 95% dos votos, sequer havia se candidatado: foi um pedido dos sócios — aliás, antigo. Mas ela relutava, ciente de que o clube tinha um ambiente muito masculino e que, para uma mulher se sentar em tal cadeira, não seria fácil.
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Quando quis comprar o próprio título e deixar de ser dependente do ex-marido, a atual comodora levou quatro bolas pretas, em sinal de reprovação — o máximo que alguém pode acumular para ser aceito são seis. “Éramos apenas três mulheres. Nesse mesmo dia, uma não foi aprovada, e a outra levou seis bolas pretas”, recorda. As mudanças começaram a ser implementadas por ela já como diretora social. Lydia conta que, quando passou a frequentar o clube, já era século XXI, mas quase não se avistavam sócias sozinhas por lá. Foi com o incentivo dela que isso se tornou algo mais frequente (hoje, elas já são cerca de 40% do total). Existe até um grupo de amigas do clube, do qual a comodora faz parte, as “marimbetes”, que circulam juntas por lá e pela cidade.
Carioca de hábitos típicos, Lydia, na verdade, nasceu em Paris e veio com a família para o Rio aos 2 anos. Seu pai, Joseph Robert Valansi, abriu cinemas como o Paissandu e o Joia (batizado em homenagem à sua avó, que também dá nome a uma praça em Botafogo, Joia Valansi), chegando a comandar a segunda maior cadeia de salas de exibição do país. Frequentadora de clubes como Hebraica e Caiçaras, para ela nunca houve nenhum que rivalizasse com o Marimbás.
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Com o título a 150 000 reais e a mensalidade custando 800 reais, o clube registra hoje quinhentos sócios — entre eles, nomes como o artista plástico Carlos Vergara, o neurocirurgião e imortal da ABL Paulo Niemeyer e a influenciadora Narcisa Tamborindeguy. Há longa fila de espera de aspirantes ao título. Feito aparentemente improvável para um clube que não possui uma grande estrutura: tem quadra de tênis, parquinho, academia, sauna, restaurante e uma varanda debruçada sobre o mar. “E mais essa imensa piscina privativa aqui”, brinca Lydia, apontando para o mar de Copacabana.
A proximidade com a praia, da qual o Marimbás é vizinho de porta, funciona como potente motor para atrair interessados. O restaurateur Pedro de Lamare (criador do Gula Gula) começou a frequentar o local há três anos, quando abriu o quiosque De Lamare (hoje fechado) no Posto 8, em Ipanema. Morador da Gávea, ele pratica natação em águas abertas e viu o clube como ponto de apoio, onde poderia se trocar e rumar para o trabalho. Hoje, o ex-frequentador do Country e do Jockey é um apaixonado pelo lugar, que oferece seus mimos: é possível, por exemplo, comprar um peixe que algum pescador de lá acabou de capturar, fresquíssimo, e mandar preparar na cozinha. “O clube tem uma relação visceral com o mar, e isso me encanta”, diz De Lamare.
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A localização privilegiada faz com que muitos sócios que moram na vizinhança utilizem a área como uma extensão de casa, sendo frequentadores diários. Esse é o caso da cantora Roberta Sá, que também nada no mar e treina na academia de lá. A artista, que conhece Lydia desde os 11 anos por laços de família (sua irmã é casada com o filho dela), já frequentava o Marimbás havia muitos anos como convidada. Há seis, decidiu virar sócia. Além da praticidade, ela aprecia a ligação intrínseca com a praia. “Eu fui parar ali muito por uma saudade de Natal, que é minha cidade. Sentia falta dessa proximidade com a vida do mar”, conta.
O clima familiar, em que todo mundo se conhece — há funcionários com trinta anos de casa que sabem de cor o número dos sócios —, é outro trunfo. Neta de um dos primeiros a entrar para o rol, a cantora Bruna Barros celebra a eleição de Lydia, apostando ser ela a prova de que novos ares chegaram ao clube. A artista cresceu ouvindo que mulheres que fossem ao Marimbás sem um homem a tiracolo eram malvistas — ganhavam fama de que queriam “pegar homem casado”. No dia em que a reportagem de VEJA RIO esteve no clube, Bruna bebericava um drinque com amigas, também sócias, na varanda. “Você se sente parte disso aqui. Se venho sozinha, sou muito bem acolhida”, relata.
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Os novos ventos não param de soprar nas bandas do clube náutico. Além de contar com uma mulher no cargo máximo e muitas outras em seu quadro de sócios, o local revela a presença feminina em outro desses ambientes predominantemente masculinos: a caça ou pesca submarina. Primeira campeã pan-americana da modalidade, Hanna Lamar foi a primeira competidora mulher não só do Marimbás, mas da própria seleção brasileira. Pela escassa participação feminina brasileira no esporte, em torneios nacionais ela compete junto dos homens. Sócia-atleta há dois anos, além de ir ali para sair para os mergulhos, também faz aulas de pilates e musculação.
Tendo crescido perto da praia, surfa desde os 15. Costumava fazer pescaria de linha com um irmão, indo de caiaque até ilhas próximas. Um dia, ele a convidou para botar a máscara e observar o fundo. Hanna se encantou, e a caça submarina ganhou espaço de vez em sua vida. “Já foi muito bom termos tido a Lydia na diretoria social, representando a voz feminina. Agora, ela pode abrir portas e dar ouvido a questões que antes não recebiam a devida atenção”, comemora. Pelo visto, chegou a hora de outra onda nesse marzão — e ela é certamente feminina.
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História à beira-mar
As curiosidades na longa trajetória do Marimbás
> Fundado em 5 de abril de 1932, foi idealizado por 36 rapazes — entre eles o jornalista Roberto Marinho, então com 27 anos — como uma instituição voltada para pesca, tendo sido fundamental para a introdução da caça submarina no Brasil.
> Foi nomeado a partir do marimbá (Diplodus argenteus), espécie de peixe antes abundante no Posto 6, onde já ficava sua primeira sede.
> Em 1941, mudou-se para seu endereço definitivo, junto ao Forte de Copacabana, graças ao intermédio do presidente Getúlio Vargas, que passou, então, a ser seu comodoro de honra.
> O projeto do Marimbás, inspirado em um navio ancorado, foi criado por Lúcio Costa e o ucraniano Gregori Warchavchik, ambos pioneiros da arquitetura modernista no Brasil.
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