Estomizadas e empoderadas: cariocas se unem contra o preconceito a pessoas com estomia

Mulheres com estomia trocam apoio, informações sobre direitos e dicas sobre cuidados. Campanha ganha força nas redes

Por Lorena Paiva* 
Atualizado em 17 nov 2021, 18h42 - Publicado em 17 nov 2021, 18h31
Foto mostra mulher branca com bolsa de colostomia
Novembro Verde: bem-estar e qualidade de vida de pessoas com bolsas de estomia (./Reprodução)
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Mulheres empoderadas como Richelly Galdino, Zoraida Feitosa e Alessandra Borba ocupam as redes e as ruas do Rio com seus corpos e suas bolsas de estomia na cintura não só no dia 16 de novembro, Dia Nacional da Pessoa Ostomizada, ou no Novembro Verde, mês da conscientização da estomia. Hashtags como #estomiasemtabu, #minhaestomianaomedefine, #estomizadaefeliz, #estomiasemrestrição, #nemtodadeficienciaevisivel vêm ganhando apoio e visibilidade, ressignificando estereótipos ofensivos em torno de pessoas com estoma.

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A estomia é uma cirurgia necessária quando o paciente tem alterações no intestino ou no trato urinário, devido a doenças ou malformação congênita. Após o procedimento cirúrgico, a pessoa passa a ter um estoma, orifício no abdome no qual se acopla uma bolsa de estomia, que pode ser de três tipos: colostomia (para o intestino grosso), ileostomia (para o intestino delgado) e urostomia (para a bexiga). Dependendo do caso, o estoma pode ser permanente ou temporário, fechado em outra cirurgia.

Foto mostra mulher branca com cabelos vermelhos e roupa preta com bolsa de colostomia
Ensaio fotográfico. Richelly Galdino usa qualquer roupa, sem medo: mais segura e empoderada (./Arquivo pessoal)

Richelly Galdino Machado, 40 anos, usa uma bolsa de colostomia desde 2018, quando tratou um câncer de cólon e uma endometriose. “Quando tive alta do hospital, saí sem nenhuma informação. O meu estoma estava retraído, minha pele ferida. Não sabia o que fazer, eu não conhecia os materiais das bolsas. Por muito tempo, não conseguia mais escolher roupas ou usar biquíni”, lembra ela, que já não se vê mais sem a bolsa: “Ela salvou a minha vida. Hoje é só alegria!”. 

A mudança veio com o apoio de outras mulheres que passaram pela mesma situação. “Com o tempo, fui entendendo o que estava acontecendo comigo, e tive o amparo de outras estomizadas. Não é o fim do mundo. Pelo contrário: é o começo de uma nova vida, uma oportunidade de continuar trabalhando, namorando, indo ao cinema e fazendo tudo o que todo mundo faz”, afirma a balconista, que vai à praia, à piscina e usa qualquer roupa sem medo:

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“Minha bolsa de estomia me traz segurança, porque se adapta a qualquer corpo – uma das principais demandas das pessoas com estomia. Graças ao produto certo e de qualidade, me sinto livre, mais mulher, mais linda!”.

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Hoje, não só se sente mais segura e empoderada – a foto é de um ensaio fotográfico que se deu de presente – como passou a ajudar outras pessoas: é coordenadora estadual (RJ) do Movimento Ostomizados BR e presidente da recém-fundada Associação Estadual de Pessoas com Ostomia do Rio de Janeiro (Aeporj). 

Foto mostra mulher morena na praia usando uma bolsa de colostomia
A enfermeira Zoraida, de Rio das Ostras, não abre mão da praia, e defende direitos de pessoas ostomizadas da Região dos Lagos (./Arquivo pessoal)
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Também para a enfermeira Zoraida Feitosa, 44 anos e estomizada há três, “o início foi bem difícil, sem aceitação, sem informação, sem chão”. Mas, ao ressignificar a vida, percebeu mais ganhos que perdas, e passou a também atuar na defesa dos direitos das pessoas com estomia: “A garantia de direitos é fundamental. Não aceito o papel de vítima”, diz a enfermeira de Rio das Ostras, que preside a Associação dos Ostomizados da Baixada Litorânea.

“Transformei a minha dor em aprendizado e principalmente em luta, por qualidade de vida não só para mim, mas para os que, assim como eu, tiveram suas vidas transformadas. A ostomia me salva todos os dias, porque tenho tantos propósitos que esqueço minhas dores e vou à luta”.   

A insegurança e a falta de informação fazem com que muitas pessoas se privem de uma vida normal depois da cirurgia. Segundo Richelly, esse comportamento é reflexo da falta de debate social sobre o tema. Por lei, quem faz a cirurgia de estomia tem os mesmos direitos de pessoas com outras deficiências.

Muitas recém-operadas chegam à Aeporj por indicação médica. As participantes, principalmente antes da pandemia, eram atendidas nos principais hospitais do Rio. Agora, as atividades são individuais e/ou no ambiente virtual, focadas no acolhimento e no resgate da autoconfiança das mulheres que fazem a cirurgia de estomia.

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O próximo passo da associação é conseguir o apoio de uma sexóloga e uma psicóloga para suporte sobre o autocuidado e retomada da vida sexual. Além disso, a equipe acredita que uma das formas de empoderar as mulheres se dá por meio da profissionalização. Para isso, vai disponibilizar cursos como o de maquiadora profissional, manicure e pedicure. 

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A luta contra o preconceito é uma das principais ações do movimento dos estomizados. A costureira Bernadete da Silva, 49 anos, conta que, ao saber que precisaria de uma bolsa de estomia devido à retirada de um tumor no intestino, em junho, encarou tudo com tristeza, medo e vergonha. Começou a ver diferente ao conhecer a Aeporj. Segundo ela, conhecer outras mulheres com histórias parecidas lhe deu força para continuar a vida.

“Eu tinha muitas dúvidas! Depois da cirurgia, eu nem saía de casa. Passava dias e dias chorando. Achei que não suportaria essa condição. Hoje sei que não estou sozinha. São muitas trocas de experiências. Estamos sempre nos ajudando”, afirma a costureira de Vaz Lobo, Zona Norte do Rio.

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Muitas pacientes entram em aflição no pós-cirúrgico devido à nova condição física, e saem do hospital sem nenhum tipo de suporte ou informação. “Existe a fase da negação, sim. É quase que um luto pela perda da funcionalidade. Além disso, muitas mulheres ficam inseguras com a aparência e a sexualidade, acham que a bolsa vai deixar cheiro desagradável. São muitos desafios que essas mulheres passam, e ainda precisam lidar com a imposição social por um padrão de beleza, quando, na verdade, deveriam estar sendo acolhidas”, afirma a psicóloga Jessica Ferraz, da Central Ativa, iniciativa da empresa Coloplast, que desenvolve produtos de saúde e oferece atendimento gratuito e personalizado a pessoas com estomia e/ou incontinência urinária. 

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Campanha mostra jovem ostomizada sorrindo com a frase
Minha ostomia não me define. Campanha da Coloplast com jovem ostomizada: psicóloga ressalta a importância do cuidado com a saúde mental (./Reprodução)

“É importante que as pacientes busquem mais contato com o corpo e a região próxima à cirurgia. Tocar mais a pele e normalizar esse novo corpo, cuidar da saúde mental por meio de ferramentas como a psicoterapia, grupos terapêuticos nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e terapias integrativas são fundamentais para a evolução dos pacientes.

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Por lei, quem faz uma cirurgia de estomia tem os direitos de uma pessoa com deficiência. Mas como o recém-operado vai saber disso, se estamos em uma sociedade que ainda trata a estomia como um tabu?”, questiona.

Para a psicóloga, uma possível maneira de começar a lidar com essa nova realidade é, aos poucos, ir se tocando, buscando entender as novas condições do corpo e claro, investir em um tratamento de terapia. 

Foto mostra bonequinha de pano com bolsa de colostomia
Bonequinha ostomizada, criada especialmente pela Almophadinhas para crianças crianças do núcleo de ostomizados de São Gonçalo (./Reprodução)

* Lorena Paiva, estudante de jornalismo da PUC-Rio, sob supervisão de professores da universidade e revisão final de Veja Rio.  

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