De volta à escola pública
Por que não para de crescer o número de alunos que migram do ensino privado para os colégios municipais
Com uniforme alinhado e mochila nas costas, os irmãos Igor e Iury, de 11 e 4 anos, chegam de BMW, levados pelos pais, para mais um dia de aula no colégio onde estudam. A cena seria corriqueira em escolas da elite carioca, a exemplo dos tradicionais São Bento, no Centro, e Santo Inácio, em Botafogo. Mas acontece em Jacarepaguá, Zona Oeste, na calçada em frente a uma instituição pública ? no caso, a Escola Municipal Roberto Burle Marx. Como se vê, o comandante da PM Rogério Lacerda e a comerciante Célia Pereira não pagam para os filhos aprenderem: a família (que mora no Condomínio Rio 2, na Barra) poderia muito bem bancar uma mensalidade de 1?500 reais, preço comum em colégios da Zona Sul, mas optou pelo ensino público. Eles confirmam a atual tendência de migração de alunos de escolas particulares, nascidos na classe média, para as carteiras da rede municipal.
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Os colégios públicos vêm, efetivamente, melhorando de posição nos rankings de avaliação de ensino, em especial de quatro anos para cá, com o desaparecimento da chamada “aprovação automática”, um dos cavalos de batalha da campanha e da primeira administração do prefeito Eduardo Paes. Sem o mínimo receio de repetirem de ano, alunos fingiam que estudavam. Sem maiores cobranças por parte dos pais, nem plano de carreira definido, professores desestimulados fingiam ensinar. Isso tudo vem caindo em desuso. E boas notícias surgem da análise dos dados divulgados em agosto pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb): as três primeiras colocadas entre as escolas públicas do 1º ao 5º ano no estado do Rio são da rede municipal da capital. Isso acaba estimulando o processo migratório da escola privada para a gratuita. E há quem enxergue vantagens para além do aspecto financeiro, e não restritas à questão do ensino. A própria Célia pensa assim: “Matricular nossos filhos na rede municipal permitiu que eles passassem a conviver com todas as classes sociais. Eles aprendem a respeitar as diferenças”.
Há outra maneira de enxergar essas mudanças, a qual inclui o engajamento dos educadores. Nas 1?074 escolas municipais, eles passaram a ser estimulados a verificar, de verdade, se os deveres de casa estão sendo feitos e têm como obrigação criar avaliações bimestrais. Além disso, o corpo docente municipal recebe, em média, um salário melhor que o da rede privada. Por isso mesmo, tem se tornado difícil o ingresso nesse time de mestres. No último concurso para professor II (que atende alunos desde a pré-escola até o 5º ano), a relação candidato-vaga foi de 55 para 1. A título de comparação, o vestibular da Uerj para direito, um dos mais disputados da cidade, reuniu na última edição dezesseis postulantes por cadeira. “Os melhores professores do Rio estão na escola pública”, afirma com todas as letras a secretária municipal de Educação, Cláudia Costin. “Essa migração que observamos hoje não está relacionada à perda de padrão aquisitivo, mas sim à percepção de que agora existe seriedade acadêmica. Muitos jovens de escolas públicas vêm sendo aprovados em processos seletivos competitivos, como o do Colégio Pedro II.”
Foi o corpo docente o principal motivo da matrícula de Marina Barbato, 12 anos, na Escola Municipal Estácio de Sá, na Urca. Até o ano passado ela estudava em um colégio privado “que não cobrava conhecimentos dos alunos”, como diz seu avô, o advogado Jacinto Santos. “A nova escola é muito mais presente. Sempre há, por exemplo, reuniões para a entrega do boletim. Parece que os colégios particulares, tão caros, já não primam pela excelência”, observa.
Garantido pelo município, o acesso ao ensino fundamental é democrático. Não existem concursos para o ingresso, e as matrículas, abertas até domingo que vem (25), devem ser feitas pela internet, através do site da prefeitura. É ali que pais e responsáveis indicam as escolas que buscam de acordo com sua preferência, por rendimento ou localização geográfica. No programa comum dos cursos, há novidades recentes como a oferta de aulas de inglês desde o 1º ano e um sistema de reforço escolar, que vem atendendo cerca de 50?000 dos 530?000 alunos matriculados. São dados que valorizam ainda mais essa saudável disputa. E a torcida é para que esse choque de realidade faça a rede privada descer do berço esplêndido onde esteve nas últimas décadas. Os estudantes cariocas ? todos eles ? com certeza sairiam ganhando.