Como os cariocas 60+ vêm cavando espaço no mercado de trabalho
No entanto, especialistas alertam que o debate sobre longevidade nas empresas ainda privilegia um perfil específico: o idoso saudável e produtivo

Desempregado aos 65 anos, Gilberto Lourenço imaginou que não restaria outra opção senão se aposentar, apesar da disposição para o batente. Um ano e meio mais tarde, ele conheceu o Programa Empregabilidade 50+ da prefeitura e decidiu se inscrever. Rapidamente conseguiu uma vaga como repositor num supermercado na Barra da Tijuca.
“Trabalhar é importante, não só pelo lado financeiro, mas também pela socialização. Fiz novos contatos, adquiri conhecimento e me sinto muito mais respeitado hoje”, afirma. Iniciativas como essa ganham força diante do envelhecimento acelerado da população brasileira — no Rio de Janeiro, 13,1% dos moradores são idosos, o segundo maior percentual no país, atrás apenas do Rio Grande do Sul.
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Nesse cenário, empresas começam a despertar para a importância de políticas voltadas à valorização dos profissionais com mais de 60 anos, seja por meio de contratações inclusivas, capacitações específicas ou apoio ao empreendedorismo maduro.
O envelhecimento demográfico traz desafios, mas representa uma força econômica e cultural. Com mais tempo de vida, foco em bem-estar e poder de compra, os consumidores 60+ movimentaram mais de 1 trilhão de reais no ano passado em todo o Brasil, revelando o potencial da chamada economia prateada.
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“Por muito tempo, a longevidade foi tratada apenas como pauta de saúde pública, mas ela também reconfigura o consumo, a estrutura familiar e o mercado de trabalho. As empresas que se adaptarem sairão na frente”, avalia Martin Henkel, especialista em consumo e fundador da SeniorLab, responsável por cunhar o termo “Copacabanização do Rio”, que descreve a predominância dos 60+ em diversos bairros da cidade.
Henkel aponta exemplos como o plano de saúde MedSênior, o Banco BMG, as marcas Piccadilly e Nutren Sênior, da Nestlé, que têm investido em design funcional, interfaces acessíveis e marketing de olho no público maduro.
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A longevidade implica numa valorização crescente na cultura interna das empresas. Segundo Carol Fernandes, coordenadora do Laboratório de Tendências da Firjan, companhias têm criado áreas de RH dedicadas ao tema, com foco em qualidade de vida, educação continuada, saúde e bem-estar dos funcionários.
“A capacitação contínua é fundamental. Grandes empresas nos procuram para preparar os profissionais para os desafios que terão daqui a alguns anos“, conta, acrescentando que o futuro exige letramento sobre envelhecimento, espaços de escuta ativa e incentivo ao planejamento de vida.
“Reter e preparar esses profissionais exige um olhar para toda a trajetória, e não apenas para o momento da aposentadoria”, diz Márcia Tavares, gerente de educação da Maturi, consultoria especializada na inclusão de profissionais 50+.
Apesar dos avanços, especialistas alertam que o debate sobre longevidade no mercado de trabalho ainda privilegia um perfil específico: o idoso saudável e produtivo.
“Tem gente que quase pede desculpa por ter envelhecido, mas se apressa em dizer que ainda dá conta de trabalhar. É um reflexo claro do etarismo”, destaca a advogada e gerontóloga Rose Ferreira Ribeiro, fundadora da RD Longevidade. Cansada de esperar uma oportunidade, uma parcela tem buscado o empreendedorismo para manter a independência financeira.

De acordo com o Sebrae, 24% dos donos de empresas no Rio têm mais de 55 anos. Pensando nisso, o órgão criou o projeto Economia Prateada, voltado à capacitação dos 60+. “A tecnologia traz muitas mudanças e nós precisamos ficar atentos às novidades. A consultoria do Sebrae me ajudou a enxergar o mercado e o meu negócio de uma forma que eu não tinha percebido”, diz Laiza Menezes, 69 anos, que abriu em 2023 o ateliê Abayomi Menezes, especializado em bonecas pretas artesanais.
Pouco a pouco, o mercado vai reconhecendo a diversidade, o poder econômico e a sabedoria trazida pelo envelhecimento.
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