Madraçal à carioca

O interesse pelo idioma do Oriente Médio cresceu desde a Primavera Árabe. Junte a isso um mestre gente boa e chega-se à receita de um curso de sucesso

Por Lula Branco Martins
Atualizado em 5 jun 2017, 14h33 - Publicado em 9 Maio 2012, 18h23
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educacao-01.jpg (Redação Veja rio/)
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Em outubro passado, a Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), em Botafogo, promoveu um ciclo de debates sobre a Primavera Árabe – como se convencionou chamar a série de levantes populares no Oriente Médio e na África que, a partir do fim de 2010, derrubou governos em países como Egito e Tunísia. Tamanha foi a repercussão do encontro que os organizadores acharam por bem oferecer um curso do idioma árabe. Inscrições abertas em março, esperavam-se vinte heróis. Mas eis que cinquenta alunos se matricularam. A sala ficou pequena, a turma teve de ser dividida em dois horários. “E já estamos com sessenta pessoas na fila de espera para a próxima edição”, diz o historiador Murilo Meihy, criador do projeto. O sucesso do curso inspirou um chiste politicamente incorreto, repetido pelo corpo discente: “O árabe está bombando”, brincam, gaiatos, os estudantes.

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Variados são os motivos desse aparentemente repentino interesse pelo idioma falada em Bagdá e no Cairo, e pela cultura de uma região onde petróleo abundante e intermitente tensão religiosa costumam ser o pano de fundo de conflitos que não cessam nunca. Cada aluno explica de um jeito por que se dispôs a aprender uma língua que é, em quase tudo, muito diferente da nossa (veja o quadro na pág. 32). Patricia Gianut, 34 anos, nascida no bairro de Campo Grande e desde 2008 com uma tatuagem em árabe no braço, é profissional de dança do ventre e pretende “entender melhor” as canções que fazem parte do show que apresenta em casas de comidas típicas, como o Amir, em Copacabana. Já a endocrinologista ipanemense Laila Daibes, 48 anos, se inscreveu nas aulas por questões de família – a mesma razão de quase um terço da turma. “Quero saber mais sobre minhas origens”, diz essa neta de libaneses, cujo prenome significa “menina de cabelos pretos”. E o teólogo Bernardo Roustand, 27 anos, da Gávea, explica assim sua motivação principal: “O conceito árabe de Deus é complexo, tem a ver com a ideia de beleza, e a caligrafia reflete isso. Aprendendo a ler nessa língua, poderei mergulhar nas bases do islamismo”.

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Para além das buscas pessoais, parece existir um sentimento comum nessa espécie de madraçal (escola) montada há quatro semanas pela FCRB: a esperança de que os recentes movimentos sociais e políticos ocorridos nos países árabes possam gerar um clima propício a um maior intercâmbio com a região. A psicóloga Vanessa Cardoso, 38 anos, moradora do Flamengo e integrante do grupo Médicos sem Fronteiras, diz que saber o idioma pode ser “um diferencial positivo”. Ela já teve pacientes na Cisjordânia, mas na próxima viagem espera dispensar tradutores. Sentada na primeira fila do auditório, sua colega Rosana de Freitas, 40 anos, da Glória, professora universitária de arte, é enfática: “A Primavera nos fez redescobrir essa parte do mundo”.

Alguns alunos estão ali por mera curiosidade. Outros percebem no árabe uma chance a mais no mercado de trabalho. Mas num ponto todos concordam: o sucesso do curso se deve muito ao professor Nami Hanna. Libanês de nascimento, 46 anos, ele é bem-humorado (costuma citar a caricata avareza dos povos árabes), tem como regra não discursar sobre política nem religião em sala e exibe um método de ensino muito próprio. O primeiro objetivo é fazer o pessoal aprender a ler. Numa segunda fase, vai treiná-los na escrita. E só no ano seguinte serão ditas as primeiras frases. Faz parte de sua didática brincar com as gírias e com o sotaque local. Quando ensina a pronúncia de determinada sílaba, pode se sair com uma destas: “O som desse T não é o T de ?gatchinha?. Cariocas, esqueçam por um momento que são cariocas”. Nami, agora tijucano, é casado com uma brasileira e dá aulas desde que chegou ao Rio, em 2001. Já captou algo do espírito da cidade e evita, por exemplo, marcar cursos durante o verão, pois não enchem – árabe já é difícil, imagine se der praia.

Desta vez o mestre conta com mais um trunfo: o local das aulas. A Casa de Rui Barbosa, com seu jardim de 9?000 metros quadrados, facilita a concentração dos alunos. Trata-se de um oásis de paz dentro de um dos bairros mais barulhentos da Zona Sul. Das janelas vê-se o Corcovado e, entre palmeiras imperiais, a turma fica praticando o idioma. Não é um curso caro: 80 reais por mês. Vem se juntar a outros, de pequeno alcance, entre eles a licenciatura da UFRJ (que recebe só quinze universitários por ano) e aulas ligeiras ministradas em instituições como a Liga Libanesa e a Igreja de Nossa Senhora do Líbano, na Zona Norte. Então, que seja bem-vindo. Ou, neste caso, ahlan ua sahlan.

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