Doutor Demografia

Ao revelar tendências de comportamento e transformações sociais, o economista Marcelo Neri baliza a atuação de governos e empresas

Por Felipe Carneiro
Atualizado em 5 jun 2017, 14h56 - Publicado em 8 jul 2011, 15h49
Tomás Rangel
Tomás Rangel (Redação Veja rio/)
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Ele já se habituou a ser chamado de ?embaixador da classe C?. O rótulo traz em si uma injustiça e uma evidência. Ele é impreciso por restringir a área de atuação de um profissional com um amplo arco de interesses. Porém, não há como dissociar o economista carioca Marcelo Neri dessa camada da população. Especializado em demografia, ele foi o primeiro pesquisador a mostrar que esse estrato se tornou predominante na sociedade brasileira. À medida que a classe C ganha corpo, cresce na mesma proporção o prestígio ? e consequentemente o assédio ? de seu ?descobridor?. Recentemente, ele deu entrevistas à revista The Economist e ao jornal The New York Times sobre a mobilidade social no país. Como economista-chefe do Centro de Pesquisas Sociais da Fundação Getulio Vargas, Neri analisa e cruza uma série de dados estatísticos para chegar a conclusões muitas vezes surpreendentes (veja o quadro). Dessa maneira, constatou a entrada de 50 milhões de brasileiros no mercado consumidor nos últimos oito anos e a disparada da renda na Região Nordeste de 2001 para cá. A torrente de números levantados pelo Censo 2010 forma um manancial caudaloso para ele se divertir. E tirar conclusões. ?Tenho formação de macroeconomista, mas o que eu teria de novo para falar sobre taxa de juros ou câmbio flutuante??, questiona. ?Quero ver a economia viva, enxergar a sociedade se transformando antes de todo mundo.?

Com tal perfil, Marcelo Neri, 48 anos, é fundamentalmente um pesquisador de tendências, um tipo de especialista valioso na atualidade. Seus diagnósticos servem para balizar tanto políticas governamentais como estratégias de ação de grandes empresas. Só neste ano, além de ter dado palestras a autoridades da China e da África do Sul, fez conferências nas universidades americanas Harvard e MIT, e no Council of Foreign Relations, instituto de política internacional sediado em Nova York. Nos encontros, evita quanto pode ser monotemático. A precaução decorre de uma história curiosa. Vem desde que ele foi chamado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso de ?o rapaz do salário mínimo?, devido a suas pesquisas sobre o pequeno impacto do aumento do piso salarial sobre a renda do brasileiro. Decidiu, então, tornar-se um generalista para não ficar estigmatizado. ?Não fico concentrado em um assunto, mas, sim, em uma metodologia que domino e que me permite fazer alguns trabalhos em quinze minutos?, diz. ?Não tenho paciência. Gosto das pesquisas mais cruas e em seguida já parto para outra.?

A familiaridade de Marcelo Neri com sociedades desiguais não se restringe a seu conhecimento da realidade brasileira. Ainda adolescente, nos anos 70, mudou-se com o pai, funcionário de uma petrolífera, para a África do Sul, em pleno regime do apartheid. Viveu por lá durante dois anos e trouxe lições que valem até hoje. ?Foi interessante comparar o que vi na África com o que há no Brasil, onde reina o mito da democracia racial?, lembra. ?Na verdade, tanto cá como lá, os negros são mais pobres, têm menos educação e são maioria nos presídios.? Na universidade, Marcelo foi aluno destacado nos cursos de administração e economia da PUC-Rio, onde fez mestrado sob a orientação do ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco. No doutorado, na Universidade Princeton, teve como preceptor Ben Bernanke, atual presidente do Federal Reserve, o banco central americano. ?Neri é brilhante?, sintetiza Franco. ?Ele poderia estar rico atuando no mercado financeiro, mas seu temperamento o levou à pesquisa e à elaboração de políticas públicas.?

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Tido pelos mais próximos como um ?workaholic sem salvação?, o demógrafo não descansa nem quando viaja à casa que possui em Búzios. ?Nem lá ele desgruda do trabalho?, reclama sua mulher, a arquiteta Fernanda Neri. Quando não está afogado em números, ele acompanha de perto os jogos do Fluminense. Raramente deixa de ir às partidas realizadas no Rio, sempre acompanhado do filho Guilherme, de 14 anos. Seu enteado, o botafoguense Bruno, filho do casamento anterior de Fernanda, fica fora do programa. Outra diversão que o ajuda a desanuviar a cabeça de tantas fórmulas e tabulações é encarar trilhas litorâneas com sua moto de 250 cilindradas para ir pescar. Nessas ocasiões, a noite invariavelmente termina com um banquete de comida japonesa preparada pelo próprio economista, que num raro arroubo de imodéstia se declara um exímio sushiman. ?Na cozinha, sou exatamente como no trabalho. Gosto de tudo bem rápido.?

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