Apesar da intensa convivência, casais têm feito menos sexo na quarentena

De acordo com psicanalistas, o isolamento fez com quem muita gente se sentisse 'sufocada' e sem tesão. Por outro lado, mercado erótico cresceu

Por Marcela Capobianco
Atualizado em 17 set 2020, 16h05 - Publicado em 14 ago 2020, 06h00
Quarentena sem sexo: frequência das relações caiu para 70% dos cariocas ouvidos pela pesquisa Emoções Em Quarentena (Getty Images/Reprodução)
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A pandemia mexeu no modo como as pessoas trabalham, estudam, se divertem e intensificou a convivência entre aquelas que vivem na mesma casa. Com tantas e profundas mudanças, é natural que as relações humanas também tenham sido afetadas. Uma pesquisa intitulada Emoções em Quarentena, conduzida pela consultoria Wonderboom, debruçou-se com lupa científica sobre o tema.

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Durante treze semanas, estudou, a partir de depoimentos, os sentimentos dos brasileiros no período de isolamento. Ao responder ao questionário, 70% dos entrevistados cariocas declararam ter diminuído o ritmo das relações sexuais ou mesmo estar em abstinência (a média nacional foi de 72%).

“No momento atual, a ansiedade está muito presente. Ela, por sua vez, pode provocar insônia, que gera cansaço e stress. Esse somatório de fatores resulta na queda da libido e na consequente diminuição das atividades sexuais”, analisa o médico Fabiano Serfaty, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.

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Apenas 11% afirmaram que a assiduidade na cama aumentou. Não foi o caso do radialista L.M., 37 anos. Em nome da privacidade, ele prefere manter o anonimato, mas trata do assunto com rara franqueza. Casado há onze anos e com um filho adolescente de uma relação anterior, teve um momento de animação quando a quarentena foi decretada. Acreditava que viveria uma segunda lua de mel.

Conta que acabou diante da pia de louça suja na cozinha e ainda cheia de compras do mercado para desinfetar. Lado a lado com a mulher 24 horas por dia, os conflitos foram se tornando cada vez mais recorrentes. “Convivendo mais, acabamos brigando mais. Conto nos dedos de uma mão quantas vezes fizemos sexo desde que o isolamento começou. O jeito é abrir uma cerveja, jogar videogame e espantar os pensamentos carnais da minha cabeça”, desabafa.

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Apesar de não ser o foco central da pesquisa, as questões relacionadas a sexo (e à falta dele) acabaram despertando grande interesse por parte dos entrevistados, que foram instados a sugerir perguntas para as próximas sondagens. “Muitos querem saber mais sobre a rotina sexual das outras pessoas, um indicador de que estão refletindo sobre isso e têm suas aflições”, analisa a pesquisadora Camila Coelho, que comandou o estudo brasileiro.

O trabalho vai mais adiante. Em relação à libido, aponta que quase metade dos confinados com parceiro e sem filhos percebeu uma diminuição do desejo sexual durante o confinamento imposto pela pandemia.

Esse não é nem de longe um fenômeno exclusivamente brasileiro. Um estudo feito na China e publicado no The Journal of Sexual Medicine concluiu que uma em cada quatro pessoas reduziu o desejo sexual desde que o novo coronavírus apareceu no planeta. Na Itália, uma pesquisa com mulheres casadas beirando os 40 anos mostrou que a pandemia e o consequente distanciamento social influenciaram negativamente a qualidade de sua vida sexual.

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“Isso é absolutamente normal, na medida em que o desejo é resultado de uma predisposição mental. Se manter o sexo vivendo sob o mesmo teto já exige normalmente criatividade, isso se torna ainda mais desafiante quando o medo da morte, o luto, as contas, entre tantas preocupações simultâneas, tomam o nosso pensamento”, observa a psiquiatra Analice Gigliotti.

Outro desdobramento da convivência em tempo integral é que a individualidade sai prejudicada, assim como o senso de liberdade. “Tenho recebido muitos relatos de pacientes que se sentem sufocados, principalmente as mulheres, em geral as mais dedicadas aos cuidados com a casa e os filhos. É difícil mesmo ressuscitar o desejo nesta confusão”, diz a psicanalista Regina Navarro Lins.

Regina Navarro Lins. Credito_ Caiuá Franco 21
A psicanalista Regina Navarro Lins: “É difícil mesmo ressuscitar o desejo nesta confusão” (Caiuá Franco/Divulgação)

Casada há um ano e meio e sem filhos, M.H., 30 anos, viu “uma luz de alerta piscar” quando se deu conta de que estava há mais de quinze dias sem sexo no isolamento. Chamou o marido para conversar. Ele foi direto: disse que vinha se sentindo “jogado para escanteio”. “No isolamento, os dias são muito iguais, apesar de as nossas emoções oscilarem o tempo todo. É diferente de quando a gente tinha uma rotina de sair, encontrar nossos amigos, beber e voltar para casa mais animadinhos e inspirados para uma noite a dois”, compara a jovem recém-casada.

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Um desafio para casais que encaram a quarentena juntos é fazer do tempo que passam a sós um momento verdadeiramente íntimo, sem distrações tão comuns, como celular e televisão. O fotógrafo carioca Pedro Garcia, que comanda o perfil Cartiê Bressão no Instagram, sentiu o baque. Longe da rua, seu espaço de criação, e com um bebê de menos de 2 anos, ele e a esposa, a cantora Lila, buscaram na música uma forma de aproveitar o pouco tempo que sobrava para os dois.

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Nasceu assim o projeto Noite Transante, com playlists criadas pelos próprios artistas, como Alcione, Letrux e Duda Beat, para ajudar os casais a aquecerem o clima em casa. “É praticamente um serviço de utilidade pública nos dias de hoje”, brinca o fotógrafo. A lista de Martínália, por exemplo, pulsa desde o som da cantora nigeriana Sade ao suingue do fenômeno baiano Baco Exu do Blues, percorrendo gigantes da MPB como Caetano Veloso e Djavan.

A cantora Letrux com camisa azul semiaberta
Noite Transante: o projeto reúne playlists criadas para os casais por artistas como Letrux (Ana Alexandrino/Divulgação)
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Um interessante efeito colateral da baixa nas relações sexuais dentro de casa é a efervescência no mercado brasileiro de sex shops: entre março e maio, enquanto muitos setores apanhavam com a crise, esse crescia 4% em relação a 2019. Um marco foi a venda de 1 milhão de vibradores, item que pela primeira vez figura no topo do ranking dos produtos mais buscados neste segmento.

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Segundo a pesquisa Mercado Erótico na Pandemia, que ouviu empresários do ramo no Brasil, os principais compradores do apetrecho são homens e mulheres casados, de 18 a 35 anos, buscando novas formas de encontrar o prazer. “Neste momento, qualquer esforço para reacender a chama é válido. E numa relação longa, como se sabe, ela vai e vem”, lembra a psiquiatra Analice Gigliotti.

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