No Dia do Enfermeiro, o relato de quem está na linha de frente

"Só quem é enfermeiro sabe o que é ver um milagre por dia", afirma a enfermeira Flávia Souza, de 42 anos

Por Bruna Motta
12 Maio 2020, 12h53
Flávia Souza: "Muita gente afastada, muitos doentes nos leitos. A conta não fecha, precisamos arregaçar as mangas. " (Divulgação/Arquivo pessoal)
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Em tempos de pandemia, os profissionais de saúde ganham, merecidamente, o status de heróis. À frente do combate ao novo coronavírus, eles arriscam a própria vida para garantir a sobrevivência da população. Nesta terça (12), é comemorado o Dia do Enfermeiro. De acordo com o Conselho Nacional de Enfermagem, pelo menos 13 mil profissionais da área já contraíram o coronavírus e 98 morreram por causa da doença. O Brasil já perdeu mais enfermeiros do que Espanha e Itália juntas, ainda de acordo com o órgão. A enfermeira Flávia Souza, de 42 anos, há mais de 20 anos na profissão, conta a VEJA RIO sobre como é a nova rotina convivendo com o vírus que provoca a Covid-19. Ela trabalha no Hospital Clementino Fraga Filho, da UFRJ. A VEJA RIO agradece o trabalho de todos os bravos enfermeiros e enfermeiras do país. 

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“Não esperei nem completar 18 anos para começar a estudar enfermagem. Nunca tive dúvidas sobre qual profissão seguir. Aos 21 anos, eu já trabalhava em UTI. E lá se vão mais de 20 anos. Cada vez que saio de um plantão, volto ainda mais apaixonada. Gosto tanto da minha profissão que virei professora, quero ajudar a formar cada vez mais enfermeiros comprometidos. Nós, que somos da área da saúde, costumamos partilhar conhecimento um com outro. Então, quando chegaram as primeiras notícias sobre a Covid-19, nós sabíamos que o vírus estaria no Brasil entre fevereiro e março. Começamos a nos preparar e planejar cada detalhe do árduo trabalho que viria pela frente. Mas, mesmo com todos esses anos de experiência, trabalhando há mais de dez anos em hospital público, não pensei que ia passar pelo que estamos passando. Os pacientes com o vírus são os mais trabalhosos, exigem atenção a cada minuto. Fora isso, não para de chegar gente nos centros médicos. Não demorou muito para eu ser infectada. Todo enfermeiro se prepara psicologicamente para isso, porque é quase inevitável.

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Em 28 de março comecei com uma crise de asma e muita tosse. O sinal amarelo piscou. Minha equipe logo percebeu, e fiz o exame. A surpresa: deu negativo. Continuei meu trabalho, até um dia em que eu não conseguia completar uma frase. Foi quando descobri que o teste da Covid-19 tem chance de 30% de dar falso negativo. Eu fui uma delas. Engraçado, meu primeiro pensamento foi: como eu vou me ausentar do trabalho logo agora? Foram dias difíceis, tive que ficar isolada em um cômodo da casa, sem interagir com meu marido e meus dois filhos. Dormi quatro dias sentada, porque não conseguia respirar deitada. Quando esse pesadelo acabou, senti reacender a paixão do início da carreira. Era desesperador acompanhar as notícias, saber dos relatos dos meus colegas sem poder fazer nada.

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Voltei aos meus plantões. Trabalho 12 horas por dia, às vezes até sete dias por semana. Tem muito profissional afastado e muitos doentes nos leitos. A conta não fecha, então precisamos arregaçar as mangas. Chego em casa exausta, querendo exercer meu papel de mãe, esposa, e é difícil conciliar. As pessoas me perguntam: ‘Flávia, como ainda sim você mantém o bom humor?’. E eu respondo: porque eu sei que vai passar. Eu estou vendo a gente dar um jeito a vida inteira. Só quem é enfermeiro sabe o que é ver um milagre por dia. Nossa união está ainda maior, quem está chegando para a residência está cheio de gás e a gente se olha esperançoso. Vai passar, eu sei.”

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