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Cristiana Beltrão

Por Cristiana Beltrão, restauratrice e pesquisadora de gastronomia e alimentação Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Um restaurante tão importante que se esqueceu dos clientes

Quando prêmios ou estrelas transformam restaurantes em casa de shows

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Atualizado em 27 fev 2020, 13h53 - Publicado em 27 fev 2020, 12h35
Restaurantes estrelados, a nova casa de shows. Aqui, La Bohème, no Lincoln Center. (Cristiana Beltrão/Arquivo pessoal)
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Numa manhã lisboeta, passei pela porta de um restaurante ótimo, recém premiado com uma estrela Michelin. Oba! Tem fórmula de almoço a bom preço. Bingo! Fiz uma hora pela vizinhança, a reserva pelo aplicativo, cheguei no primeiro horário e adentrei confiante. Me estacionaram na antessala.

Foi uma menina, veio outra, foi um rapaz, voltou outro. Três minutos se passaram sem que ninguém me desse bola e decidi espiar o salão: ainda vazio.

O que pode ser mais prioritário do que atender ao único cliente que está há 3 minutos de pé na recepção? Para onde estariam indo? De onde estariam voltando? Havia quinhentas pessoas muito atarefadas entre cozinha e salão, mas sentia que estava na superprodução de uma ópera: todos pareciam se preparar para algo maior, que não eu.

Finalmente, uma das passeadoras, que já completara 5 voltas na raia três, decidiu parar aquela eficiência toda, verificar minha reserva e me encaminhar à mesa.

O diabo do cliente sozinho é que requer o dobro da atenção. Enquanto o tempo voa para quem trabalha, a mesa do solitário leva de brinde um ingresso para um longa-metragem, em câmera lenta. Meu filme durou 2 horas e meia. Sim. Duas horas e meia de entrada, principal e sobremesa.

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Meu Deus.

Até a bendita estrela chegar, o restaurante tinha um serviço perfeitamente atento, adorável e as coisas chegavam em tempo adequado. Agora, a equipe achava que devia obedecer a um script camisa-de-força, que não permitia alterações ou interrupções. Um script feito para impressionarem a si mesmos com seus pequenos monólogos, seus pequenos feudos e sua burocracia. O que importava era o balé das coisas.

Assisti a todos os atos daquela ópera, desde a explicação robótica e ininterrupta de todos os menus (enquanto eu tentava dizer que já conhecia o cardápio e só queria o do almoço), até a arrumação milimétrica da bancada, com 4 garçons com TOC virados de costas para as demandas dos clientes.

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Pifei o rapaz do vinho quando perguntei se havia outro rótulo para acompanhar o primeiro prato – já que conhecia aquele, bebido ali mesmo, e preferia variar. Me olhou paralisado, com jeito de quem acha a demanda razoável, mas não sabia a resposta porque não tinha autonomia para improvisar e o sommelier só ia à noite. O resultado? Aguardei o quanto pude e o vinho não vinha. Chegou somente uns 5 minutos depois de já ter terminado meu prato, e olhem que dei uma enrolada.

Havia 6 funcionários para 6 mesas com apenas 18 clientes, e um pedido simples, como o da água, levava 15 minutos para chegar, até porque a pessoa “do setor de águas” falava três línguas, menos o português. Então, me explicaram: é francesa. Puxa, que bacana para o cliente francês (!), mas meu copo segue vazio.

Já vi muita estrela transformar bons restaurantes em Casas de Show. A comida? Estava ótima, mas como convém ao espetáculo, é melhor não interagir, desligar os celulares e, passivamente, assistir. E “ai” de você, se não gostar.

Shhhhh!

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