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O último capítulo

Com a nova trama das 9, Manoel Carlos se despede dos novelões, mas já faz planos de seriado e peça

Por Carla Knoplech
Atualizado em 2 jun 2017, 13h14 - Publicado em 29 jan 2014, 18h46
Tomás Rangel
Tomás Rangel (Redação Veja rio/)
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Será uma despedida lenta, feita dia a dia e ao longo de no mínimo oito meses. Dada a extensão, o telespectador terá tempo para assimilar a perda. Próxima atração do horário das 9 da TV Globo, com estreia prevista para 3 de fevereiro, Em Família marca a despedida de Manoel Carlos como autor de novelas. Não é para lamentar, pois se trata de uma decisão dele próprio, que quer passar a se dedicar apenas a empreitadas de tiro curto, como minisséries e programas especiais. Na TV desde 1951, ele tem a exata noção de que escrever novela é uma maratona criativa capaz de minar a resistência de qualquer pessoa, ainda mais a de um senhor prestes a completar 81 anos, no dia 14 de março. São quarenta páginas de diálogos criados para cada capítulo, resultando num calhamaço de mais de 8?000 folhas até a cena final. “Meu limite é mesmo físico, vai ficando impossível continuar”, reconhece Maneco, entre centenas de livros e porta-retratos que abarrotam a antessala de seu escritório, no 2º andar do apartamento onde mora, no Leblon. “Mas nunca deixo de fazer planos, tampouco falo em aposentadoria, que para mim é a morte”, diz. “Só deixaria de escrever se ficasse incapacitado.”

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Ambientada em Goiânia e, previsivelmente, no Leblon, Em Família vai abordar alcoolismo, doença de Parkinson, dificuldade para engravidar e a descoberta tardia do amor, entre outros assuntos. São temas densos tratados sob um enfoque realista, bem ao feitio do autor. Manoel Carlos é um cronista do cotidiano que faz questão de mostrar seus personagens em ações banais, tais como ir à padaria comprar pão ou tomar água de coco na praia. É sabido que suas tramas costumam usar mais locações externas em comparação com o padrão da emissora. Na nova atração, por exemplo, as obras que assolam o Leblon estão contextualizadas. Adepto de diálogos longos e de uma narrativa mais cadenciada, em oposição ao ritmo frenético de novelas como Avenida Brasil, o autor criou enredos e personagens que mobilizaram o país (veja o quadro na pág. 28). Exemplar é o capítulo final de Mulheres Apaixonadas, exibido em 2003, que registrou mais de 40 milhões de aparelhos ligados no Brasil.

Mesmo nas fases mais intensas de trabalho, como agora, Manoel Carlos não se impõe um horário rígido. Prefere se pautar pelo fluxo biológico ? e criativo. Pode acordar às 2 da tarde, digitar o dia inteiro e ir jantar às 3 da madrugada. Invariavelmente, passa a maior parte da jornada diante do computador, abnegação que seu estilo centralizador potencializa. Apesar de ter cinco colaboradores para o texto, entre eles a filha Maria Carolina, Maneco escreveu sem a ajuda de ninguém os 24 capítulos iniciais da nova novela. Foi uma opção calculada. De cara ele quer imprimir sua assinatura no primeiro mês de exibição para, então, começar a dispor do auxílio da turma. “Tenho uma equipe absolutamente fantástica, mas sou de um tempo em que se fazia TV sozinho”, diz. Outra reputação que poderia constranger, mas é assumida numa boa, é sua tendência a demorar a entregar os textos. “Atraso mesmo, sempre fui assim. Se pudesse, escrevia o capítulo na véspera de ir ao ar”, reconhece. Com a experiência de quem está atuando com o autor pela terceira vez, Jayme Monjardim, diretor de Em Família, nunca imprime o material assim que lhe chega às mãos. Sempre espera um pouco, pois sabe que Maneco inevitavelmente fará alterações. “O ganho é ter uma novela com assuntos frescos, que estão sendo discutidos pela sociedade”, destaca Monjardim.

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Se Manoel Carlos é flexível com os horários, em contrapartida desenvolveu rituais dos quais não abre mão. Sempre que vai começar um novo trabalho, manda confeccionar quatro camisas iguais, sem gola e com quatro bolsos na frente, onde coloca lápis, caneta, borracha, bloco de anotações e dois celulares ? um aparelho exclusivo para falar com a família e os empregados, e o outro para se comunicar com os demais mortais. Para facilitar a memorização, pendura na parede pedaços de papel com o nome de seus personagens principais, numa lista que inclui até Helena, protagonista habitual de seus enredos, desta vez vivida pela atriz Júlia Lemmertz. Outra fixação é recortar notícias de jornal com histórias promissoras. Esses retalhos são guardados em pastas batizadas de “lixo”, que, segundo o autor, já inspiraram até tramas centrais de novelas. É também colecionador de bengalas antigas. Possui quinze peças, mas seu xodó é um modelo comprado em Nova York, na mesma loja onde Charles Chaplin mandava fabricar as que eram usadas pelo personagem Carlitos.

Quem for escrever a história da televisão no Brasil encontrará em Manoel Carlos um ótimo fio condutor. Ele transita em estúdios desde os primórdios do meio no Brasil, tendo atuado em quase todas as grandes emissoras. Foi ator de teatro e gostava do ofício, mas logo descobriu seu caminho quando passou a ganhar bem mais ao elaborar roteiros para as emissoras que começavam a operar por aqui. Apenas seis meses após a chegada da TV ao país, Maneco estreava no Grande Teatro Tupi, em 1951, adaptando para a tela peças com direção de Sérgio Britto e a presença de atores do quilate de Fernanda Montenegro e Ítalo Rossi. Nessas mais de seis décadas, criou e dirigiu programas que marcaram época, entre os quais o musical O Fino da Bossa, o humorístico Família Trapo e o semanal Fantástico. A convite de Boni, então diretor-geral da Globo, começou a escrever narrativas para telenovelas, em 1978. “Ele acertou no tom simples e profundo. A partir de então, nunca mais deixei que parasse de fazer novela. Tenho paixão pelo seu trabalho”, afirma o executivo.

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Nascido em São Paulo, em 1932, e radicado no Rio há mais de quatro décadas, o autor é filho de um comerciante com uma professora, ambos falecidos. Viveu em colégio interno até os 15 anos e nem sequer completou o ginásio. Aos 19 já estava casado e à espera do primeiro de seus dois filhos com a artista plástica Maria de Lourdes, dois anos mais nova. Desse primeiro núcleo familiar só restou o patriarca. A mulher morreu aos 36 anos ao cair de uma escada em casa. Ricardo, o caçula, faleceu em 1988, com apenas 32 anos, em decorrência da aids. Em 2012 foi a vez do mais velho, Manoel Carlos Júnior, vítima de infarto aos 59. “Penso neles toda hora. Eu ainda me pego querendo ligar para o Manoel para comentar um filme”, lamenta. Maneco se casou outras duas vezes. Da união com a deputada estadual Cidinha Campos nasceu Maria Carolina. Há 32 anos ele vive com a museóloga Elisabety, com quem teve Júlia Almeida, atriz que vive entre Londres e Leblon, e o também ator Pedro, radicado em Nova York. Em meio à tensão natural antes da estreia, da qual não estão imunes nem mesmo profissionais com larga experiência, Manoel Carlos projeta tarefas menos desgastantes após a conclusão de sua última novela, ainda sem duração estabelecida, o que vai depender da aceitação do público. No próximo ano, planeja dar corpo a uma minissérie inspirada no romance Vale Abraão, da portuguesa Agustina BessaLuís. Pretende também remontar a peça Off, texto que fez para o teatro e que estreou em 2002. Seguirá ainda com suas crônicas em VEJA RIO. Sentado diante do computador, ele se emociona ao rever a primeira chamada de Em Família. É um bom indício para o aguardado sucesso em sua despedida. “Quando uma novela emplaca, você pode ir ao Projac até sem roupa que ninguém está nem aí”, diz ele. Totalmente pelado, jamais. A camisa de quatro bolsos ele não larga.

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