Velozes e ecológicos, carros elétricos começam a ganhar as ruas da cidade
Junto com o avanço da frota, que também é mais econômica, cresce a rede de serviços e postos de recarga para os veículos movidos à eletricidade
Todo dia, o chef Rafa Gomes, de 38 anos, encara ao volante o trajeto de sua casa, no Leblon, até o Village Mall, na Barra, onde comanda a cozinha do restaurante Itacoa. Enquanto prepara seus mil-folhas de pupunha com camarão, raviólis de boeuf bourguignon e outras receitas refinadas, deixa o carro carregando no estacionamento do shopping. Isso mesmo: há dois meses, ele não gasta uma gota sequer de gasolina — seu combustível é a eletricidade.
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O chef compõe um time que vem despontando no cenário nos últimos anos e tem tudo para seguir avançando, junto com o caminhar do mundo na direção de opções cada vez mais sustentáveis. Rafael é o feliz proprietário de um automóvel elétrico. “Na gastronomia, já sigo práticas sustentáveis, de respeito à natureza, tenho inclusive uma horta orgânica. Com o carro é a mesma filosofia”, resume ele, que já foi dono de um modelo híbrido (que alterna energia e combustão) e hoje calcula uma economia de pelo menos 1000 reais por mês em combustível com seu Mini Cooper 100% embalado a eletricidade.
A venda desses modelos (incluindo aí híbridos e plugin, que também podem ser carregados na tomada) bateu o recorde no último semestre. No Brasil, de 2020 até setembro deste ano, o número de veículos elétricos em circulação subiu de 43 980 para 66 415, mais de 50% — sendo que 7% transitam no Rio. Para se ter uma ideia, em 2015 eram pouco mais de 3 000 nas ruas de todo o país, quase nada. E ao que tudo indica eles se farão cada vez mais presentes, uma vez que o esforço para baixar a emissão de gases de efeito estufa entrou definitivamente na agenda da indústria automobilística global.
“Diversos países e companhias já têm regras claras para eliminar a produção de veículos a combustão, e estamos nos encaminhando para integrar essa realidade”, afirma Márcio Alexandre Silva, diretor da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE) e executivo da Nissan. Segundo projeções, em cerca de uma década tais veículos vão representar 60% da frota nacional.
Várias cidades já vêm se estruturando para se amoldar a essa nova realidade — e o Rio não é exceção. Ao longo da Rodovia Presidente Dutra foram inaugurados seis postos de recarga no trajeto Rio-São Paulo, com distância máxima de 122 quilômetros entre um e outro. “Em geral, os veículos eletrificados ainda andam mais pelas vias urbanas, mas conheço gente que já viajou a bordo de um do Rio ao Uruguai”, lembra João Veloso, gerente de comunicação corporativa do grupo BMW no Brasil, responsável pela iniciativa dos postos na estrada.
Desde março, eles saltaram de cinquenta para oitenta no Rio, entre academias, shoppings, condomínios residenciais e até no Cadeg, o mercado municipal da cidade, que dispõe de carregadores elétricos também para caminhões. Maior rede de estacionamento do país, a Estapar instalou em suas garagens 250 pontos de recarga conectados à internet, vinte deles no Rio, capazes de abastecer um carro para que rode 200 quilômetros. Até janeiro, o serviço é gratuito; paga-se somente o custo do estacionamento.
Um dos maiores freios à popularização desses automóveis ainda é seu valor, alto se comparado ao dos modelos convencionais. O mais acessível deles, o chinês JAC E-JS1, previsto para em breve chegar por aqui, custará a partir de 150 000 reais, mas as marcas premium podem alcançar facilmente 700 000, 800 000 reais — cerca de dez vezes o preço do carro popular mais vendido no país neste ano, o Fiat Argo. “Aposto que a tecnologia vai baratear em ritmo acelerado”, diz o ator Mateus Solano, um dos pioneiros na cidade à frente de seu elétrico.
Na casa onde mora com a mulher, a atriz Paula Braun, e os dois filhos, o protagonista da nova novela das 7 da Globo, Quanto Mais Vida Melhor, instalou placas solares, uma composteira para transformar o lixo orgânico em adubo natural e reutiliza a água da chuva, cenário em que o carro que dispensa gasolina se encaixa muito bem.
Em 2015, ele seguiu uma trilha de outros que atualmente abraçam a frota elétrica: primeiro comprou um veículo híbrido, para depois investir no modelo atual. “Consigo ir e voltar várias vezes do Projac sem precisar me preocupar em carregá-lo. Com a gasolina a esse preço, a economia é enorme”, entusiasma-se Solano, que acredita que, em um futuro não tão longe assim, mais gente poderá aderir à recarga elétrica no lugar das bombas de gasolina.
Há sinais disso no horizonte automobilístico. O componente mais caro desses veículos é a bateria, que representa 40% do valor total. Um relatório da Bloomberg, porém, prevê que até 2025 seu custo caia pela metade, deixando o preço final igual ou até mais econômico que o de um equivalente similar a combustão.
O professor de engenharia de transportes da Coppe/UFRJ Marcio D’Agosto lembra que os benefícios ambientais seriam ainda mais amplos se a mesma tecnologia fosse aplicada no transporte coletivo. “A maioria da população depende dos ônibus para a locomoção, que, assim como caminhões urbanos e trens de carga, são movidos a diesel”, diz o especialista. “Deveria haver uma estratégia do governo nesse sentido.”
Os carros elétricos, que têm tudo para vingar planeta afora, não são exatamente novidade. Por volta dos anos 1900, eles desfilavam pelas ruas dos Estados Unidos em todo o seu esplendor, tempo em que representavam um terço da frota no país. Mas o surgimento do carro a combustão, lançado por Henry Ford (1863-1947), mais barato e com maior autonomia para rodar pelas estradas, fez com que os elétricos fossem desaparecendo do mapa ao longo das décadas. Agora, estão de volta e nada indica que serão freados.