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André Heller-Lopes

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A volta do Dito Erudito
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Os russos estão chegando ao Rio

A cidade recebe uma série de eventos vindos da Rússia, que escolheu o Brasil sua edição de 2024 da Russian Season

Por André Heller-Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 18 jun 2024, 09h05 - Publicado em 16 jun 2024, 23h48
O grande baixo russo Ildar Abdrazakov
O grande baixo russo Ildar Abdrazakov se apresenta na Sala Cecilia Mereilles (divulgacao/Divulgação)
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Entre os dias 17 e 22 de junho, os russos irão invadir o Rio — mas calma: o aviso não pressupõe tanques de guerra. Os soldados são os da cultura, artistas vencedores do Concurso Tchaikovsky comandados pelo ‘General’ Ildar Abdrazakov, um dois maiores baixos russos da atualidade — para não dizer o maior deles. Os concerto terão renda revertida para as vítimas das enchentes do Rio Grande do Sul; da mesma forma, um elenco de destacados cantores brasileiros apresenta-se na terça, dia 18, no Salão Assírio do Municipal para o mesmo fim, iniciativa da Lírica Solidária em solidariedade as Companhia de Ópera do Rio Grande do Sul e a OSPA (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre). A Arte Russa invade mas pedindo passagem para desembarcar nestas nossa praias praias.

Falar de Rússia é especialmente emocionante para mim. Foi em Moscou que meu avô materno nasceu, uns bons anos antes da Revolução Soviética. Fugiu com toda a família, e depois de passar pela Finlândia e Alemanha acabou achando o amor e a felicidade no Rio de Janeiro. Morreu anos antes da queda do muro de Berlim, sem nunca mais colocar os pés em sua cidade natal mas também sem saudades e totalmente convertido ao ‘ser carioca’. Não lembro de meu avô como um nostálgico da Rússia (ou mesmo da Europa), e certamente não se veria como um “soviético”; mas pequenos hábitos como o de reunir toda a família sentada na sala antes de uma viagem, permaneceram. O que fica de um povo talvez seja sua história e sua cultura e por isso mesmo usar a cultura como uma espécie de ‘soft power’ é algo que há muito os mais perspicazes governos perceberam.

Desde 2017, essa Russian Seasons (numa alusão às “temporadas russas” ou estações do ano, como uma primavera) vem sendo realizado em dezenas de países ao redor do mundo. São sempre vários concertos de música, produções teatrais, festivais de cinema, exposições de arte e projetos educacionais; uma iniciativa que, segundo os organizadores do projeto já foi assistida por mais de 13 milhões de pessoas. Um projeto do Governo russo e de seu Ministério da Cultura da Federação Russa e, nas palavras da divulgação do evento “pretende apresentar a riqueza e a diversidade da arte russa e as conquistas do país na esfera da cultura”. A palavra diversidade é, de fato, uma das mais importantes questões do nosso tempo, e é muito bom que a Russian Season não será apenas de música, mas trará igualmente exposições de artes e ofícios russos, gravuras históricas e painéis fotográficos do Museu Histórico do Estado Monastério Novodevich, uma instituição com 500 anos de história, e mesa redondas ao redor da cultura e do idioma russo. Após um concerto inaugural desta Temporada Russa na segunda dia 17, com a participação da Orquestra de Barra Mansa, e de uma masterclass para jovens cantores na tarde do dia 19, ambas no Municipal, o grande baixo oferece às 16hs do sábado dia 22, na Sala Cecília Mereilles, o que já promete ser um dos recitais mais imperdíveis do ano: um recital com canções de Tchaikovsky, Rachmaninov e Mussorgsky em parceria com a pianista Mzia Bakhturidze. A dança, logicamente, não poderia ficar de fora e membros do Balé Bolshoi, de Moscou, e da Academia Vaganova de Ballet, de São Petersburgo, se apresentando e ministrando Masterclasses no Rio a partir de 26 de junho.

Quanto ao célebre baixo Ildar Adbrazakov, estrela da programação Russian Seasons, talvez valha dizer que o artista que o Rio de Janeiro terá a grande sorte de escutar — e nenhuma outra cidade do Brasil, diga-se de passagem — é ganhador de dois Grammy, tendo sido reconhecido internacionalmente após vencer em 2000 o Concurso Internacional Maria Callas, em Parma. Suas apresentações em palcos como o do Teatro Alla Scala, da Opéra de Paris, da Royal Opera de Londres ou do Metropolitan Opera, de Nova Iorque, receberam sempre grandes elogios, colocando o artista entre os maiores da atualidade. Em 2016, Abdrazakov criou uma Fundação de apoio e promoção de jovens talentos no campo da arte e desenvolvimento de relações culturais internacionais. No sentido de desenvolver novos talentos, Ildar Abdrazakov fará uma masterclass na quarta-feira, dia 19 de junho, às 14h, na Sala Mário Tavares, anexo do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, tendo Mzia Bakhturidze ao piano. Aberta ao público com capacidade de 160 lugares e entrada franca, nesta ‘aula magna’ o premiado baixo russo trabalhará com 05 cantores selecionados dentre os alunos da Escola de Música da UFRJ e do Coro do TMRJ; são eles David Monteiro (baixo), Dhuley Contente (soprano), Leonardo Thieze (baixo), Paulo Maria (barítono) e Rodrigo Barcelos (tenor). Entre o Concerto de abertura, dia 17, e a Masterclass da quarta-feira, uma belo programa com árias e duetos de Bizet, Gomes, Offenbach, Villa-Lobos, Saint-Saens e Puccini, com vozes como as de Ludmila Bauerfeldt, Eiko Senda e Mere Oliveira, no Salão Assírio, dia 18, às 19hs.

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Se no concerto do dia 17 de junho Ildar Abdrazakov cantará poucas árias (o famoso monólogo do Príncipe Gremin, o Oregon de Tchaikovsky e uma ária da ópera Faust, de Gounod), já o programa del recital com a pianista Bakhturidze na Sala Cecília Mereilles é totalmente seu — e um programa da mais alta sofisticação e beleza. Dedicado inteiramente a canções russas, traz algumas das obras mais importantes desse repertório: de Tchaikovsky, por exemplo, canções como a “Serenata de Don Juan” ou a famosa música inspirada no poema “Nur wer die Sehnsucht kennt”, de Goethe (muito conhecida outrora em sua versão francesa, “Ah, qui brûla d’amour”); de Rachmaninov, a romance “Águas primaveris” e a deslumbrante “No silêncio da noite”; Spring Waters”; e finalmente, de Mussorgsky, obras como a divertida “Canção da Pulga”. Um recital de cerca de 15 importantes canções (mais certamente alguns generosos bis, como é de costume) para afirmar que na arte de um povo está sua alma e que, por vezes, a música, a dança, a literatura ou as artes plásticas são armas muito mais duradouras do que qualquer tipo de canhão de guerra.

 

André Heller-Lopes @andrehellerlopes

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Encenador e especialista em óperas, duas vezes Diretor Artístico do Municipal do Rio,
é Professor da Escola de Música da UFRJ

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