Crise internacional e Petrobras afetam em cheio a economia do Rio
A queda no preço internacional do barril e a roubalheira na Petrobras implodiram o sonho carioca de ver o Rio enriquecer com a exploração do pré-sal
O cenário não poderia ser mais alvissareiro. Catapultada por investimentos da ordem de 181 bilhões de reais, a economia do Rio prometia dar início a um ciclo de prosperidade inédito. Os mais entusiasmados chegavam a definir a capital fluminense como “a futura Dubai”, uma referência à exuberante cidade dos Emirados Árabes. Assim como nas coruscantes metrópoles do Oriente Médio, o dinheiro fluiria dos monumentais bolsões de petróleo em nosso subsolo. Avaliados em algo próximo a 4 trilhões de reais, os estoques depositados no fundo do oceano propiciariam um crescimento tão espetacular que não teríamos profissionais em quantidade suficiente para suprir as vagas da florescente indústria exploratória da camada do pré-sal. Passados cinco anos das previsões, vivemos uma realidade bastante diferente. Segundo os economistas, experimentamos aquilo que eles chamam de tempestade perfeita, conjunção de fatores que, uma vez combinados, geram efeitos cataclísmicos.
Tal tormenta teve início em 2014, quando o preço do barril do petróleo no mercado internacional despencou de 115 para 60 dólares. Com o produto mais barato, as corporações envolvidas na prospecção viram as receitas despencar. Desestimuladas de prosseguir com vultosos investimentos para ampliar a produção, elas partiram para o corte de custos, o enxugamento dos projetos e, consequentemente, a redução no quadro de funcionários. Como se as circunstâncias não fossem sombrias o suficiente, a corrupção generalizada na Petrobras revelada pela Operação Lava-Jato paralisou toda a cadeia de fornecedores da estatal, cujos pagamentos estão sendo auditados. “Há uma série de negócios indo à falência, e o setor vai passar por um redimensionamento doloroso”, diz Adriano Pires, especialista em energia e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura. “O que vimos até agora é a ponta do problema. A tendência é que a crise ainda piore até o meio do ano”, prevê.
Beneficiado por concentrar dois terços das bacias conhecidas do país, o Rio colheu, como nenhum outro estado, as vantagens trazidas pela riqueza mineral. O setor responde hoje por 30% do PIB fluminense, sendo responsável pela demanda de trabalhadores dos mais diferentes níveis de qualificação. A cadeia produtiva favorece desde operários da construção civil até especialistas com altíssima qualificação, entre os quais se destacam engenheiros e pesquisadores. Em 2010, as perspectivas de entrar nesse mercado em ebulição foram suficientes para levar a jovem Marina Ribeiro a trocar sua cidade natal, Guidoval, em Minas Gerais, pelo Rio. Inscrita no curso de engenharia do petróleo da Universidade Federal Fluminense, ela não raro ouvia histórias de ex-alunos que, pouco tempo depois de graduados, eram contratados por salários superiores a 15 000 reais mensais.
Ao concluir um estágio de dois anos na Petrobras, Marina pensava trilhar o mesmo caminho. Mas, ao formar-se, em dezembro de 2014, teve seus planos atropelados pela crise. “A incerteza lá dentro é tamanha que a minha chefe tem dúvida se a área em que ela trabalha continuará a existir”, diz. Desempregada, a engenheira recém-formada vive uma rotina de processos seletivos. Dos dez colegas que pegaram o canudo junto com Marina, apenas três estão empregados. “Há pouquíssimas vagas em aberto, e a disputa é acirrada”, conta a moça, que já cogita fazer uma pós-graduação na Espanha para fugir da crise no Brasil.
Em meio às ondas sísmicas que abalam o setor, a poeirenta Itaboraí, cidade a 70 quilômetros da capital, talvez ofereça o retrato mais dramático. Ali dominam a paisagem torres de escritórios, hotéis e shoppings completamente vazios. A cidade, de 227 000 habitantes, deveria ser sede do gigantesco Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), unidade destinada a processar industrialmente parte do óleo extraído do fundo do mar. Lançado em 2006 e com uma demanda de mão de obra estimada em até 200 000 trabalhadores ao longo desta década, o colosso já custou o dobro da previsão inicial e, mesmo assim, apenas uma das duas refinarias previstas foi erguida. Já as unidades petroquímicas que atrairiam empresas do setor continuam bem longe de se tornar realidade. De olho na promessa de emprego farto e bem remunerado, o então estudante de ensino médio Renan Moura da Costa matriculou-se na época num curso de tecnologia de petróleo e gás.
A solução era considerada perfeita, já que em apenas dois anos estaria apto a trabalhar. “Como o Comperj desandou, ninguém absorveu a mão de obra com esse tipo de formação”, explica ele, que teve de mudar de área e fazer faculdade de engenharia de produção. Hoje, trabalha em projetos de tubulações da Max Bosch. “Todos na minha turma acabaram com um diploma sem utilidade. Tivemos de nos adaptar, pois o mercado muito prometeu, mas nada se concretizou”, afirma. Na semana retrasada, 2 500 funcionários da empreiteira que realizava as obras no complexo foram demitidos. Em fevereiro, 1 200 vagas haviam sido eliminadas na cidade.
O estrago provocado pela paralisação dos negócios trouxe profundas mudanças para o setor. Grandes corporações têm realizado um rearranjo em seus organogramas, substituindo executivos experientes (e caros) por candidatos mais jovens. Ao mesmo tempo, a quantidade de expatriados que chegam ao país para trabalhar nas multinacionais da área diminuiu sensivelmente (veja o quadro abaixo). “Essas mudanças implicaram uma queda de até 40% na remuneração dos cargos mais altos das empresas”, explica Raphael Falcão, diretor regional da consultoria Hays, empresa britânica de recrutamento de executivos. Em outro segmento, o de profissionais que se lançaram no empreendedorismo dentro do setor de óleo e gás, o impacto também é forte.
Desde o anúncio do pré-sal, uma miríade de pequenas empresas foi criada para abastecer o mercado de soluções, principalmente na região do Parque Tecnológico, no Fundão. A imensa maioria desses negócios tinha como objetivo fornecer seus produtos à Petrobras. Com a redução nos investimentos já anunciada pela estatal, os empresários agora correm atrás de novos compradores. É o caso do engenheiro Daniel Camerini, um dos sócios da Ativatec, empresa que desenvolve ferramentas de inspeção de equipamentos em águas profundas. “O momento é de preocupação. Nosso contrato com a Petrobras termina em meados de julho, e não temos perspectivas de renovação. Precisamos de novos parceiros para manter a equipe”, diz ele. O próprio centro, com forte vocação para a pesquisa petrolífera, reverbera a má fase do setor. O número de vagas caiu de 2 000, em 2013, para 1 500, em 2014. Ali, diversificar tornou-se palavra de ordem, e em breve empresas como Ambev e L’Oréal abrirão núcleos de pesquisa no local.
As oscilações do preço internacional do petróleo têm impacto direto sobre a arrecadação no Rio. Com o valor do barril em baixa, tanto o governo estadual quanto as prefeituras têm de lidar com a redução dos recursos oriundos dos royalties, uma compensação que a indústria paga por explorar o produto. Caso se mantenha nos atuais 60 dólares, a arrecadação com o petróleo pode desabar 40% neste ano. Antes da crise, a estimativa era que o estado recebesse 9 bilhões de reais em 2015, dinheiro fundamental para as contas estaduais. Se a tendência atual se mantiver, a queda na arrecadação poderá afetar áreas tão díspares quanto o projeto de Unidades de Polícia Pacificadora e os programas sociais. “Para sair do aperto, o Rio terá de aprofundar o planejamento e incentivar outros tipos de indústria, como a farmacêutica, e o turismo”, diz Mauro Osório, coordenador do Observatório de Estudos sobre o Estado do Rio de Janeiro, da Faculdade de Direito da UFRJ.
“Como fomos esvaziados economicamente por décadas, nossa base de arrecadação é muito precária, e passamos a ser muito dependentes dos recursos do setor petrolífero”, explica. É óbvio que, com ou sem crise, as riquezas minerais do Rio continuam a existir e têm um potencial gigantesco. Do mesmo modo, a Petrobras tem meios para superar a má fase e voltar a investir, o que pode ocorrer já em 2016. O que se espera é que, quando isso acontecer, seja de forma mais criteriosa e responsável, dando origem a um ciclo consistente de crescimento. Aí, sim, aumentam as chances de que a tempestade perfeita que vivemos agora não aconteça novamente.