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Uma prova de amor

As histórias de seis pais que se submeteram a sacrifícios e cirurgias arriscadas para salvar a vida do filho

Por Thaís Meinicke e Carolina Barbosa
Atualizado em 2 jun 2017, 13h02 - Publicado em 13 ago 2014, 18h12
Felipe Fittipaldi
Felipe Fittipaldi (Redação Veja rio/)
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As estatísticas que registram o número de transplantes realizados em crianças no Rio indicam que a maioria das cirurgias envolve órgãos de doadores mortos, na proporção de dois para cada três casos. Intervenções com o doador vivo costumam ser menos recorrentes por um motivo simples: ele pode sofrer complicações e até morrer. Nesses casos, quem partilha os próprios órgãos com doentes, por questão de compatibilidade, são parentes próximos. Segundo os dados do Hospital Estadual da Criança, o maior centro de transplantes infantis do estado, localizado na Zona Oeste da capital, dos 31 transplantes realizados entre março de 2013 e o mês passado, dez tiveram como doador o pai do paciente. É uma decisão difícil, principalmente porque muitos homens têm receio de que a cirurgia para a retirada de um rim ou de parte do fígado implique alguma debilitação e provoque ausência prolongada do trabalho.

Sob esse aspecto, o gesto dos seis homens retratados ao lado do filho nas próximas páginas torna-se ainda mais surpreendente. Além de passarem pelas operações do transplante em si, eles se submeteram a sacrifícios como perder peso rapidamente ou até mesmo fazer outras cirurgias. São histórias que conferem uma dimensão ainda maior ao conceito de amor paternal que celebramos neste domingo, dia 10.

“Eu me sinto feliz como se tivesse milhões na conta”

Uma piada recorrente que o motorista Djalma Silva de Azevedo, de 51 anos, ouve do filho Vinicios Carvalho de Azevedo, de 10, é que ele nasceu da barriga do pai, e não da mãe. Vítima de uma doença que prejudica as funções hepáticas, o garoto chegou a ser praticamente desenganado quando bebê. “Os médicos lhe deram 2% de probabilidade de sobrevivência. Diziam que ele não iria passar do primeiro ano de vida. Imagina como é para um pai ouvir isso”, lembra. O transplante de parte do fígado do pai surgiu então como a única chance de salvação do filho, em 2005. “Aceitei, é claro, mas não foi fácil”, recorda. “Quando peguei o manual de esclarecimento para ler, eu pulava as partes que falavam sobre o risco de óbito e só lia o que me interessava”, entrega. Por recomendação médica, ele teve de perder peso. Fez dieta e exercícios e eliminou 15 quilos em dois meses. “Não sei de onde arrumava tanta energia para dar conta de tudo.” Não fosse o bastante, Azevedo fez outro sacrifício. “O doutor disse que eu não poderia ter nenhum dente ruim. Como estava sem dinheiro e sem tempo para tratar cinco dentes com cárie, decidi que era mais fácil arrancá-los e depois partir para o implante”, recorda. Em nenhum momento ele se arrependeu. “A saúde de um filho é o maior presente para um pai, e eu me sinto feliz como se tivesse milhões na conta”, compara.

“Ele dizia: ‘Não fica assim, pai, estou bem’?”

Tomás Rangel
Tomás Rangel ()
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A gestação do primeiro filho do casal Ana Cristina e Fernando Santos seguia avançada no sétimo mês quando eles foram avisados de que o feto apresentava uma complicação. Um exame mostrou que o bebê tinha os dois canais urinários obstruídos e estava com os rins deteriorados antes mesmo de nascer. Segundo os médicos, o risco de ele nem sobreviver ao parto era alto. Semanas depois do diagnóstico, Fernando Santos Filho nasceu e, prematuro, foi levado diretamente para a UTI neonatal. Em seus primeiros dias de vida, passou por uma cirurgia que conseguiu recuperar o funcionamento de um dos rins. Fernandinho, como é chamado pela família, levou uma vida normal até os 9 anos, quando o rim começou a falhar novamente. Com a função renal muito debilitada, ele precisaria de um novo órgão o mais rápido possível. Os resultados dos exames mostraram que Fernando, aos 36 anos, era o mais indicado para ser o doa­dor. O transplante aconteceu em julho de 2013 e, durante a cirurgia, correu tudo bem. Mas, na mesma noite, começaria o período mais difícil da jornada da família. O rim do pai acabou sendo rejeitado pelo organismo do menino, que voltou para a fila do transplante e passou a fazer hemodiálise. “A mãe dele às vezes até me proibia de acompanhar as sessões porque eu chorava muito”, lembra Fernando. “Não foram poucas as vezes que Fernandinho me disse: ‘Não fica assim, pai, eu estou bem’?”. Depois de oito meses de tratamento, apareceu um rim compatível para o menino. O transplante aconteceu em maio e, desde então, Fernandinho, de 10 anos, se adapta à nova vida. Na semana passada voltou ao colégio e fez o seu primeiro passeio na praia depois da cirurgia.

“Tive medo de morrer, mas sabia que ia dar certo”

Felipe Fittipaldi
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Paraibano de João Pessoa, o vigilante George Monteiro da Rocha, 40 anos, visitava a mãe na cidade nordestina em fevereiro do ano passado quando recebeu uma notícia bombástica. Sua mulher, Ana Lídia Ferreira Costa, que havia ficado com os cinco filhos no Rio, ligou para contar que o caçula, Georgi, de 6 meses, sofria de um tumor no fígado. Atônito, George embarcou no primeiro voo que conseguiu. “Assim que entrei no avião, só pensava que faria de tudo para ajudar meu menino”, recorda. Para tratarem a doença, Ana Lídia e o garoto se mudaram da casa da família em Seropédica, na região metropolitana, e se instalaram em São Cristóvão. O marido cuidava dos outros quatro filhos do casal e vinha com frequência visitar a mulher e o bebê. A quimioterapia não funcionou, e os médicos decidiram pelo transplante. Enquanto se buscava um doador, George teve uma surpresa. Descobriu que era compatível. “No começo tive medo de morrer, mas no fundo sabia que ia dar tudo certo”, conta. Hoje, aos 2 anos, Georgi em nada lembra o menino do passado. Levado e tagarela, ele corre, brinca, pula e adora comer – com restrições, é claro.

“Ana Luiza é meu chamego”

Felipe Fittipaldi
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Ex-lutador de MMA, o professor de jiu-jítsu Fábio Abreu, 34 anos, parece durão, mas é só começar a falar de Ana Luiza para se derreter todo. “Ela é meu chamego, meu xodó.” Hoje com 2 anos e 4 meses, a pequena já passou por uma barra-pe­sada que assustaria muitos grandalhões. A chegada da menina foi um momento inesquecível na vida de Fábio. Pai de um garoto de 11 anos, ele acompanhou de perto a gestação e a carregou no colo ainda na sala de parto. A alegria, no entanto, logo deu lugar à preocupação. A menina apresentou sinais de má-formação no fígado, seguidos da sentença de que precisaria de um novo órgão para viver. A decisão do pai de se tornar doador foi natural. “Durante toda a preparação eu não tive medo, só pedia muito a Deus que segurasse a vida da minha filha. Abria até mão da minha, só pedia pela dela”, lembra, emocionado. O transplante, realizado em agosto do ano passado, durou doze horas e correu bem para pai e filha. Assim que acordou da anestesia, Fábio só queria saber da menina. “Quando o médico veio me dizer que o transplante tinha sido um sucesso e que ela havia reagido bem, eu não consegui segurar o choro. Foi maravilhoso”, recorda.

“Foi uma corrida contra o tempo”

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Com apenas dois anos e meio de idade, Natan Tonasso dos Santos gosta de comparar a cicatriz que tem no lado direito do abdômen com outra semelhante que existe na barriga de seu pai, o administrador de empresas Ubiratan dos Santos, 33 anos. As marcas, tanto a de Ubiratan quanto a do menino, surgiram quando ambos passaram por uma complexa intervenção que tinha por objetivo salvar a vida do garoto. Natan nasceu com uma doença grave chamada atresia das vias biliares. Aos 3 meses, passou por uma cirurgia, que não deu resultado. A única alternativa era o transplante de fígado.

Por ter o mesmo tipo sanguíneo, o pai tornou-se o candidato natural a ceder parte de seu órgão ao menino. Para poder realizar a doação, porém, ele precisou se enquadrar em uma série de outros requisitos. Pesando 98 quilos, tinha de emagrecer para não correr riscos. “Foi uma corrida contra o tempo, pois só dependia de mim”, conta. À custa de dieta e muito exercício, perdeu 17 quilos em três meses. A cirurgia, realizada no Hospital da Criança, em Vila Valqueire, correu bem. Dias depois da alta médica, entretanto, Natan voltou a ser internado acometido de uma violenta virose. Foram mais 68 dias de hospital. Totalmente recuperado, o garotinho hoje leva uma vida normal. “Todo dia eu olho para ele e fico pensando que tem um pedacinho meu ali dentro. Como pode, né?”, admira-se Ubiratan.

“Fiz questão de ser o doador, apesar de a mãe ser compatível”

Tomás Rangel
Tomás Rangel ()

Quando relembra o nascimento de seu filho Martin, em julho de 2001, o comerciante Elio Felix Capeletti, de 54 anos, fica com os olhos marejados. Ainda na sala de parto, o menino travou sua primeira batalha pela sobrevivência. Acometido de convulsões, foi levado imediatamente para a UTI, onde passou 120 dias. Dois meses depois da alta médica, o bebê teve diagnosticada uma doen­ça grave nos rins. Elio e a mulher, a dona de casa Denclineide, ficaram arrasados. Martin passou a viver uma rotina de clínicas e hospitais. Isso até o dia em que os rins pararam de funcionar de vez – ele precisou fazer diálise, e só um transplante poderia salvá-lo. “Fiz questão de ser o doador, apesar de a mãe ser compatível”, diz Elio. A decisão foi mantida mesmo quando ele foi alertado de que teria de remover a vesícula antes do transplante, para eliminar os riscos de complicações. O menino recebeu parte do fígado do pai em junho de 2013. “Para mim, a vida dele começou ali”, conta. Martin ainda é miú­do para a idade, mas em breve começará um tratamento com hormônios de crescimento. “Ele não vai ficar muito alto, mas só quero que ele esteja bem”, resume Elio.

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