Mulheres que deram banana e macaco a crianças negras são condenadas à prisão
As influenciadoras Kerollen Cunha e Nancy Gonçalves também terão que pagar 20 000 reais às famílias das vítimas de racismo recreativo

A Justiça do Rio condenou as influenciadoras Nancy Gonçalves Cunha Ferreira e Kerollen Vitória Cunha Ferreira a doze anos de prisão em regime fechado por injúria racial. As vítimas foram duas crianças negras, de 9 e 10 anos, que receberam das mulheres uma banana e um macaco de pelúcia, em um vídeo publicado nas redes sociais das duas.
Na época, as cenas foram postadas no Instagram, no TikTok e no Youtube das duas, que somavam mais de treze milhões de seguidores. Nancy e Kerollen foram condenadas também a pagar 20 000 reais de indenização para cada uma das vítimas.
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Na sentença, que saiu nesta segunda (18), a juíza Simone de Faria Ferraz, da 1ª Vara Criminal da Comarca de São Gonçalo, município da Região Metropolitana do Rio, afirmou que os atos cometidos por Nancy e Kerollen são uma “monstruosidade”.
Para a magistrada, o ato das criadoras de conteúdo não foi uma “inocente brincadeirinha”. “Não, as rés criaram conteúdo, ridicularizaram as crianças. Pouco importa se no momento em que (…) recebe uma banana e (…) um macaco de pelúcia não tivessem, naquele momento, repito, a perfeita consciência da chibata em seus pequenos corpos”, diz o texto.
“Não, o crime se protrai no tempo e ganha contornos de verdadeira monstruosidade quando publicam, sem dó e respeito, suas reações imaturas e inocentes em rede social. Destaco que o momento em que se dá a consumação é justamente após as postagens, com a extrema divulgação, nesse momento é que após cientes das ofensas as crianças são vitimadas”, prossegue.
Em depoimento, Nancy e Kerollen afirmaram que ajudavam as famílias das duas crianças e alegaram que seguiram uma “trend” (tendência) de redes sociais. As duas negaram serem racistas e disseram não saber o que é racismo recreativo.
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Para a magistrada, os argumentos não se justificam. “(…) Nada mais absurdo querer fazer crer que nesses dias de conhecimento imediato, fácil acesso, as rés não soubessem o que é racismo. Não viviam as rés em tribo isolada, sem rede social, longe de tudo e de todos, absortas em si. Não e não! Faziam seu ganha pão, nada módico, é bom de ver, justamente em publicações em rede mundial de computadores”, escreve ela.
A juíza afirma que “o que fizeram as rés, em íntimo de vontades, foi sangrar, mais uma vez, em açoites os nascidos de África. Ao fazer jocoso o anseio de crianças entregando-lhes banana ou macaquinho de pelúcia, animalizando-as para além do humano, riram de suas opções cegas, em verdade sem escolha. Pior, ao afirmarem que nada fizeram, que ao outro cabia a culpa da disseminação do ódio, lavaram as mãos, brancas, como senhores de engenho antes de cada taça de vinho“, continua ela.
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Em nota, os advogados da família das vítimas comemoraram a decisão. “A sentença projeta-se para além do caso concreto: ela afirma que a infância negra não pode ser objeto de humilhação recreativa e que o racismo estrutural deve encontrar resistência efetiva no judiciário”, diz trecho do texto assinado pelos advogados Marcos Moraes, Felipe Braga, Flávio Biolchini e Alexandre Dumans, do Escritório Modelo Nilo Batista (Sacerj).
O caso
Nancy e Kerollen são mãe e filha — segundo vídeos delas no YouTube, biologicamente elas são meias-irmãs de pais diferentes: a mais velha conta que pegou a mais nova para criar após a mãe das duas afirmar que daria a menina para adoção.
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Em um dos vídeos em questão, publicados em maio de 2023, Kerollen conversava com um menino negro em uma calçada e perguntava se ele gostaria de receber um presente ou 10 reais. Ele escolhe o presente, mas, ao perceber que se tratava de uma banana, responde: “Só isso?”.
Ele diz, então, que não gostou, e vai embora. De acordo com a Polícia Civil, o mesmo menino já havia sido abordado por ela em outra oportunidade.
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Já Kerollen aparece abordando uma menina na rua e faz uma proposta parecida: 5 reais ou uma caixa. A criança opta pelo presente, que a influenciadora entrega a ela. Ao abrir, a menina descobre que é um macaco de pelúcia. A garota abraça o brinquedo e agradece.
Racismo recreativo
O caso ganhou repercussão após ser denunciado nas redes sociais pela advogada Fayda Belo, especialista em direito antidiscriminatório, que qualificou o comportamento das influenciadoras como racismo recreativo. Logo, a situação geral revolta nas redes.
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Autor do livro Racismo Recreativo (2019), Adilson Moreira, advogado e doutor em Direito Antidiscriminatório pela Universidade de Harvard, afirma que essa expressão do racismo é uma política cultural que utiliza o humor para expressar hostilidade contra pessoas racializadas.
Historicamente, associar pessoas negras a macacos e bananas contribuiu para perpetuar estereótipos raciais e desumanizá-las. Por trás do que alguns alegam ser apenas uma piada, está a ideia de que pessoas da raça branca são superiores.