A arte transformadora de fotografar a Rocinha
Com mais de 19 000 seguidores no Instagram, projeto Fotogracria tem como objeto de trabalho o ambiente e o cotidiano da favela
Fotogracria. É assim que Salem, moradora da Rocinha, gosta de ser chamada. Aos 24 anos, a fotógrafa, hoje com mais de 19 000 seguidores no Instagram, tem como objeto de trabalho o ambiente e o cotidiano da maior favela da América Latina.
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Há muito Salem convive com as câmeras. Como modelo e atleta de surfe, frequentava diversas lentes. Nesta fase, era levada a esconder sua origem. Por influência dos fotógrafos Renato RJ e André Cypriano, abriu-se à liberdade de clicar a sua realidade.
Com o Renato RJ, Salem produziu um material experimental de moda cujo cenário seria a favela – retratada sem clichês ou estereótipos. Desde então, a semente da fotografia floresceu na jovem. Fez da arte um instrumento também de desmistificação, de representação.
Das várias atividades exercidas, Salem afirma que a fotografia é “a mais especial, ambicioso e duradouro”. A artista a considera um grito de liberdade, retratando tendências do gueto, das favelas, das aldeias. Suas fotos expressam beleza, alegria, dor. Mostram a favela além da imagem negativa construída em narrativas midiáticas regulares.
Ela lembra que, no início do projeto Fotogracria, sua câmera gerava estranhamento entre os moradores da Rocinha. Precisou de “muito jogo de cintura” para driblar desconfianças e seguir adiante. “Na favela, o pessoal é mais fotógrafo do que modelo. As pessoas fotografam mais do que são fotografadas”, observa a fotógrafa.
A lente de Salem é desbravadora, assim como de outras artistas mergulhadas em visões autênticas de universos considerados periféricos do ponto de vista socioeconômico. O documentarista Matias Maxx ressalta que, em um passado não muito distante, poucas eram as câmeras retratando ambientes de favela. “E tais retratos eram sempre feitos de maneira negativa, estereotipada”, completa.
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A tecnologia digital, constata Maxx, ajudou a criar representações além dos estereótipos. Com a popularização das câmeras nos celulares, moradores de favelas começaram a produzir e distribuir fotos e vídeos. Passaram a apresentar as comunidades a partir de uma ótica própria, realista.
Salem ilustra essa transformação. Personifica a importância da arte e cultura em ambientes historicamente marginalizados. Fora a rica produção fotográfica, dedica-se também a ensinar as técnicas da sua arte em oficinas como a organizada pelo jornal Fala Roça. Gratifica-se ao ver os vizinhos estimulados e qualificados para retratar suas realidades, seus cotidianos.
Embora reconheça a influência das novas tecnologias para ampliar e emancipar representações, Salem faz uma ressalva às plataformas digitais, principais vitrines das suas fotos: não raramente oprimem “conteúdos feitos pelas minorias, como os de pretos, indígenas, favelados: algoritmos são excludentes”.
A crítica fundamenta-se numa censura sofrida recentemente: “Um vídeo que eu fiz foi apagado das redes sociais por denúncia de situação de violência; Mas o vídeo não continha violência ou qualquer tipo de abuso. Retratava apenas crianças pulando corda, um churrasco e um terreiro”, conta.
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Para a artista, essas denúncias derivam, principalmente, de um “incômodo diante do protagonismo e da visibilidade de uma pessoa favelada, mostrando outras pessoas racializadas”. Em vez de abatê-la, renovam o fôlego de Salem, ou melhor, Fotogracria para investir no poder transformador da arte.
* Carlos Eduardo, Dandara Rodrigues e Maria Luísa Brito, estudantes de jornalismo da PUC-Rio, sob supervisão de professores da universidade e revisão final de Veja Rio.