Nas mãos da Justiça

Questões extracampo podem salvar o Fluminense e até o Vasco da segunda divisão. A questão é se, de fato, ganhar no tapetão vale a pena

Por Felipe Carneiro
Atualizado em 2 jun 2017, 13h16 - Publicado em 18 dez 2013, 19h27
Geraldo Bubniak/Fotoarena e Eduardo Martins/A Tarde/Futura Press
Geraldo Bubniak/Fotoarena e Eduardo Martins/A Tarde/Futura Press (Redação Veja rio/)
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O domingo passado foi trágico para dois grandes clubes do Rio. Dono da quinta maior torcida do país, o Vasco se viu rebaixado para a segunda divisão do futebol brasileiro, ao ser impiedosamente goleado por 5 a 1 pelo Atlético Paranaense, num jogo marcado pela pancadaria na arquibancada da Arena Joinville. Campeão nacional na temporada anterior, o Fluminense trilhou o mesmo caminho do rival. Apesar da vitória sobre o Bahia, o tricolor não foi beneficiado pelos resultados de seus oponentes diretos e acabou entre os quatro últimos da competição. A semana do clube das Laranjeiras, que havia se iniciado com muita zombaria por parte de rubro-negros e alvinegros, ambos classificados para a Copa Libertadores do ano que vem, sofreu uma reviravolta na ter­ça-feira (10). Depois que teve um pon­to-final nos gramados, o campeonato ressurgiu com força nos bastidores jurídicos. Por ter escalado um jogador de forma irregular na rodada final, a Portuguesa pode ser punida. O episódio vai a julgamento na segunda-feira (16), e, caso o clube paulista de fato perca 4 pontos, como prevê o regulamento da competição, ele é que será rebaixado, com o Fluminense herdando o seu lugar na turma de elite. Outra movimentação extracampo teve o Vasco como pivô. Na quarta-feira passada (11), o clube entrou com uma ação para impugnar seu último jogo, requerendo os 3 pontos. Numa outra frente, há ainda a possibilidade de o Flamengo ser subtraído em 4 pontos, pela escalação em sua última partida de um jogador que estava suspenso. Nesse embaraço todo, dependendo das decisões judiciais, a tabela do Campeonato Brasileiro pode sofrer alterações radicais (veja o quadro).

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À letra fria da lei, o caso do jogador Héverton, da Portuguesa, é cristalino. Na sexta-feira (6), ele foi punido com duas partidas de suspensão por ter ofendido o árbitro Ricardo Marques no confronto com o Bahia, na 36ª rodada. No ato do julgamento a agremiação estava representada no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) pelo advogado Oswaldo Sestário Filho. Mas, contrariando a decisão, Héverton entrou em campo no domingo (8). Por seu lado, o clube alega que só foi oficialmente informado da suspensão na segunda-feira. Trata-se de um caso que tem antecedentes no futebol brasileiro. Em 2010, o Grêmio Prudente escalou o zagueiro Paulão exatamente nas mesmas circunstâncias e acabou punido com a perda de pontos. A situação do Flamengo é similar. O lateral-esquerdo André Santos foi expulso na decisão da Copa do Brasil e, como era o último jogo do torneio, a pena teria de ser cumprida no Campeonato Brasileiro. “Se o tribunal seguir o regulamento, Flamengo e Portuguesa serão penalizados”, afirma o advogado Rubens Approbato, e­x­-presidente do STJD. Já o imbróglio do Vasco é bem mais complicado e de difícil êxito. A diretoria quer impugnar o jogo contra o Atlético Paranaense, sob a alegação de que a partida ficou interrompida por mais de uma hora. Na argumentação é citado o parágrafo 1º do artigo 19 do Regulamento Geral das Competições da CBF: “A partida interrompida poderá ser suspensa se não cessarem os motivos que deram causa à interrupção, no prazo de trinta minutos, prorrogável para mais trinta minutos”. O recurso ressalta ainda a falta de segurança no estádio. Na tarde de quinta-feira (12), o clube sofreu sua primeira derrota no tapetão. Flávio Zveiter, presidente do STJD, rejeitou o pedido, mas o Vasco promete continuar sua luta nos tribunais.

Além de ecoar como um tiro de bazuca na autoestima do aficionado, o rebaixamento traz um dano à marca do clube, que, somada a seu torcedor, é o maior patrimônio de agremiações muitas vezes centenárias. No entanto, se o dever de casa for benfeito, a queda pode ser um ponto de inflexão para a retomada de uma trajetória gloriosa. No próprio futebol brasileiro não faltam exemplos de quem caiu e conseguiu dar a volta por cima com sobras. Verdadeiro fiasco na competição nacional em 2007, o Corinthians despencou para a Série B. No ano seguinte, venceu a segundona e assim deu a largada para o melhor período de sua história, que culminou com o título mundial no ano passado. Quatro dos cinco primeiros colocados do Campeonato Brasileiro deste ano disputaram a segunda divisão de dez anos para cá. Apenas o campeão Cruzeiro escapa incólume. No exterior o panorama é o mesmo. Gigantes como Milan, Juventus, Manchester United e Chelsea já estiveram no abismo e de lá saíram para brilhar, sendo hoje protagonistas destacados das competições europeias. É um alento para o Fluminense e o Vasco, mas não o único. Se o prejuízo é certo em termos de imagem, o rebaixamento da dupla, caso se confirme, não causa um grande abalo financeiro nos clubes. Ambos possuem patrocínios garantidos para a próxima temporada e vão manter o valor da cota de TV como se estivessem na divisão principal. Apenas no segundo ano da Série B é que a soma seria reduzida à metade.

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Embora apresentem fracassos semelhantes, Vasco e Fluminense cometeram erros diversos na retaguarda. O mau estado de conservação da sede de São Januário é uma alegoria do momento atual do Vasco, que passa por um racha político provocado por uma oposição virulenta, que esteve no poder até 2008 e legou uma dívida estratosférica. A herança maldita, no entanto, não exime de culpa o atual presidente, Roberto Dinamite. Sua gestão teve o mérito de obter, depois de muitos anos, a certidão negativa de débito, o que permitiu ao clube fechar contratos com órgãos do governo, como é o caso da Caixa, o principal patrocinador do futebol. Ele buscou também a profissionalização e a rearrumação financeira. De 2008 para cá, o Vasco praticamente triplicou sua receita, com previsão de atingir neste ano a cifra recorde de 145 milhões de reais. No terreno do futebol, porém, a administração foi um desastre. Fundamentalmente, faltaram competência no planejamento, com troca constante de dirigentes, e critério nas contratações. Ao longo da temporada, o clube teve quatro treinadores. O entra e sai também foi intenso no elenco. Foram adquiridos 23 jogadores, vários deles afastados por mau comportamento ou baixa performance na reta final da temporada. “Apesar do péssimo resultado esportivo, o trabalho fora de campo foi excelente. Mas tudo pode ir pelo ralo devido à politicagem da pior espécie”, alerta Fernando Ferreira, diretor da Pluri Consultoria, empresa especializada em gestão esportiva.

O Fluminense viveu a ciclotimia que tem sido marca em seu passado recente. Em 2008, e especialmente em 2009, escapou do rebaixamento por um milagre divino. Em 2010 e no ano passado, foi campeão brasileiro. Desta vez, teve a mesma pontuação do Criciúma, mas acabou rodando no critério de desempate. Ao contrário de São Januário, em Laranjeiras a política está sob controle. A despeito da campanha do time, o advogado Peter Siemsen acaba de ser reeleito presidente com votação folgada, porém tem voz ativa no futebol o presidente da patrocinadora, Celso Barros, numa espécie de mecenato. No que diz respeito às quatro linhas, o clube perdeu jogadores-chave ? Thiago Neves, Deco, Wellington Nem ? e não houve reposição. Outro problema foi a penhora de receitas, que asfixiou as finanças e causou atrasos salariais constantes. Peter Siemsen parecia resignado em disputar a segunda divisão quando veio à tona o caso da Portuguesa. Diante dos fatos novos, Fluminense e Vasco têm esperança de pular de volta para a primeira divisão via Justiça. É do conhecimento geral que o mundo da bola envolve paixões genuínas. Mas não seria melhor para todos, inclusive para os dois, que Fluminense e Vasco voltassem para a primeira divisão por mérito demonstrado no campo de jogo? Afinal, 2015 é logo ali.

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