Mimados como filhos

Paparicados por seus donos, cachorros agora se casam, fazem dieta natural, ficam em spa para desestressar e se esbaldam em festas na piscina

Por Daniela Pessoa
Atualizado em 2 jun 2017, 13h15 - Publicado em 8 jan 2014, 14h23
Tomás Rangel
Tomás Rangel (Redação Veja rio/)
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O grande dia começou cedo para Bebel Brito Guida. Moradora de Botafogo, ela acordou às 5 da manhã para dar início ao dia de noiva em uma casa em Vargem Grande, com massagem, hidratação e banho em ofurô. Assim ela se preparou para a cerimônia de casamento, realizada naquela tarde. Sob os acordes da marcha nupcial, atravessou o tapete vermelho com seu vestido branco de organza e cetim com aplicação de pérolas e pedrarias, feito em uma confecção de luxo mineira, bem como seu véu e grinalda e o fraque do noivo. Organizado por uma cerimonialista, o casório teve fotógrafo, cinegrafista e música ao vivo. No entanto, a mesa denunciava que aquele era um matrimônio diferente. O enfeite de um par de cães da raça maltesa encimava o bolo de três andares, em torno do qual havia petiscos em formato de osso, doces, cupcakes e até coquetéis próprios para cachorros. Na verdade, a festa celebrou o enlace da maltesa Bebel com Ruffo, da mesma raça. Na hora do “sim”, proferido pelos donos dos nubentes, o par trocou colares, em vez de alianças, diante dos padrinhos totós, que trajavam smokings e vestidos cor-de-rosa. “Nada supera a emoção de ter levado a minha filha até o altar”, conta a dona de casa Luzia Brito, viúva sem herdeiros naturais, com os olhos marejados ao relembrar a data.

(No vídeo a seguir, conheça os hábitos quase humanos da maltesa Bebel Brito Guida, detalhes de sua festa de casamento canina e mais)

 

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Como já deu para perceber com esse breve relato, Luzia não trata sua mascote como um mero animal de estimação, mas, sim, prefere vê-la, e paparicá-la, tal qual uma filha, o que resultou no desenvolvimento de hábitos típicos de humanos na bichinha (veja o quadro). Para o escândalo de quem vê esse movimento de fora, os animais agora se casam, têm guarda-roupa recheado de peças, fazem hidratação, ficam em spa quando estressados e seguem dieta natureba, preparada por chef. A privilegiada Bebel adora sair para comer pastel, faz tratamento estético a cada quinzena e só vai à rua engalanada. O auge da corujice materna se dá quando a dona fala da carreira da “menina”. A maltesa já atuou em diversos programas de TV. Sua última aparição no vídeo foi em Fina Estampa, contracenando com o afetado mordomo Crô. Luzia é o símbolo maior do exagero, mas não o único exemplo de quem cuida do animal como se fosse gente. Mahaylla é uma privilegiada poodle que tem quarto próprio em um apartamento em Copacabana, dotado de sofá, berço e guarda-roupa com vinte modelitos e mais de 250 lacinhos coloridos. Come filé de salmão, faz acupuntura toda semana e tem caderneta de poupança. “Gasto cerca de 1?000 reais mensais com a minha filha. Ela merece”, diz a psicóloga Mércia Carrah, que jamais casou nem gerou rebentos.

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Selmy Yassuda
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Desde um passado remoto, pessoas mais solitárias, sem filhos ou com a prole já independente, transferem o afeto para o pet. Isso acontece há séculos, e até aí não há nada de mais. Não sem razão, o cachorro ficou conhecido como o melhor amigo do homem. O problema é quando o carinho vira obsessão, esbarrando muitas vezes no ridículo. O sinal amarelo acende no momento em que o animal começa a privar o dono de atividades sociais, preenchendo um espaço que deveria ser ocupado por relacionamentos humanos. E o vermelho passa a piscar alucinadamente quando fica difícil distinguir qual dos dois tem o comportamento mais racional. Entre tantos fatores negativos, essa confusão tende inclusive a comprometer a saúde do bicho. Alimentá-lo com guloseimas, por exemplo, pode levar a um dos males mais comuns diagnosticados nos consultórios veterinários: a obesidade. Um em cada três cães do país está com excesso de peso, o que pode causar doenças como diabetes e desequilíbrios emocionais. “Para os cachorros, comer significa não morrer de fome. Qualquer coisa além da ração na quantidade certa pode se tornar nociva”, alerta a veterinária Ana Cristina Pinheiro.

 

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Evidentemente, o mercado voltado para esses donos exageradamente apaixonados não só está atento ao fenômeno como trata de incentivá-lo. Nos últimos anos, a oferta de produtos e serviços especiais se ampliou de forma exponencial (veja o quadro abaixo). Existem refrigerantes, sorvetes, congelados gourmets, rações orgânicas e cervejas (sem álcool, claro) direcionadas aos bichos. Dois gigantes do mercado nacional, a Pet Center Marginal e a Cobasi, ambas com lojas no Rio, oferecem em seu catálogo joias, esmaltes e móveis em miniatura. Mas foi o segmento de serviços que registrou o maior crescimento do setor em 2012, com a perspectiva de repetir o feito neste ano. A lista de novidades é extensa. Há desde nutricionistas especializados em cães, como é o caso das veterinárias Melissa Guillen e Paloma Dalloz, que treinam cozinheiros para ir à casa do cliente e preparar pratos saudáveis, sem ingredientes industrializados, até academias com aula de natação e esteira ergométrica para a malhação canina.

 

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Com algo em torno de 1 milhão de cães atualmente, o Rio contribuiu fortemente para que o Brasil se tornasse o segundo maior mercado do gênero do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet), o faturamento nacional no setor foi de 14,2 bilhões de reais em 2012, um aumento recorde de 16,4% em relação ao ano anterior, ante uma economia que cresceu apenas 0,9% no mesmo período. Poderia ser uma boa notícia. Afinal, é cientificamente comprovado que o convívio do homem com o animal tende a melhorar a autoestima, reduzir a ansiedade e diminuir a pressão arterial em pessoas hipertensas. Entretanto, especialistas creditam a expansão a outros dois fatores: o crescimento do poder aquisitivo da classe C, que passou a mimar mais os bichos de estimação, e do mercado de luxo (esse dos exageros e excentricidades). Aí já vira motivo para uma certa preocupação. “As pessoas pensam que, quanto mais próximos os bichos estiverem do universo humano, com todo o conforto e a regalias, maior será o ­bem-estar deles. Não é assim que funciona”, aponta Cláudia Pizzolatto, sócia de um e-commerce de produtos para cães e gatos.

Selmy Yassuda
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Nesse perfil citado pela empresária se encaixa perfeitamente a socialite Heliana Lustman. Irritada com uma doença que seus xodós contraíram numa petshop, ela decidiu montar uma estação de banho e tosa dentro de sua cobertura de 1?500 metros quadrados no condomínio Atlântico Sul, na Barra. É coisa de Primeiro Mundo. O local é equipado com ducha, secador especial, toalhas e tudo mais. Uma vez por semana, os shih tzus Mel, Xuxa, Sal, Doce, Pimenta e Chocolate recebem os cuidados de dois profissionais, que atendem em domicílio. O sexteto tem passeador duas vezes ao dia, além de uma dupla de babás, que cuida da casa e se reveza nas brincadeiras com a turminha enquanto Heliana e o marido, o construtor Carlos Fernando de Carvalho, estão fora. “Eles têm horário para passear, comer, brincar e dormir, exatamente como meus dois filhos na infância”, conta a patroa. Esse processo de humanização dos bichos também se vê na casa da esteticista Rose Fagury, “mãe” da maltesa Lady Kate, dos poodles Grace Kelly, Brad Pitt e Dicky Didi, da golden retriever Ursula Andress e do pas­tor-maremano Sultão. O ponto alto por lá são as chamadas pool party. Tal qual adultos, a cachorrada, de biquíni, sunga, óculos escuros e viseira, pega sol em boias coloridas na piscina. Só não rola beijo na boca. “A Lady Kate é muito cãotricinha, não repete modelito de jeito nenhum. Puxou à mãe, que é perua”, diverte-se Rose, que em dezembro recorreu a um frei para batizar Dicky Didi e Ursula Andress. Deus, perdoai-os, porque eles não sabem o que fazem.

Selmy Yassuda
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Precursora do tratamento vip aos xodós de estimação, a socialite carioca Vera Loyola não é mais adepta das firulas nababescas de outrora. No fim dos anos 90, ela ficou famosa por dar uma festa de arromba para comemorar o aniversário da pequinês Pepezinha, que morreria em 2002. Foi uma superprodução, com decoração inspirada no desenho 101 Dálmatas e bufê de primeira para os convidados: 45 cachorros e 60 adultos da alta-roda, entre eles Narcisa Tamborindeguy. Em busca da melhor foto, paparazzi subiram em árvores e alugaram apartamentos vizinhos. Bolo, brigadeiros, pirulitos, balas e outras delícias foram feitos com rações variadas. Garçons serviam refrigerante em pequenos potes de acrílico coloridos para a bicharada. No final, o Parabéns a Você foi entoado no linguajar da aniversariante (confira o glossário com os termos usados em imagem acima), com uma sequência de uivos e latidos. Ridículo. “Queria expressar meu amor pela Pepezinha em uma época em que eu achava necessário demonstrar interesse pelos animais”, reconhece Vera. “Mas, depois de ser muito criticada, aprendi que bicho deve viver como bicho para ser feliz.” Hoje ela é dona da pug Tererê e dos gatos Princesa, Bruno e Boneca. Os exageros, garante, ficaram definitivamente no passado. Fica a lição.

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