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Cristiana Beltrão

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Por que somos tão doces?

Brasileiros e o açúcar, um amor de longa data

Por Cristiana Beltrão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 30 jun 2022, 06h07 - Publicado em 29 jun 2022, 16h45
Embalagem de açúcar para exportação no século XV - reprodução.
Embalagem de açúcar para exportação no século XV - reprodução (Cristiana Beltrão/Arquivo pessoal)
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Há alguns anos, vem meu chef de cozinha me mostrar um troço que eu não conhecia: uma tal rapadura batida.

Eu sabia que o doce mais comum do Brasil tinha sido batizado por conta das “raspas duras” do caldo da cana aquecido, quando aderiam ao tacho. Até aí, tudo bem. Mas aquela era diferente, macia e cheia de borogodó: vinha “batida” com cravo e canela e embrulhada numa espiga de milho. Nham!

Enchi a boca para explicar a descoberta “original” à equipe até que um funcionário me sorri assim, meio de lado, e diz: “Cristiana, você não vai querer me ensinar sobre rapadura batida, né? Na minha cidade, lá na Paraíba, todo bebê já tomou com leite, engrossando a mamadeira. Quando menino, às vezes só tinha ela, pura, e em semana de muita sorte, a gente comia um capote (galinha d’Angola).”.

Me senti uma besta, com o umbigo fincado no Sudeste.

Já vi famílias inteiras, vindas das entranhas do Brasil, brotarem em cozinhas de restaurantes de cidade grande. Chega um irmão do sertão, trabalha bem e traz outro, que traz outro, que traz outro… Nessa corda de marinheiro na seca, sempre cabe mais um nó. Soube de sete irmãos que se apertavam com outros três amigos num minúsculo quarto e sala no Centro do Rio. “Ali era tudo magro. O problema vinha à noite, quando batia osso com osso.”

Alguns chegam esquálidos, com olhos fundos, e a transformação é quase imediata: em uma semana, mudam de cor, humor e engordam.

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Tive um bate-papo sobre GOSTO, esses dias, com o pessoal da Embrapa Alimentos e Territórios (já disse que sou muito fã da Embrapa?). Pois bem, essa divisão se encarrega de valorizar alimentos regionais, numa escala menor e mais sustentável de coisas. Entre outros assuntos, comentávamos sobre a obsessão do brasileiro por alimentos doces. E isso, é claro, não veio do nada. 

O açúcar já era um ativo português desde 1400, bem antes da descoberta do Brasil, mas era tão caro no início do século XV que só se vendia em farmácias, como remédio.

Foram os árabes que apresentaram o produto aos portugueses que tiveram a ideia de buscar um tanto de cana na Sicília para plantar na Ilha da Madeira e na colônia de São Tomé. O negócio deu tão certo que, em 1522, as duas ilhas tinham já tinham 216 fábricas e Portugal se tornou o maior fornecedor mundial de açúcar. 

Se eu tivesse um produto assim, de sucesso, também ostentava. Não à toa, doces portugueses são tão doces. 

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Em 1516, o Rei Dom Manuel I decretou que machados, picaretas e outros equipamentos necessários à montagem de usinas açucareiras fossem gratuitos para quem se aventurasse a produzir no Brasil. Além do material, um profissional qualificado teria sua viagem bancada pela Côrte. E foi assim que inúmeros marranos (judeus da Península Ibérica, forçados a se converter ao Cristianismo para escapar da Inquisição), chegaram ao Brasil com a expertise adquirida nas plantações de açúcar, onde muitos foram parar, quisessem ou não. 

Se o preço do açúcar já tinha diminuído 85% por conta do excesso de produção, imaginem quando o Brasil foi descoberto, com usinas feitas de subsídios, refugiados e mão de obra escrava? Pois é… a raspa dura daquele tacho, além de abundante, garantia energia para um dia inteiro. Não havia nada mais barato para comer.

E assim, sempre que algum estrangeiro me diz que nosso paladar é muito doce, como se fosse algo condenável, sugiro que olhe de outro ângulo. O açúcar salvou muita gente.

Por falar em ângulos, aquele rochedo fincado na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, era chamado de “pão de açúcar” pelos colonizadores, por se assemelhar à fôrma de barro cônica em que o bloco de açúcar era prensado para ser transportado para a Europa (vide foto no início da coluna). Por outro lado, os nativos tamoios o chamavam de pau-nh-açuquã (“morro alto isolado e pontudo”). Afinal, quem batizou aquele pedaço de rocha? Até hoje ninguém sabe.

E é por essas e por outras que gosto não se discute. 

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