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‘Malvadão’ do mar? Pesquisadores desmistificam a fama dos tubarões

Flagrados com mais frequência na orla carioca, os animais são objeto de pesquisas que enfatizam seu essencial papel no equilíbrio do ecossistema marinho

Por Luiza Maia
Atualizado em 19 abr 2024, 07h54 - Publicado em 19 abr 2024, 07h52
Abre tubarão
Tubarões: diversidade e riqueza de espécies é estudada por pesquisadores no Rio (iStock/Getty Images)
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Faz pouco mais de um mês que viralizou nas redes o vídeo de um tubarão capturado próximo à orla da Barra da Tijuca, a 400 metros da costa. A gravação mostra o animal preso em uma rede de pesca. “Esse aqui é um dos mais perigosos”, garante o pescador ao encontrar o filhote de tubarão-tigre, enquanto o bicho se debate para tentar se livrar das tramas e retornar a seu habitat. Outras aparições foram flagradas recentemente em Saquarema, Búzios, Ilha Grande, Sepetiba, Copacabana e até no Leblon.

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Eles estão, como sempre estiveram, no mar em que diariamente os cariocas buscam uma trégua do calor e praticam esportes os mais variados. “O Rio de Janeiro abriga uma grande diversidade desses animais. Já registramos mais de sessenta espécies no estado, e acredito ainda haver mais”, afirma a bióloga Marcele Moura, do programa de pós-graduação em zoologia do Museu Nacional, da UFRJ.

Com as redes sociais, os flagras desses animais acabam viralizando e gerando burburinho — mas eles não representam real ameaça. “A maior parte desses registros são de filhotes. Eles costumam viver mais perto da orla até atingirem maturidade para viver em alto-mar”, ressalta a pesquisadora.

Registros recentes: imagens compartilhadas nas redes sociais mostram os animais nadando próximo à beira do mar em Saquarema e na praia do Leblon
Registros recentes: imagens compartilhadas nas redes sociais mostram os animais nadando próximo à beira do mar em Saquarema e na praia do Leblon (Fotos/Reprodução)
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Justamente com base na observação dos exemplares vistos à solta nessas águas, aliada a pesquisas, surgiu o Guia para Identificação de Raias, Tubarões e Quimeras do Estado do Rio de Janeiro, produzido por Marcele e outros estudiosos. O material mostra que, além do tigre, comum em outros mares tropicais, o Rio também é lar de martelos, makos, galhas-pretas, para citar alguns (veja os mais comuns no quadro).

“São espécies essenciais para um ecossistema saudável”, reforça a bióloga, que brinca ao apelidar o animal de “Comlurb do oceano”, reforçando sua relevante função no controle dos peixes e na limpeza do entorno. A riqueza e a diversidade desses indivíduos vêm sendo objeto de vastos estudos do Projeto Ecoshark, conduzido inicialmente pelo Instituto de Biofísica e de Biologia da UFRJ, e que contará em breve com um Instituto próprio.

Por ano, eles recebem cerca de 200 carcaças vindas da pesca para análise. “Chegam desde filhotes até adultos de 3 metros, com cabeças que pesam 20 quilos”, conta a coordenadora do estudo de contaminantes Mariana Alonso.

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Pioneiro em pesquisas direcionadas à população local de tubarões, o projeto começou os trabalhos em 2022, centrando em duas frentes principais — a primeira delas mira a contaminação desses animais por substâncias nocivas. Foram identificados até resquícios de remédios no cérebro desses peixes cartilaginosos, abrangendo antidepressivos e ansiolíticos, além de alta contaminação por filtros solares na carcaça. “O perigo é que esses compostos causam desregulação nos hormônios sexuais”, explica Mariana.

Em paralelo, os especialistas se empenham em decifrar os padrões de movimentação através de tags eletrônicas instaladas nas nadadeiras de indivíduos adultos, que permitem o monitoramento via satélite por até um ano. Análises iniciais têm chamado a atenção, por exemplo, para a alta concentração de fêmeas encontradas na região da Ilha Grande.

“Nossa hipótese é que o local pode ser usado como um berçário de filhotes, ou então um local onde elas se preparam para dar à luz”, conta a pesquisadora Fernanda Lana, que coordena a parte de monitoramento do Ecoshark. Os animais que circulam pelos mares da Costa Verde são também acompanhados pelo Projeto Tubarões da Baía da Ilha Grande, que começou em 2023.

“Entendemos inicialmente que a aparição deles é sazonal.Fizemos um registro inédito em maio de mais de 100 indivíduos e os vimos frequentando a região até agosto”, explica Nathan Lagares, gerente de projetos do Instituto Mar Urbano (IMU), um dos braços responsáveis pelo trabalho junto à UFRRJ e ao Divers for Sharks.

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A impressionante filmagem de 105 galhas-pretas enquadradas em um só plano, feita por drone, é um dos primeiros registros do projeto, que ainda seguirá por vinte meses na ilha a 150 quilômetros da capital.

AquaRio: pesquisa desenvolve técnicas de reprodução de espécies ameaçadas
AquaRio: pesquisa desenvolve técnicas de reprodução de espécies ameaçadas (Alexandre Macieira/Riotur)

Além de catalogar quais espécies habitam a região e como se comportam, um dos focos é alertar sobre os perigos a que esses animais estão expostos. Estima-se que um terço das espécies de tubarões do planeta esteja sob ameaça de extinção. “Os principais vilões dessa história são a pesca e o comércio da carne de cação, nome genérico frequentemente utilizado na venda desses animais, dos quais os brasileiros são um dos maiores consumidores”, alerta o biólogo Ricardo Gomes, do IMU.

Tal consumo põe em risco o tão delicado equilíbrio ambiental e, segundo estudiosos, pode ser nocivo à saúde humana. Por se alimentar de peixes menores e outros organismos marinhos igualmente contaminados, o tubarão corre o risco de acumular perigosa quantidade de metais pesados, como mercúrio, cádmio e chumbo. Mobilizada pela ONG Sea Shepard Brasil, a campanha Cação É Tubarão mira esclarecer, com dados, os mitos e desconhecimentos que pairam sobre o tema — 54% dos brasileiros não sabem a origem do alimento.

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A ignorância, não raro, leva a violência e covardia, como se viu na Praia da Joatinga, há duas décadas, quando banhistas retiraram um mangona de 3 metros encalhado na beira d’água e o mataram a pauladas — um infeliz capítulo dessa história.

arte tubarão

Apesar da fama de mau, imortalizada no filme Tubarão, o animal não representa o perigo que se costuma atribuir a ele. Ao contrário de locais como Recife, onde a degradação ambiental e a topografia do litoral provocam um alarmante número de interações com os banhistas, o Rio tem registrado a presença desses seres sem nenhuma intercorrência.

“O humano não faz parte da dieta dos tubarões. Não precisa ter medo, mas também não se deve tentar capturá-los nem segurá-los”, explica Rafael Franco, gerente técnico do AquaRio, que tem como desafio desmistificar a ideia de “malvadão dos oceanos”, aproximando o público do animal e encabeçando atividades que destacam o quão vital é sua conservação.

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Ele recomenda: “Como com qualquer animal selvagem, o conselho é parar e manter a calma diante desses peixes, sem se aproximar”. A instituição carioca também coordena uma pesquisa para o desenvolvimento de técnicas de congelamento de sêmen e inseminação artificial dessas ameaçadas espécies, que merecem vida longa.

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