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Itens dados como extintos voltam em listas de presentes de Natal

Em reação à supremacia tecnológica, produtos como toca-discos, LPs, canetas-tinteiro, máquina fotográfica analógica e cadernetas fazem sucesso nas lojas

Por Carolina Barbosa e Renata Magalhães
Atualizado em 9 dez 2017, 09h00 - Publicado em 9 dez 2017, 09h00
A atriz e cantora Lua Blanco: experiência semelhante a um filme de época (Anna Fischer/Veja Rio)
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Todo fim de ano é a mesma coisa. Basta dar aquela volta pelo shopping para perceber quais são os produtos da vez — o celular de design moderníssimo, o relógio de pulso cheio de funções e os laptops mais possantes e leves na praça. Quem mergulhar com mais atenção nas prateleiras neste Natal, porém, vai ter algumas surpresas. Em meio a todo o arsenal digital, nota-se a ressurgência de itens que até pouco tempo atrás julgávamos extintos e restritos ao universo dos colecionadores. A geração que apenas conheceu o som límpido e cristalino dos tocadores de arquivos digitais de repente depara com jurássicos toca-discos redivivos, junto com uma nova leva de discos de vinil recém-fabricados das bandas mais descoladas. A turma dos dedos ágeis nas telinhas e teclados se assombra com canetas-tinteiro que parecem vindas de outro tempo. E até o universo do videogame, com suas criações cada vez mais espetaculares e realistas, foi tomado por uma lufada retrô que remonta ao surgimento dos consoles e joysticks. “A percepção é que vivemos uma reação a essa euforia tecnológica. Se antes se achava que o livro de papel acabaria, hoje a preocupação é exatamente com o fim do livro digital”, ironiza Rui Campos, fundador da Livraria da Travessa, rede de sete lojas cariocas que vende artigos como os cadernos e agendas italianos Moleskine (preço entre 80 e 140 reais cada um) e LPs de artistas que vão de Tom Jobim à banda AC/DC. “Aqui, os discos de vinil já representam 10% das vendas do mercado de audiovisual, e essa proporção cresce ano a ano”, diz.

À primeira vista, parece um paradoxo o renascimento de produtos antigos, de apelo nostálgico, tecnicamente ultrapassados e com um preço acima do de similares mais evoluídos do ponto de vista tecnológico. Profissionais de marketing, analistas de mercado e estudiosos do consumo têm se debruçado longamente sobre o tema, que rende teses e discussões em templos do conhecimento como a Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Ali, o pesquisador Ryan Raffaelli acaba de cunhar o termo “ressurgimento tecnológico” para definir o fenômeno. “O ser humano não consegue viver totalmente submerso no mundo digital. Nós precisamos de experiências que estimulem todos os nossos sentidos”, explica Raffaelli, professor da Harvard Business School e autor de uma pesquisa sobre o renascimento da indústria de relógios de pulso suíços, segmento que quase acabou há uma década e hoje lucra como nunca. O mesmo raciocínio norteia o livro A Vingança dos Analógicos (Editora Rocco), do jornalista canadense David Sax. “O tempo livre virou o que existe de mais precioso, e os produtos analógicos se tornaram símbolo de liberdade, que nos leva a negar a rapidez, a instantaneidade e a massificação da rotina digital”, analisou Sax em entrevista a VEJA RIO.

O interesse por produtos, digamos, antiguinhos é normalmente acompanhado de narrativas que embalam o novo — ou velho — hábito em uma aura de exclusividade. A estudante Úrsula Caetano, 16 anos, apaixonou-se pelas canetas-tinteiro ao ser presenteada há um ano, por sua mãe, com um antigo modelo da prestigiada Montblanc. “Mais que escrever, usar esse tipo de caneta é uma experiência”, diz a aluna do ensino médio do Colégio Pedro II, que hoje tem uma dezena de exemplares. “A gente até capricha mais na letra”, brinca a adolescente. O químico Luiz Felipe Azevedo, 26 anos, é outro neófito no culto à escrita a tinta. “Quando você saca uma caneta-tinteiro, demonstra que leva a sério o que está fazendo. Presidentes não assinam acordos importantes com uma esferográfica qualquer”, julga o rapaz, que em três meses de paixão adquiriu quatro modelos.

Lisciel Franco
O produtor Lisciel Franco: som superior dos equipamentos analógicos (Felipe Fittipaldi/Veja Rio)
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Uma busca nos sites de comércio eletrônico fornece evidências de quanto os produtos renascidos do passado ganharam força. Quem tecla o termo toca-discos depara com mais de meia centena de tipos, nos mais diversos formatos e preços, incluindo verdadeiras joias da engenharia e do desenho industrial do fim do século XX, vendidos por cifras que ultrapassam com folga o milhar de reais. Aqueles que conhecem do assunto dizem que não há nada comparável ao som do vinil tocado pela agulha de diamante desses aparelhos. O mesmo acontece, em uma escala mais refinada, com equalizadores, amplificadores e mesas de som produzidos de forma praticamente artesanal. “Todo mundo tem acesso fácil aos aparelhos digitais. O analógico, por sua vez, permite uma qualidade rara, muito mais pessoal e disponível a poucas pessoas”, diz o produtor Lisciel Franco, que só usa esse tipo de aparelho em seu estúdio — e o monta para clientes especiais.

Charles Gavin
O ex-baterista do Titãs Charles Gavin: mais de 6 000 vinis em sua coleção (Anna Fischer/Veja Rio)

Uma das peculiaridades que unem os amantes do som analógico é o ritual envolvido na audição, muito diferente da superficialidade das setlists dos tocadores de MP3. “A volta dos discos é um resgate do ato de ouvir música, e não apenas ter uma trilha de fundo. É um processo que implica sentar, manipular os discos e o equipamento com cuidado, que muda nossa percepção”, diz o músico Charles Gavin, ex-baterista dos Titãs, apresentador do programa O Som do Vinil, do Canal Brasil, e dono de uma coleção com mais de 6 000 unidades. Ex-integrante do elenco da novela Rebelde, a atriz e cantora Lua Blanco busca um novo aparelho para ouvir sua coleção das chamadas bolachas, recheada de clássicos. “Quando ouço um LP, eu me sinto em um filme de época”, compara a artista de 30 anos.

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Nayara Cruz
A programadora Nayara Cruz: as fotos instantâneas viraram uma paixão (Anna Fischer/Veja Rio)

Quando se tornou público, alguns anos atrás, que a Kodak havia instalado em um prédio de sua sede nos Estados Unidos uma fábrica de molho de tomate, o mundo teve certeza de que o último prego tinha sido cravado no caixão da fotografia. Não deixa de ser curioso, portanto, o interesse de consumidores, principalmente os mais jovens, por máquinas e cartuchos que produzem fotos impressas em papel. A programadora Nayara Cruz, 27 anos, está entre esses novos adeptos que resgatam um estilo de produzir imagens muito diverso daquele dos fanáticos pelos filtros e recursos digitais dos supercelulares. “Cada foto se torna especial porque demanda um cuidado bem maior. Diferentemente do que acontece com as digitais, não dá para apagar as fotos de papel e fazê-las de novo”, compara Nayara, que sempre carrega a tiracolo sua Instax, máquina instantânea da Fujifilm.

Washington Silva
Washington Silva, com os filhos e seu Atari: o jogo virou uma tradição familiar (Anna Fischer/Veja Rio)
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Mesmo produtos calcados na inovação e nos recursos tecnológicos passam por uma fase de revival. É o caso dos videogames. Um exemplo de como os jogos eletrônicos do passado ainda são populares entre os cariocas é a mostra A Era dos Games, que já levou mais de 2 000 pessoas ao VillageMall, a maioria interessada em repetir a experiência de jogar com consoles antigos. “É uma espécie de passeio pela infância”, afirma o advogado Washington Silva, 40 anos, entusiasta dos videogames da Atari, marca que promete lançar, em 2018, um modelo inspirado nos jogos antigos. Entre os nerds que aguardam a novidade está o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão. “Os jogos antigos estimulam a imaginação de uma forma que os games hiper-­realistas não permitem”, diz ele.

Há casos em que o mergulho na máquina do tempo é uma questão de sobrevivência, mais do que de gosto, estilo ou charme retrô. Massacrada pelas companhias chinesas, a Estrela, que ainda é a maior fabricante de brinquedos no país, tem cerca de 20% do faturamento total oriundo dos relançamentos históricos. Com o resgate de ícones como o boneco-soldado Falcon, a coleção Moranguinho e o Genius, pioneiro entre os jogos eletrônicos nos anos 1980, a empresa não mira apenas as crianças, mas também os pais, muitos deles capazes de pagar pequenas fortunas para ter um item desses em casa. “Notamos uma demanda significativa por produtos clássicos, sobretudo no nosso serviço de atendimento ao consumidor. É comum adultos de hoje comprarem a seus filhos os brinquedos que foram importantes em sua infância, um fenômeno impulsionador de vendas tão relevante quanto as campanhas em TV ou feitas por influenciadores digitais”, afirma Aires Fernandes, diretor de marketing da empresa. Não à toa, a frase dita certa vez pelo autor americano Stephen King, craque da diversão baseada no suspense e no fantástico, segue lapidar: “Cedo ou tarde, tudo o que é velho volta a ser novo”.

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