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“Devagar, devagarinho”: Martinho da Vila escreve crônica para Veja Rio

Cantor e compositor narra a história de um jovem compositor que ganhou sua primeira disputa de samba-enredo graças a um sambista mais velho

Por Redação VEJA RIO Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
20 ago 2025, 15h49
“As pessoas não imaginam que um sambista goste de ópera”: disco premiado com Grammy Latino
Martinho da Vila: sambista escreve crônica para VEJA RIO (Miro/Divulgação)
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Com seus movimentos de rotação e translação, o globo terrestre gira devagar, ao contrário das gentes atuais, que caminham apressadas e, ao encontrar uma pessoa amiga, se cumprimentam e seguem.

Antes do advento dos iPhones, nos comunicávamos por telefone fixo, e às vezes a linha ficava congestionada, o que atualmente não ocorre com os aparelhos celulares, pelos quais se pode deixar recado na caixa postal, mandar mensagens de voz ou por escrito e até falar pelo Face Time, mas o ruim é que diminuíram os contatos pessoais. No passado, um homem marcava um encontro com uma mulher e, cavalheirescamente, chegava antes. Se ela estivesse impedida de comparecer, não havia como avisar, e ele lamentava mentalmente: “É… Eu ganhei um ‘bolo'”.

Com o compositor Tolito foi pior: ele procurou a amada para exigir explicações, ela não o atendeu. Passado um tempo, a mulher lhe telefonou, manifestando o seu desamor. Ele ficou triste e fez um samba lamentoso que todos cantavam alegremente nos ensaios.

Graças ao Tolito, um jovem ganhou a sua primeira disputa de samba-enredo. O tema era Vida e Obra de Carlos Gomes, e ocorreu assim: o carnavalesco fazia a explanação do tema para os compositores, e ele estava presente, mas não sabia nada sobre compositor erudito, e ficou impressionado e foi a uma biblioteca para saber mais sobre a vida do compositor erudito, e encontrou o livro biográfico Nasce Uma Nova Estrela, leu e fez um bonito samba-enredo. O rapazinho iniciou em composição fazendo paródias de músicas de sucesso de letras curtas para a torcida de um clube de futebol. Se o samba Devagar, Devagarinho tivesse sido criado na época, talvez ele fizesse assim:

Vamos jogar, vamos jogar
E não vai ser bem devagar, devagarinho
Vamos ganhar, vamos ganhar
De goleada ou mesmo com um golzinho

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Na adolescência, Ferreirinha (sua graça diminutiva do sobrenome) criava umas musiquinhas e, um dia, estava num botequim com uns coleguinhas, entoava suas canções, emendou no samba de enredo, o Tolito entrou no boteco, parou de cantar e inquiriu:

— O que estavam cantando?
— Um samba-enredo que Ferreirinha fez — responderam quase em uníssono — Quer ouvir?

Um dos rapazes, que já sabia o samba, puxou e, quando pararam de entoar, pediu que não saíssem dali, e disse que ia sair, mas voltaria logo. Foi na padaria próxima, pegou um papel de embrulhar pão, regressou, a turminha continuava cantando, anotou a letra e se despediu.

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Dia seguinte, na quadra da escola, acontecia a disputa final para o tema de desfile e haviam três concorrentes: Seu Duca, compositor antigo, apresentou o seu primeiro; depois o Walter Branco, com seu irmão preto, e, por último, o Tolito, que cantou o samba copiado no papel de pão. Um dos rapazolas protestou:

— Ferreirinha, ele está cantando o seu samba
— Deixa, pelo menos, mesmo sem ser da Ala dos Compositores, estão ouvindo o meu.

Ao terminar, palmas, assobios e gritos de “Já ganhou! Já ganhou!”. E, surpreendentemente, o Tolito confessou que o samba que cantou não era seu e, apontando o dedo indicador para onde estavam os rapazes, disse que era de um deles e declarou que, naquele momento, tirava o seu em apoio a quem acabou de apresentar. Seu Duca subiu no palanque, pegou o microfone e falou que saía da disputa, argumentando que era bom para a escola desfilar com um samba de compositor jovem. Os Walter Branco e Walter Preto se entreolharam, declararam que também apoiavam o samba do Ferreirinha e foram muito aplaudidos. Ao terminar o ensaio, Ferreirinha com cerca de dezoito carnavais, era baixinho, saiu da quadra feliz, caminhando em passos lentos. Cresceu, virou Ferreira, continua andando devagarinho e, se alguém diz que ele é lerdo, rebate afirmando que o apressado chega ao destino ofegante e quem anda devagar, descansado.

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Martinho da Vila é o nome artístico de Martinho José Ferreira, que venceu sua primeira disputa de samba-enredo com Carlos Gomes, na escola de samba Aprendizes da Boca do Mato, que desfilou ao som da música em 1957. Tolito, que ficaria conhecido como Tolito da Mangueira, é o sambista Erlito Machado Fonseca (1917-1977).

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