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Universidade Estácio, maior do Rio, dá sinais de recuperação

Depois de brigas internas, fraude e uma tentativa de compra, a maior universidade do Rio e segunda maior do Brasil começa a se reequilibrar

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 1 dez 2017, 16h00 - Publicado em 1 dez 2017, 16h00
Pedro Thompson - CEO Estácio
Pedro Thompson, o presidente: carreira no mercado financeiro (Felipe Fittipaldi/Veja Rio)
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Às vésperas do Natal de 2016, pegava fogo a “rádio corredor” da Universidade Estácio de Sá (Unesa), o maior grupo educacional do Rio e o segundo maior do país. Corria o boato de que o novo mandachuva da corporação, o carioca Pedro Thompson, de 34 anos, havia sido tratado à base de insultos em uma festa de fim de ano da casa por funcionários contrários às medidas que vinha tomando. Thompson nega o entrevero, mas admite que foi alvo, sim, de fofocas, difamação e até sabotagem. Mudanças, como se sabe, nem sempre são bem-vindas, principalmente em um colosso com mais de noventa câmpus. Na época do bafafá, Thompson estava havia sete meses na Estácio. Ele desembarcou na universidade para ocupar a diretoria financeira da companhia e, pouco depois, assumiu a presidência do grupo, com 550 000 alunos. Sua missão era, em uma espécie de mandato-tampão, preparar o terreno para a fusão com a Kroton, mamute educacional nascido em Minas Gerais e hoje a maior empresa do mundo no gênero. Juntas, a Estácio e a Kroton formariam uma companhia avaliada em cerca de 30 bilhões de reais, com 1,5 milhão de estudantes. O tamanho do conglomerado acendeu o alerta do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão antitruste que vetou o negócio, avaliado em 5,5 bilhões de reais, em julho.

Com a decisão, em apenas uma semana a Estácio perdeu 12,5% do valor de mercado. Jovem e pouco experiente no ramo, Thompson era visto como alguém de pouca fibra para reverter o cenário. Entretanto, os números exibidos nos balanços da universidade têm contrariado todos esses vaticínios para lá de pessimistas. O valor das ações da faculdade na Bolsa de Valores de São Paulo, a Bovespa, dobrou de 2016 para cá. Na semana passada, a companhia valia 9,77 bilhões de reais, quase 5 bilhões mais do que há um ano. “É um processo que começou na negociação da fusão. Nós não ficamos parados esperando o negócio acontecer. Simplesmente botamos a universidade para funcionar e ninguém se acomodou. Queríamos entregar os melhores resultados possíveis, era uma questão pessoal”, diz Thompson, que vem conduzindo uma gestão marcada pela austeridade e pelo controle de custos.

Desde o segundo semestre do ano passado, apertar o cinto e reduzir os gastos tornou-se regra na Estácio. Naturalmente, medidas de contenção tendem a gerar resistência e, numa instituição tão grande, o azedume foi proporcional ao seu tamanho. De imediato, o novo presidente incinerou 125 postos de diretoria e de segundo escalão, fechou o departamento de inovação, dedicado ao empreendedorismo universitário, mas que produzia mais despesas que boas ideias, e aumentou o preço médio da mensalidade — segundo ele, o valor estava defasado. Focado nas tesouradas, fechou ainda três câmpus — Freguesia, Parque das Rosas (Barra da Tijuca) e Menezes Côrtes (Centro) —, que, juntos, atendiam 10 000 alunos. Com a medida, espera-se obter uma economia de 18 milhões de reais por ano. “A empresa ganhou uma gestão fria e de pouca compaixão com a educação. Eles são pedantes, agressivos e arrogantes. Os números que apresentam não vão se manter por muito tempo”, dispara um executivo que deixou a Estácio e pediu para ficar anônimo.

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(Veja Rio/Veja Rio)

Antes localizado em um prédio de escritórios da Avenida Abelardo Bueno, na Barra, o gabinete do presidente e de outros executivos foi transferido para o câmpus da Avenida das Américas. Todas as tardes, é possível ver Thompson diante de um pote de açaí em uma das três lanchonetes do complexo — um traço curioso para quem é comparado a um Torquemada corporativo, preocupado apenas em mandar empregos, benefícios e iniciativas que considere fúteis para a fogueira. “Temos de vivenciar o dia a dia de nossos alunos e professores, conversar com eles, escutar todo mundo. Existimos por causa deles”, diz o presidente. Fã de Samuel Walton (1918-1992), fundador do WalMart, a maior rede de varejo do mundo, Thompson é adepto do estilo nice guy (cara legal) difundido por seu ídolo. Para Walton, era crucial trabalhar com pessoas que despertassem um grau de empatia tamanho que ele chegasse a ponto de querer convidá-las para jantar ou, pelo menos, tomar um café. O presidente da Estácio, que faz análise há doze anos, não chegou a tanto — ainda. Porém, tem investido no clima geral da organização. Semanalmente, um comitê se reúne para discutir as angústias internas da casa e estratégias para melhorar.

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Inaugurada em 1970 pelo juiz João Uchôa Cavalcanti Netto, a Estácio nasceu como faculdade de direito em uma pequena casa no Rio Comprido, na Zona Norte. Em menos de duas décadas, conquistou o status de universidade e passou a crescer em ritmo exponencial. A expansão fora das fronteiras fluminenses se deu a partir de 1998, com a implantação da primeira faculdade privada de medicina do Nordeste, região do país onde a Estácio ainda mantém liderança em relação à Kroton. Em 2007 veio a abertura de capital na bolsa e a pulverização do controle da empresa, cuja maior fatia é detida por fundos de investimentos e bancos internacionais. Tanto a Estácio, a Kroton e outros grupos concorrentes no mercado nacional como a Laureate e a Ser Educacional cresceram muito a partir de 2010, com a chegada de estudantes das classes C e D bancados pelos recursos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), do governo federal. Mas a crise e a redução dos créditos desde 2015 abalaram o setor. Hoje, apenas 5% dos estudantes da Estácio se valem do Fies para custear as mensalidades — no auge do programa, o índice era de 60%. Para enfrentar essa perda, a universidade criou um sistema de crédito próprio, xodó de Thompson, que começou a ser oferecido no ano passado e já representa 10% da captação de alunos.

FELIPE FITTIPALDI
Alunas em unidade no Rio: investimento no ensino (Felipe Fittipaldi/Veja Rio)

Egresso do mercado financeiro, o presidente da Estácio chegou à sede na Barra da Tijuca com um currículo que provocou estranheza em seus pares. Alguns até partiram para o bullying corporativo ao desencavar suas qualificações acadêmicas, que julgavam essenciais para quem comanda uma instituição de ensino superior. Descobriram, por exemplo, que ele não havia concluído a graduação em administração na PUC-Rio, o que gerou indignação. O resultado alcançado por ele, entretanto, calou os críticos. Exemplo de uma geração que dá pouca relevância a modelos tradicionais de educação, Thompson começou a trabalhar com 16 anos em uma corretora de valores. Depois, foi trainee da consultoria Deloitte até se transferir para o banco BTG Pactual. Na instituição financeira capitaneada pelo intrépido André Esteves, teve carreira meteórica. Com a prisão do patrão na Operação Lava-Jato, em 2015, a área de private equity em que Thompson trabalhava foi liquidada. “Foi a maior confusão, mas me orgulho muito de minha passagem pelo BTG. Aprendi muito com o André. Ele é um crânio”, elogia. Sem emprego, matriculou-se em um curso de extensão na Universidade Harvard, em Boston. Lá, recebeu o convite para voltar ao Rio e pôr ordem nas contas da Estácio.

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O início da gestão de Thompson na universidade carioca não poderia ter sido mais conturbado. Uma vez na presidência, tornou-se o quarto executivo a comandar o colosso em nove meses. Desde abril de 2016, a corporação está sob as rédeas curtas do conselho de administração, liderado por João Cox Neto, ex-presidente da Claro. Sob tal controle, descobriu-se uma fraude de 108 milhões de reais, que envolvia desde alunos-fantasmas para maximizar a receita até a renegociação forjada de títulos vencidos, passando por despesas de marketing não contabilizadas. Logo depois do anúncio da proposta de compra hostil da Kroton, o comando da empresa foi abalado por nova bomba: o então CEO da instituição, Rogerio Melzi, pediu demissão por não concordar com a fusão. O empresário Chaim Zaher, à época o maior acionista do grupo, assumiu a presidência por vinte dias e apontou Gilberto Castro, ex-diretor de operações, para substituí-lo. O sucessor, no entanto, deixou a empresa no mês seguinte, alegando problemas pessoais. O próprio Zaher, meses depois, acabou vendendo totalmente sua participação por 430 milhões de reais ao fundo Advent. “Já tive problemas com o conselho, mas hoje acho que a Estácio tem tudo para decolar”, avalia o Turquinho, como é conhecido o bilionário da educação, presidente do Grupo SEB.

Rogerio Melzi
O ex-presidente Melzi: denúncia de espionagem e processo milionário (Eduardo Zappia/Divulgação)

Quando Thompson ascendeu ao cargo, estava subentendido que ficaria no posto até a chegada dos novos donos. O princípio de sua gestão, entretanto, foi marcado por episódios rocambolescos, como a espionagem de e-mails trocados entre ele e a advogada da firma. Investigações feitas por uma empresa israelense apontaram que o ex-CEO Melzi estaria por trás do esquema, operado por dois funcionários da área de TI. A divulgação das mensagens acabou provocando um atrito entre Rodrigo Galindo, presidente da Kroton, e Thompson na época da fusão. O imbróglio foi parar na delegacia. A investigação não avançou, mas, há dois meses, Melzi entrou com ação trabalhista em que reivindica 42 milhões de reais de indenização.

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Em meio a tantas turbulências, a qualidade do ensino tornou-se uma importante bandeira para a Estácio. Apesar de ser uma marca querida pelos cariocas, há tempos a universidade sofre com a má fama acadêmica. Ficou emblemático, por exemplo, o caso de um analfabeto que, em 2001, prestou vestibular para direito e passou em nono lugar. De lá para cá, a instituição evoluiu consideravelmente nos indicadores qualitativos. “No IGC (Índice Geral de Cursos), que vai de 0 a 5, cravamos 4. Apenas as universidades públicas estão na faixa 5”, orgulha-se Thompson. Nos últimos dois anos, a Estácio aumentou o reforço oferecido a alunos que chegam à faculdade com formação precária (aulas de português e matemática são ministradas de graça aos sábados).

Para o ano que vem, prepara um robusto plano de carreira para valorizar os melhores professores da casa. Também em 2018, o grupo planeja expandir a educação a distância e lançar um ambicioso projeto-piloto: o ensino médio profissionalizante. Cinco câmpus serão destinados para esse segmento nos períodos em que as salas não são utilizadas pelos universitários. Os analistas do setor veem com otimismo a melhora do cenário econômico. Com apenas um em cada sete adultos com nível superior, o país é um mercado extremamente promissor para os negócios voltados à educação (em países desenvolvidos, a relação é de um adulto com diploma em cada três). Ou seja, mesmo gigantes como a Estácio ainda têm muito espaço para crescer.

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