Rio: 1,4 mil mortes por covid-19 foram em favelas, mostra painel

Números são referentes às comunidades da capital fluminense

Por Agência Brasil
14 ago 2020, 09h58
Foto mostra favela
Saúde mental: violência gera prejuízos para a população em comunidades (EduLeite/ISTOCK)
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Levantamento feito no último dia 11 e divulgado nesta quinta (13) pelo Painel Unificador Covid-19 nas Favelas mostra que, no mínimo, 1 402 mortes pela doença são de moradores de favelas. De acordo com dados do consórcio de veículos de imprensa elaborados com informações da Secretaria de Saúde (SES), 14 080 óbitos foram registrados no estado do Rio de Janeiro desde a chegada do novo coronavírus no Brasil, dos quais 8 612 ocorreram na capital.

“A subnotificação já é explícita (nas comunidades) ”, disse à Agência Brasil a representante do coletivo Redes da Maré, que atua em 16 favelas do Complexo da Maré, na zona norte da capital, Daniele Moura. Ela lembrou que o Painel Unificador Covid-19 nas Favelas é alimentado por informações dos próprios moradores, repassadas pelos líderes comunitários. “O Estado não chega à favela”, ressaltou Daniele. A Redes da Maré não consegue ir de porta em porta. São 140 mil moradores no Complexo da Maré, em 47 mil domicílios. A negligência do Estado provoca, segundo Daniele, subnotificações de covid-19.

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Em coletiva virtual promovida hoje pela organização não governamental (ONG) Comunidades Catalisadoras (ComCat), Daniele Moura anunciou uma parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e outras organizações, para ultrapassar a questão do receptivo das informações. O coletivo está lançando a proposta Conexão Saúde, que consiste em um aplicativo divulgado nas 16 favelas locais para que os moradores tenham teleatendimento com médicos generalistas e psicólogos e as pessoas infectadas por covid-19 ou com suspeita da doença sejam indicadas para testagem pela Fiocruz.

Estimativa

Dados coletados na Maré como base estimada para favelas de modo geral, por exemplo, estimam um total de 15 mil moradores infectados por coronavírus em favelas da capital fluminense, o que pode ser um número mais próximo da realidade, disse Theresa Williamson, da ComCat. Esse número corresponderia a 20% dos casos de covid-19 no município do Rio de Janeiro. Theresa sublinhou que desde o lançamento do painel, em julho passado, houve significativa evolução, tanto do número de casos confirmados como de óbitos por covid-19, que eram, naquele momento, de 4.046 e 639, respectivamente. Afirmou também que as 1 402 mortes apontadas pelo painel ultrapassa os números de seis estados brasileiros (Mato Grosso do Sul com 509 óbitos, Amapá com 602, Tocantins com 547, Roraima com 547 e Acre com 561 mortos por covid-19”.

O painel foi criado para coletar e divulgar dados sobre o alcance da covid-19 nas favelas do Rio de Janeiro, face à percepção das entidades envolvidas de que havia insuficiência de testes e dados públicos adequados. O instrumento tem como fontes uma rede de mobilizadores, organizações e comunicadores de favela, além de dados públicos. Os dados são atualizados semanalmente. Hoje, por exemplo, o maior número de casos confirmados foi identificado no painel no Complexo da Maré (1 486), mas o maior número de óbitos (189) foi registrado na Comunidade Sem Terra em Itaguaí, região metropolitana do Rio de Janeiro.

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O objetivo do painel é contribuir para o processo de prevenção e mitigação da doença nas favelas do Rio de Janeiro. Até agora, o painel acompanha 41 favelas e complexos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, que somam 154 comunidades individuais. Theresa Williamson lembrou, entretanto, que como os complexos são conjuntos de favelas, pode-se dizer que o Rio de Janeiro tem cerca de mil comunidades.

Fiocruz

A pesquisadora do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT) da Fiocruz, Renata Gracie, ressaltou, com base em informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que dois terços dos aglomerados estão a menos de dois quilômetros de hospitais e que 20% dos lares de favelas se concentram nas capitais de São Paulo e Rio de Janeiro. Renata destacou a dificuldade de acesso dos moradores de comunidades ao atendimento no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e a ausência de Código de Endereçamento Postal (CEP) que inviabiliza a localização dessas moradias, impactando também, de modo negativo, no atendimento à saúde.

A pesquisadora disse que a Fiocruz pretende incluir em suas estatísticas dados das unidades de família que atendem comunidades para “refinar os dados coletados”. Na avaliação de Renata Gracie, o painel é importante porque está reunindo informações que o “poder público não captura”. Ela acredita que essa visibilidade dada pelo painel pode ajudar a população das favelas a ter mais direitos na cidade.

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Theresa Williamson, da ComCat, enumerou alguns obstáculos levantados até agora nas comunidades, ligados à covid-19. Entre eles, acentuou a falta de prevenção, com o não uso de equipamentos de segurança individual (EPIs), como máscaras; dificuldade de acesso a unidades de saúde; diminuição das doações; falta de testes.

Depoimentos

Diante da falta de informações das mortes pelo novo coronavírus em favelas nos boletins públicos, vários coletivos passaram a fazer essa contagem por iniciativa própria. É o caso da Associação de Mulheres de Itaguaí – Guerreiras e Articuladoras Sociais (A.M.I.G.A.S.). Anna Paula Salles, líder comunitária em Itaguai há 15 anos, vem realizando, junto com mais seis mulheres, um levantamento nas comunidades daquele município da região metropolitana do Rio de Janeiro, para ter uma visão mais objetiva do impacto da doença nessas localidades. As cinco favelas da região (Engenho, Sem Terra, Morro do Carvão, Chaperó e Brisamar) registram um total de 2 671 casos e 560 mortes pela covid-19.

O mesmo ocorreu em Rio das Pedras, favela situada em Jacarepaguá, zona oeste da capital fluminense. Douglas Heliodoro, do Coletivo Conexões Periféricas, abordou a dificuldade de se levantar a situação da covid-19 na comunidade, formada por mais de 100 mil habitantes, papel que deveria ser do Estado, segundo ele. No primeiro momento, o questionário distribuído teve grande adesão, mas, a partir da divulgação de notícias que atribuíam o epicentro de contaminação da doença a uma determinada rua da favela, os moradores sofreram preconceito em seus trabalhos e não quiseram mais fornecer dados. Heliodoro informou que muitos moradores são trabalhadores autônomos e informais ou da área de serviços, que só começou a retornar à atividade recentemente, e foram objeto de discriminação.

Em Duque de Caxias, Baixada Fluminense, a líder comunitária Nill Santos relata que além da covid-19, a população das comunidades enfrenta falta de água encanada e de esgotamento sanitário. Nill salientou que os líderes comunitários têm de mostrar aos moradores de favelas que eles têm de cuidar de si próprios, indicando a importância do uso da máscara e do álcool gel.

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Seimour Souza, do coletivo LabJaca, da comunidade do Jacarezinho, zona norte do Rio de Janeiro, disse que por meio de uma webserie, que já se encontra no quarto episódio, o grupo fala dos efeitos da covid e da necessidade de prevenção. Analisou que o isolamento social é necessário e teve seus melhores resultados naquela comunidade no mês de abril mas agora, é grande o número de trabalhadores informais que têm de sair para trabalhar e poder manter suas famílias. “As políticas públicas não chegam ao espaço”, comentou.

Futuro

Após o primeiro momento da pandemia do novo coronavírus, traduzido em ações humanitárias, a maioria dos líderes comunitários indicou que o trabalho na fase pós-pandemia vai focar na economia solidária para diminuir os impactos da doença que provocaram alto nível de desemprego. A implantação de cooperativas de coleta seletiva, costura e alimentos está dentro desse contexto, disse Anna Paula Salles, da A.M.I.G.A.S. Um esforço está sendo feito também para divulgação do trabalho de mulheres artesãs e confeiteiras para fora das comunidades, em Duque de Caxias, visando a geração de renda, revelou Nill Santos.

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Para Anna Paula, o maior desafio é conscientizar a população das favelas de que o normal como se conhecia antes não vai voltar mais. “A nossa palavra de ordem tem que ser informação, conscientização, sensibilização e mobilização social, porque a gente precisa esclarecer a população sobre a realidade”, manifestou.

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A reportagem procurou a prefeitura do Rio de Janeiro pedindo um posicionamento sobre as declarações, porém não teve retorno até a publicação da matéria.

Prefeitura

Procurada pela reportagem, a prefeitura do Rio de Janeiro disse que no Painel Rio Covid-19, a Secretaria Municipal de Saúde informa os casos confirmados para covid-19, com a distribuição dos casos por bairros oficiais. “São os dados oficiais do Sistema de Vigilância em Saúde, após as devidas confirmações técnicas necessárias, conforme protocolos do Ministério da Saúde”, disse em nota.

A nota diz que os dados dos territórios reunidos por ONGs ou instituições não oficiais não utilizam necessariamente essa metodologia, considerando, por exemplo, casos autodeclarados, sem confirmação laboratorial. “Os casos de óbitos também seguem o mesmo padrão e aqueles com confirmação para covid-19 são divulgados no Painel Rio Covid-19, por bairros oficiais, incluindo em cada um deles os dados das favelas, porém divulgados de acordo com os bairros oficiais dos quais fazem parte”.

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Segundo a prefeitura, os casos também são disponibilizados por CEP, podendo ser mapeados de forma mais específica, e serem comparados com a base de favelas do município.” Portanto, não procede que tenha havido mudanças no recorte territorial da divulgação dos dados”.

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