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Daniel Sampaio

Por Daniel Sampaio: advogado, ativista do patrimônio, embaixador do turismo carioca e fundador do Instagram @RioAntigo Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Washington Fajardo: “o Plano Diretor dará maior dinâmica urbana ao Rio”

Em entrevista à coluna de Daniel Sampaio, o secretário municipal de Planejamento Urbano fala sobre a importância de uma lei única para ordenar a cidade

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Atualizado em 9 ago 2021, 15h23 - Publicado em 6 ago 2021, 18h32
O secretário municipal de Planejamento Urbano, Washington Fajardo, no Boulevard Olímpico
O secretário municipal de Planejamento Urbano, Washington Fajardo, no Boulevard Olímpico -  (André Vieira/Prefeitura do Rio de Janeiro)
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Criado para incentivar o crescimento de moradias na Região Central do Rio, o programa Reviver Centro foi sancionado pelo Prefeito Eduardo Paes, em 14 de julho. Com a iniciativa, espera-se um aquecimento do mercado imobiliário na região central da cidade e um Centro com mais vida e dinamismo econômico. Por aqui, o projeto foi tema da reportagem “S.O.S Centro: o que pode ser feito para revitalizar a região histórica?”, de Pedro Tinoco, em 16 de abril.

O próximo passo dos planos urbanísticos da Prefeitura é a aprovação do Plano Diretor da cidade. Estamos às vésperas de uma audiência pública que vai apresentar e discutir o projeto, nesta segunda-feira, dia 9 de agosto, às 19h. Dá para participar do debate remotamente, acessando a página planodiretor.rio.

Conversamos recentemente com o arquiteto e urbanista Washington Fajardo, secretário municipal de Planejamento Urbano. Nessa entrevista, falamos, entre outras coisas, sobre a importância de uma lei única para ordenar o crescimento da cidade.

Secretário, quais princípios têm pautado a sua gestão na Secretaria Municipal de Planejamento Urbano?

A Secretaria Municipal de Planejamento Urbano (SMPU) está dedicada a uma cidade que existe e, somente a partir dela, podemos vislumbrar, discutir e formular novas condições. No Rio de Janeiro, o planejamento urbano deve agir para mitigar riscos e aumentar oportunidades. Não pode ser descolado da realidade. Não se pode ignorar a existência da violência urbana e do risco social brutal existente em nossa cidade. Se esses aspectos não forem prioritários para as suas decisões, você está planejando mal.

Recém vinculados à SMPU, o Instituto Pereira Passos (IPP) e o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH) nos trazem uma excelente oportunidade de ordenar o solo urbano, que é coisa concreta, a partir de uma leitura analítica, mas também humana, da função da cidade. A cidade não é só uma articulação econômica ou social; é também espelho da condição humana. Assim, colocamos na materialização da cidade valores subjetivos. E são justamente esses valores dos afetos, ainda tratados com certo demérito nos ambientes intelectuais, que dão sentido à cidade.

Precisamos compreender bem os padrões de crescimento da cidade atual, que são preocupantes. As pessoas estão indo morar longe dos seus empregos e do acesso ao transporte público. Esse fenômeno, muito marcante nos últimos vinte anos, tem muito a ver com a disputa pelos solos urbanos da cidade e está relacionada à formação de preço, ou seja, o lugar ganha um valor que o torna interessante para a produção imobiliária.

No caso do Rio de Janeiro, tem sido verificado um padrão duplo: um padrão de orla, com preços astronômicos, que animam muito o mercado e uma outra ordem de valor, muito presente na Zona Oeste, que é dada pela quantidade. A conversão de bairros como Campo Grande ou até Recreio, Vargens, Freguesia ou Taquara começa a ser protagonista de um movimento de acomodação residencial para a classe média. São os lugares que oferecem oportunidades, em detrimento de áreas como a Zona Norte e o Centro expandido, como Cidade Nova, São Cristóvão e Benfica, que não têm tantos empreendimentos comparativamente. Isso tem a ver com preço. É mais lucrativo você batalhar por um “metrinho” quadrado na Zona Sul ou pegar grandes áreas na Zona Oeste.

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Um ponto importante de reflexão é que o mercado imobiliário não deve se limitar a converter terrenos em prédios. Precisamos avançar cada vez mais para uma cultura imobiliária que “recicla” e recupera prédios, promovendo um readensamento dentro de edifícios existentes. Precisamos avançar mais na geração de uma força imobiliária mais dedicada à reciclagem dos edifícios do que à produção de edifícios novos. É melhor por questões ambientais, mas também tem um valor de urbanidade.

O fato de o Rio ter sido a capital fez dela uma cidade muito desenhada, que oferece muitas qualidades. Nisso o Rio ainda é superior. A gente não encontra as mesmas qualidades urbanas numa cidade rica como São Paulo, que, por sua vez, tem mais sofisticação privada — restaurantes, hotéis, espaços culturais. 

O Rio de Janeiro pode assumir uma vanguarda nessa área, não apenas por seu acervo de patrimônio relevante, mas também por fazer um alinhamento dessa visão com uma visão de desenvolvimento urbano.

Bairros da Zona Oeste, como Campo Grande têm sido protagonistas de um movimento de acomodação residencial para a classe média -
Bairros da Zona Oeste, como Campo Grande têm sido protagonistas de um movimento de acomodação residencial para a classe média – (Thiago HD - site "Trilhando Montanhas"/Reprodução)

O Plano Diretor é uma das ferramentas que podem conduzir o mercado nessas direções?

Sem sombra de dúvida, o Plano Diretor é o que dá alavancagem para esse processo. Ele por si só não faz acontecer, é óbvio, mas ele é um grande momento dessa transformação. Precisamos então entender como temos feito o Plano Diretor. No Rio, a proposta é que ele seja composto essencialmente de 3 elementos: a lei que dá diretrizes urbanas, as leis que fazem o ordenamento do uso do solo (parcelamento, uso e ocupação do solo) e, em terceiro lugar, os Projetos de Estruturação Urbana (PEUs) – os “estruturadores de bairro”.

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O Rio só faz uma parte pequena do trabalho, que é a lei de diretrizes urbanas. Leis de ordenamento do uso do solo a gente não faz desde a década de 1970. Então o Rio não fazia o trabalho inteiro e, quando tentava, era barrado na Câmara, por exemplo.

O Plano Diretor dará ao Rio maior dinâmica urbana, mas é preciso aprovar também uma Lei de Parcelamento do Solo e, depois, uma Lei de Uso e Ocupação do Solo. Também é necessário que sempre seja renovado o Código de Obras (última renovação foi em 2018). Além disso, diversos PEUs precisam ser criados.

Ou seja, para ter a cidade funcionando, precisaríamos aprovar 15 leis, 20 leis. Dada a quantidade de PEUs, precisaríamos de umas 50 leis para ter o Rio de Janeiro andando. Isso é inviável. É um certo academicismo um pouco presente dentro da máquina pública que torna a cidade inviável. Então temos que fazer uma lei só. Assim como em outras cidades, basta uma lei só que aglutina tudo. Este é o meu esforço agora, aprovar uma lei só, um Plano Diretor que seja efetivo.

O Plano Diretor não se basta sozinho. Devemos ter também instrumentos urbanísticos, como IPTU progressivo, a outorga onerosa, concessão urbanística. Ou seja, todos aqueles instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto das Cidades, que nós teríamos que regulamentar em lei própria. Isso é um volume de lei absurdo, é irreal. Minha proposta é, portanto, uma lei única, um Plano Diretor que contenha tudo.  

Eu encontro hoje, na SMPU, servidores que sabem e entendem que a cidade estava muito travada para ter andamento. Essa cidade, que é travada para andar, fica à mercê de irregularidades.

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Como enxerga a relação entre a Câmara Municipal e a Prefeitura para que essa convergência legislativa aconteça? 

É um esforço de explicação, de didática. Temos que explicar o assunto, pois não é algo que esteja sendo discutido no dia a dia. É preciso que a sociedade entenda que temos que estar alertas, pois grandes cidades brasileiras como São Paulo e Belo Horizonte arregaçaram as mangas e fizeram esse trabalho para ter uma lei única que organize.

Quero deixar claro que não basta apenas fazer a lei e fica tudo uma maravilha. É preciso também haver investimentos e projetos. A gente precisa também discutir o adensamento de outras áreas, como a Zona Norte. Para essa região, por exemplo, é preciso que a lei ofereça parâmetros para que ela possa ter edifícios de maior densidade construída, abrigando mais gente. Se não, não funciona.

Sancionada há 3 semanas, a lei que oficializou o projeto Reviver Centro promete revitalizar a região central do Rio e levar mais gente para morar no Centro -
Sancionada há 3 semanas, a lei que oficializou o projeto Reviver Centro promete revitalizar a região central do Rio e levar mais gente para morar no Centro – (iStockPhoto/Getty Images)

Somos uma das poucas capitais brasileiras que ainda não preveem a outorga onerosa de alteração do uso do solo. Pode falar um pouco mais sobre esse instrumento e como ele pode ser benéfico para o Rio?

Uma das vantagens de estar atrasado, é que podemos aprender com a experiência das outras cidades que já adotaram esse instrumento. Não é fácil, mas quem fez tem tido benefícios. Imaginemos dois lotes hipotéticos, um do lado do outro. Para um lote você diz que ele pode construir 10 andares, enquanto para o outro você diz que ele pode construir 3 andares. Obviamente o dono do lote que pode construir 10 andares tem mais riqueza privada, assegurada por uma decisão do Estado.

Isso é um princípio constitucional, também previsto no estatuto das cidades. Fazemos uma distinção entre o valor da propriedade e sua função social. O zoneamento é um ato do estado, é ele que atribui o direito de construção. O direito à propriedade é um direito natural e inquestionável, cláusula pétrea. Porém, o direito de construir é um direito outorgado, é o Estado que o concede. Logo, a ação do Estado pode criar desigualdades, quando, por exemplo, diz que um cidadão pode construir em seu lote mais andares que outro cidadão, que tem um lote ao lado.

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Precisamos, portanto, criar mecanismos que possam equalizar essa diferença, de modo que  possamos produzir uma homogeneidade de qualidades urbanas — só que a partir de investimentos. O Plano Diretor é fundamental nesse sentido, pois ele cria um mecanismo de financiamento da urbanização. Isso não é fácil. O mercado imobiliário fica sempre muito preocupado. Nós já temos outorga onerosa funcionando em certas partes da cidade, como na região das Vargens e no porto. No Brasil, já são 16 capitais e diversas cidades médias que já adotaram esse mecanismo.

E como funciona exatamente a outorga onerosa?

Há um coeficiente básico “um”. Todos têm o mesmo direito, inerente ao direito natural de propriedade, de construir em sua área apenas uma vez. Acima disso, você precisa adquirir esse direito junto à municipalidade. O valor pago à Prefeitura para essas construções acima do coeficiente básico possibilita que a municipalidade possa fazer investimentos.

São Paulo, por exemplo, usa esses recursos para investir em infraestrutura urbana na periferia, em habitação de interesse social e na melhoria do espaço público, como reparos em calçadas, por exemplo.

No Rio de Janeiro nós já cobramos da produção imobiliária, especialmente em áreas mais novas, como a Barra e outros locais da Baixada de Jacarepaguá; o mercado tem que doar terrenos, equipamentos, etc. Existe já um certo grau de cobrança.

A proposta da outorga onerosa é você eliminar todas essas coisas a fim de ter um sistema mais racional de contribuição. A questão é: de que maneira ofertamos nossos índices de adensamento?  Na Zona Sul, os índices de adensamento são um pouquinho menores do que os da Zona Norte. Se na Zona Sul esse índice é 3,5, na Zona Norte é 4. Entretanto, o valor dos terrenos na  Zona Sul anima mais o mercado imobiliário a produzir. Esses índices de adensamento em Campo Grande, por exemplo, devem estar em torno de 3 a 4, mas o solo barato anima também o mercado.

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O desafio na Zona Norte está na sua estrutura fundiária. Os lotes são de menor proporção. Para construir um prédio, você precisa comprar vários lotes e remembrar. Você precisa lidar com diferentes proprietários ao mesmo tempo. Isso explica por que o mercado não se interessa em fazer produção imobiliária em bairros que estão a 20 minutos do Centro, como a Penha e Irajá.

Os ramais ferroviários (Central e Leopoldina) e metroviários (Linha 2) dos subúrbios da Zona Norte deveriam ser eixos para estruturar o avanço do mercado imobiliário.

Qual espera que seja o legado da sua gestão na SMPU?

A cidade foi muito maltratada nos 4 anos da gestão passada. Espero que, ao término desta administração, possamos ter uma vida com encontro social, presencial de fato; que possamos ter uma ideia de qualidade de vida e de convivência mais harmônica na cidade. Que possamos ter mais consenso sobre a prioridade de redução de desigualdades na cidade. Que possamos olhar para a região central e ver um retorno da vida residencial, famílias morando, crianças utilizando os espaços públicos. Isso é a essência do planejamento, a gente precisa organizar melhor a cidade para as gerações futuras.

*Daniel Sampaio é advogado, memorialista e ativista do patrimônio. Fundou o Instagram @RioAntigo e é presidente do Instituto Rio Antigo.

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