A arte transformadora de fotografar a Rocinha

Com mais de 19 000 seguidores no Instagram, projeto Fotogracria tem como objeto de trabalho o ambiente e o cotidiano da favela

Por Carlos Eduardo, Dandara Rodrigues e Maria Luísa Brito*
Atualizado em 29 dez 2021, 14h38 - Publicado em 29 dez 2021, 14h34
Foto mostra moradores da Rocinha
Rocinha: moradores são enxergados sob a lente da câmera (Fotogracria/Reprodução)
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Fotogracria. É assim que Salem, moradora da Rocinha, gosta de ser chamada. Aos 24 anos, a fotógrafa, hoje com mais de 19 000 seguidores no Instagram, tem como objeto de trabalho o ambiente e o cotidiano da maior favela da América Latina.

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Há muito Salem convive com as câmeras. Como modelo e atleta de surfe, frequentava diversas lentes. Nesta fase, era levada a esconder sua origem. Por influência dos fotógrafos Renato RJ e André Cypriano, abriu-se à liberdade de clicar a sua realidade. 

Com o Renato RJ, Salem produziu um material experimental de moda cujo cenário seria a favela – retratada sem clichês ou estereótipos. Desde então, a semente da fotografia floresceu na jovem. Fez da arte um instrumento também de desmistificação, de representação.

Das várias atividades exercidas, Salem afirma que a fotografia é “a mais especial, ambicioso e duradouro”. A artista a considera um grito de liberdade, retratando tendências do gueto, das favelas, das aldeias. Suas fotos expressam beleza, alegria, dor. Mostram a favela além da imagem negativa construída em narrativas midiáticas regulares.

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Foto mostra fotógrafa agachada tirando foto com câmera profissional
Salem: fotógrafa busca apresentar a favela para o mundo (Fotogracria/Reprodução)

Ela lembra que, no início do projeto Fotogracria, sua câmera gerava estranhamento entre os moradores da Rocinha. Precisou de “muito jogo de cintura” para driblar desconfianças e seguir adiante. “Na favela, o pessoal é mais fotógrafo do que modelo. As pessoas fotografam mais do que são fotografadas”, observa a fotógrafa.

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A lente de Salem é desbravadora, assim como de outras artistas mergulhadas em visões autênticas de universos considerados periféricos do ponto de vista socioeconômico. O documentarista Matias Maxx ressalta que, em um passado não muito distante, poucas eram as câmeras retratando ambientes de favela. “E tais retratos eram sempre feitos de maneira negativa, estereotipada”, completa. 

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A tecnologia digital, constata Maxx, ajudou a criar representações além dos estereótipos. Com a popularização das câmeras nos celulares, moradores de favelas começaram a produzir e distribuir fotos e vídeos. Passaram a apresentar as comunidades a partir de uma ótica própria, realista.

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Salem ilustra essa transformação. Personifica a importância da arte e cultura em ambientes historicamente marginalizados. Fora a rica produção fotográfica, dedica-se também a ensinar as técnicas da sua arte em oficinas como a organizada pelo jornal Fala Roça. Gratifica-se ao ver os vizinhos estimulados e qualificados para retratar suas realidades, seus cotidianos.

Foto mostra mulheres na comunidade
Tia Novinha (do Vidigal) e vizinhos: fotografados pelo projeto (Fotogracria/Reprodução)

Embora reconheça a influência das novas tecnologias para ampliar e emancipar representações, Salem faz uma ressalva às plataformas digitais, principais vitrines das suas fotos: não raramente oprimem “conteúdos feitos pelas minorias, como os de pretos, indígenas, favelados: algoritmos são excludentes”.

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A crítica fundamenta-se numa censura sofrida recentemente: “Um vídeo que eu fiz foi apagado das redes sociais por denúncia de situação de violência; Mas o vídeo não continha violência ou qualquer tipo de abuso. Retratava apenas crianças pulando corda, um churrasco e um terreiro”, conta.

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Para a artista, essas denúncias derivam, principalmente, de um “incômodo diante do protagonismo e da visibilidade de uma pessoa favelada, mostrando outras pessoas racializadas”. Em vez de abatê-la, renovam o fôlego de Salem, ou melhor, Fotogracria para investir no poder transformador da arte.

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* Carlos Eduardo, Dandara Rodrigues e Maria Luísa Brito, estudantes de jornalismo da PUC-Rio, sob supervisão de professores da universidade e revisão final de Veja Rio. 

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