Em favelas, 80% dos provedores de internet são ligados a facções criminosas
Uma operação da Polícia Civil interrompeu o funcionamento de duas redes, no Morro do Quitungo e na Cidade Alta, por ligação com o tráfico de drogas

Nesta terça (5), o funcionamento de dois provedores apontados como ligados ao tráfico de drogas foi interrompido pela Polícia Civil. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Rio, 80% das empresas de internet que atuam em favelas são ligadas ou estão sob a controle de facções criminosas. As informações são da repórter Anna Bustamante para o jornal O Globo.
Com base nesse diagnóstico, a Anatel suspendeu a norma que dispensava de outorga os pequenos provedores com até cinco mil acessos — brecha que vinha sendo usada por empresas ligadas ao tráfico e à milícia. Agora, todas as prestadoras, independentemente do porte, terão até 25 de outubro para solicitar autorização formal da agência.
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A Operação Rede Obscura, da Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados (DDSD), foi baseada em denúncias de moradores e de outras empresas do ramo, impedidas de operar nestas áreas por homens armados. Um fuzil, duas pistolas, dinheiro em espécie, equipamentos eletrônicos e cabos foram apreendidos na ação e duas pessoas acabaram detidas. Foram cumpridos 17 mandados de busca e apreensão.
As duas empresas de internet funcionavam com autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A Flaquinet Serviços Ltda, que operava no Morro do Quitungo é ligada ao Comando Vermelho segundo a polícia — o responsável por ela, Rogério Nascimento, tem antecedentes por tráfico de drogas, furto de energia e receptação.
Ainda de acordo com a Polícia Civil, Rogério admitiu ter recebido propostas de outras facções para expandir os serviços a outras comunidades. Em depoimento, ele teria afirmado que realizava repasses financeiros periódicos a chefes do tráfico.
A defesa de Rogério nega as acusações e contesta a versão da polícia. “A Flaquinet é uma empresa estabelecida há mais de 30 anos, reconhecida por sua atuação sólida e regular em diversos municípios do Rio”, contou José Dimas Mazza Marcondes, advogado de Rogério, a O Globo.
Durante a ação no Quitungo, Flávio Dias dos Santos foi apontado como sócio de Rogério na Flaquinet e preso em flagrante por receptação. Na sua residência e nas sedes ligadas à empresa foram apreendidos cerca de 200 modens, cabos e outros equipamentos que seriam furtados.
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A segunda empresa, a RDO Telecomunicações, atua predominante em Cordovil, Cidade Alta e arredores, e seria ligada ao Terceiro Comando Puro. Ela pertence a Renato de Oliveira, preso em flagrante por receptação qualificada, após a polícia encontrar, em um galpão na Penha, grande quantidade de cabos de operadoras regulares e veículos sem nota fiscal. Rogério e Renato estiveram na Cidade da Polícia e foram liberados. Flávio segue detido.
O delegado Pedro Brasil, titular da Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados (DDSD), disse que os investigados se apropriavam de cabos e da infraestrutura já instalada pelas operadoras legalizadas, e, com a proteção armada do tráfico, estabeleciam um domínio total da oferta de internet.
Quando os funcionários conseguiam entrar, tinham equipamentos confiscados ou até furtados, para em seguida serem usados pelas empresas da região, revelou a investigação. “Foi uma operação bastante exitosa. Conseguimos apreender um vasto material probatório. O objetivo é juntar e ampliar essa operação para desmembrar essa investigação para lavagem de dinheiro”, explicou.
Segundo Pedro Brasil, o serviço prestado por ambas as empresas era de baixa qualidade e chegou a afetar serviços essenciais, como hospitais e escolas que estavam com problemas por dependerem da rede.
O governo do estado informou que: “a operação ocorre no contexto de uma parceria firmada em março deste ano entre a Secretaria de Segurança Pública do Rio e a Anatel, que aprovou um plano de ação para suspender o acesso de provedores clandestinos ligados ao crime”.
A Secretaria de Segurança informou que, na capital, existem 638 prestadoras de internet, sendo 333 sem outorga da Anatel. Enquanto no Estado do Rio, mais da metade das 1.734 empresas tem dispensa de autorização, segundo dados da Anatel, por terem menos de cinco mil clientes.