O lazer nosso de cada dia

Pesquisa publicada com exclusividade por VEJA RIO mostra que o carioca tem ido mais ao shopping do que à praia, gosta de museus tanto quanto da noite e, quem diria, não liga muito para as escolas de samba

Por Bruna Talarico
Atualizado em 2 jun 2017, 13h18 - Publicado em 13 nov 2013, 17h00
Felipe O?Neill
Felipe O?Neill (Redação Veja rio/)
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Uma série de mitos já cristalizados no inconsciente coletivo tornou-se responsável pela imagem, bem definida, de como o carioca costuma se divertir e adquirir cultura fora de casa. De acordo com o estereótipo mais disseminado, a rotina na cidade seria dominada por um trio tão associado ao Rio de Janeiro quanto o Pão de Açúcar: praia, Carnaval e a clássica saidinha para tomar chope com os amigos. É uma combinação bacana e, escorada pelo senso comum, definiria o nosso jeito bastante peculiar de dar bom uso ao tempo livre. Só que não é bem por aí. Pesquisa encomendada pela Secretaria Municipal de Cultura, produzida pela JLeiva Cultura e Esporte, aplicada pelo Datafolha e publicada com exclusividade por VEJA RIO, mostra que não somos exatamente aquilo que parecemos ser.

Somados os resultados das entrevistas, confrontadas as planilhas, eis a primeira constatação: adoramos ir ao shopping. Sim, circular entre vitrines e escadas rolantes atrás de diversão está mais em voga até do que ocupar uma barraca na areia ou dar um mergulho. Outro resultado desse levantamento também pode chocar mesmo aqueles que são pós-graduados em carioquice: visitamos mais museus do que saímos para dançar. E tem mais. Sabe as escolas de samba, uma das marcas daqui? Pois é, não ligamos tanto para elas nem para os templos onde se celebra essa festa pagã, como as quadras da Mangueira e da Portela.

O estudo realizado em agosto ouviu 1?500 moradores de praticamente todos os bairros do Rio, gente de idade bem variada, com diversos níveis de escolaridade e condição social. O objetivo era destrinchar o perfil cultural da cidade para orientar políticas públicas para o setor. “A pesquisa demonstrou que, por mais que haja um clichê para definir o carioca, ele é muito plural, heterogêneo”, avalia o secretário da pasta, Sérgio Sá Leitão.

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Com quase 80 quilômetros de litoral, a cidade se fez conhecida pelos prazeres da vida à beira-mar. Mas, especialmente a partir dos anos 80, os shopping centers concorrem com as praias no que diz respeito a diversões gratuitas ? isso, claro, se a pessoa segurar o bolso diante de tanta oferta de produtos e serviços e não se importar em pagar cada vez mais caro pelo estacionamento. Entre os cariocas entrevistados, 77% disseram que costumam passar horas e horas zanzando por ali, pouco mais que os 74% (o método da pesquisa era não excludente) que afirmaram se esbaldar nas praias. Há quem não se espante com esses números, destacando, inclusive, a complementaridade dos programas. “É nos shoppings que acontece uma espécie de prosseguimento da diversão do carioca, seja depois de uma pedalada pela Lagoa, seja após o banho de sol na areia”, analisa Sandro Fernandes, superintendente do Shopping Leblon ? estabelecimento, aliás, que fica a pouco mais de 300 metros da praia homônima.

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Felipe O?Neill ()

Além das lojas em si, os centros de compras tornaram-se atraentes por reunir, em um mesmo lugar, conveniências como ambiente climatizado, gastronomia, lazer e segurança. Os mais bem estruturados juntam salas de cinema multiplex, livrarias, filiais de bons restaurantes da cidade e até teatro. Quem frequenta adora. O empresário Alberto Blanco acha os shoppings um passeio seguro e já deixa a filha mais velha, Alicia, de 14 anos, circular por eles sozinha. “É o que mais gosto de fazer com minhas amigas de colégio”, confirma a adolescente.

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A opção pelo shopping como extensão de lazer está diretamente ligada à atividade cultural que mais atrai os cariocas. Quase 70% dos entrevistados não titubearam em apontar a ida ao cinema como a principal forma de diversão. E, entre os ouvidos na pesquisa, 54% disseram que têm muito interesse no assunto, enquanto apenas 18% declararam o contrário, o índice mais baixo em todo o levantamento. Mesmo disputando espaço com canais de filmes na TV por assinatura e com sites na internet, a sala escura conquista o público pelo tipo de programa. Afinal, socializar com amigos e comer aquele sacão de pipoca é parte intrínseca ao ritual. A diversão fica ainda melhor com recursos como imagem e som de altíssima qualidade. “A experiência proporcionada pela tela grande é envolvente. E a qualidade da exibição justifica a vinda até aqui”, diz a geóloga Carolina Mieth­ke, 32 anos, moradora de Copacabana, que costuma percorrer mais de 20 quilômetros para ver filmes com o namorado, Thales Ferro, na sala Imax do New York City Center, na Barra.

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Em uma cidade de forte cultura de artes cênicas, onde fervilham montagens de primeiríssima linha, o teatro parece não exercer o mesmo fascínio das telonas ? nem das grandes apresentações de astros da música brasileira e internacional, que ficam à frente em termos de preferência dos cariocas. Apenas 37% dos entrevistados se revelaram frequentadores assíduos ou mesmo eventuais de peças e musicais. Entre os fatores apontados como entraves estão desde a distância para chegar aos principais palcos (16% citaram esse problema) até os altos preços dos ingressos (algo que espanta 22% das pessoas). Os cariocas também reclamam ? e este é um dado curioso ? do próprio assunto das encenações. Mais da metade dos participantes da pesquisa (52%, exatamente) indicou que não vai ao teatro porque não vê interesse no enredo da história. Fazer rir pode ser uma solução paliativa. “Se você quiser ser um sucesso no Rio, a fórmula é montar uma comédia”, decreta Eduardo Barata, presidente da Associação de Produtores de Teatro do Rio. Musicais também estão na moda ? ainda que bem atrás das comédias, embora já aparecendo encostados no gênero drama. O dentista Carlos Henrique Guimarães, de 28 anos, morador de Vila Isabel, foi recentemente até Copacabana para assistir ao musical Cazuza: pro Dia Nascer Feliz. “Embora eu goste muito de teatro, não vou tanto quanto desejaria porque é um programa caro e as boas peças são encenadas muito longe de casa”, justifica.

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urpresa positiva que emerge dos números diz respeito aos museus e às artes plásticas de maneira específica. O programa “visitar exposições” conta com a preferência de 33% dos entrevistados, superando por poucos décimos aquela tradicional saída noturna. De fato, as grandes exposições na cidade não só exibem obras relevantes, como também são montadas de forma didática, o que estimula a interatividade dos visitantes com o que é exposto. Ao mesmo tempo, o compartilhamento pelas redes sociais, na internet, serve como chamariz para atrair um público mais jovem. “Quando uma grande exposição vem para cá, insistimos para que seja acompanhada de interatividade. Já percebemos que, quando permitimos fotos, por exemplo, a frequência aumenta”, observa Marcelo Mendonça, diretor do Centro Cultural Banco do Brasil. A tese é corroborada pelos cada vez mais animados ratos de exposição, caso da terapeuta Luciana Mota, de 37 anos, moradora do Leme, que valoriza as programações gratuitas e costuma compartilhar suas visitas no Instagram e no Facebook. “As fotos da Kusama estavam em toda parte, eu não podia deixar de vir”, afirmava ela no hall do CCBB, referindo-­se a obras da artista japonesa Yayoi Kusama expostas atualmente na instituição.

No outro lado dessa moeda, ou na ponta oposta da pesquisa, saltam aos olhos atrações e eventos em baixa no gosto local. Quem diria que o Carnaval e o samba, marcas registradas da cidade, seriam gongados pelos cariocas? Mais da metade dos entrevistados afirmou não ter nenhum interesse em assistir aos desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí. Pior: a mesma quantidade de gente não se mostra disposta a participar dos blocos de rua ? manifestação popular, gratuita, que ganhou novas cores e formas nos últimos anos. É notório que boa parte dos moradores do Rio foge da cidade durante o feriado. Da mesma forma, levante o dedo quem nunca se pegou dizendo que o desfile do Grupo Especial é programa de paulista e de gringo ou que, como as corridas de Fórmula 1, para quem não é aficionado, claro, quem vê um vê todos. Mas Felipe Ferreira, coordenador do Centro de Referência do Carnaval da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), vai além. Ele aponta, por exemplo, que o crescimento das igrejas evangélicas pode estar diretamente ligado ao sumiço de foliões. “Eles tendem a considerar o Carnaval pecaminoso”, diz. E completa o pensamento, no que diz respeito aos blocos: “Os foliões ocupam dezenas de ruas, e isso cria uma reação negativa em quem mora ali. Fica a sensação de ?lá vem essa turma bagunçar meu pedaço??”.

Fotos Felipe O?Neill
Fotos Felipe O?Neill ()

Dentro da categoria de mitos que se esfacelam, chama atenção o fato de outra instituição, o “chopinho no bar com amigos”, não ficar nem mesmo entre as cinco principais atividades de lazer e diversão. O porcentual dos que dizem ter muito interesse nessa prática (40%) quase empata com os que responderam exatamente o contrário (39%). Para os especialistas no assunto, tais índices refletem mudanças de hábitos que ocorreram nos últimos anos. “A Lei Seca, por exemplo, apesar de ser muito positiva, limitou a mobilidade do carioca. Como a maioria das opções está concentrada no eixo Zona Sul-­Lapa, os moradores de áreas menos badaladas têm preferido ficar em casa. Isso sem dizer que sair à noite é um programa bem caro”, aponta Leo Feijó, diretor do Sindicato de Bares, Hotéis e Restaurantes do Rio (Sind-Rio). Para quem acreditava que os gostos e costumes dos cariocas eram intocáveis, a pesquisa comprova um fato indiscutível: nossa cidade é muito mais diversa e complexa do que se imagina.

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