Exposição na Casa Roberto Marinho é uma ode ao Rio antecipando os 460 anos
Fotografias e pinturas em diálogo narram as complexidades e a diversidade cultural da capital fluminense nos últimos 120 anos
A Casa Roberto Marinho, por onde correm as águas do Rio Carioca, traz exposição inédita Rio: desejo de uma cidade | 1904-2024, que foi inaugurada no dia 11 de maio e tem seu encerramento previsto para 21 de julho. Sob a curadoria de Lauro Cavalcanti, Marcia Mello e Victor Burton, com consultoria do executivo Jorge Nóbrega (ex-presidente do Grupo Globo), do colecionador Luiz Chrysostomo e do arquiteto Pedro Mendes da Rocha, a mostra é uma ode à capital do Rio de Janeiro e antecipa as celebrações de seus 460 anos de fundação.
Partindo da data de nascimento do jornalista e empresário Roberto Marinho (1904-2003), que faria 120 anos em 2024, a coletiva exibe 139 peças e outras 46 obras ampliadas e plotadas nas paredes do instituto. São fotografias e pinturas de 75 artistas brasileiros e estrangeiros que abordaram o Rio em seus trabalhos.
Há também desenhos, esculturas, vídeos, maquetes, peças de design, cartazes e publicações apresentados em oito núcleos expositivos que expressam a complexidade e a diversidade cultural da Cidade Maravilhosa. “Corpo”, “Morar”, “Festejar”, “Concentrar”, “Aeroporto”, “Projetar”, “Construir” e “Lembrar” são os eixos temáticos propostos pela curadoria, que nos ajudam a percorrer essa trajetória tão rica em manifestações e memórias.
Para Lauro Cavalcanti, diretor do instituto no Cosme Velho, “o Rio é também constituído por ‘cariocas’ das mais diversas origens que, compartilhando o desejo de uma cidade, vêm formando a cultura desta complexa metrópole estabelecida num dos lugares mais belos do planeta. Criamos salas para a arquitetura, o design, as tradições e a literatura aqui produzidos, considerando que o Rio é uma cidade-personagem em que natureza e cultura são indissociáveis. A música igualmente tem relevância em vários momentos da mostra”.
“A exposição pontua muitos aspectos de um lugar em permanente transformação. É um passeio no tempo, valorizando passagens que nos pareceram relevantes para entender os dias de hoje”, comenta Marcia Mello, que tem a fotografia como área de conhecimento. “Evitamos os ‘cartões postais’ e trouxemos trabalhos que exaltam, ao mesmo tempo em que tensionam, a beleza carioca”.
Já no hall de entrada, o visitante ouve os versos da canção Outono no Rio, de Ed Motta: “Há um lugar para ser feliz, além de abril em Paris, outono, outono no Rio”. Na primeira sala está a pintura Jardim de pedras (1993), de Cristina Canale, diante da fotografia Perfil do Rio visto do Parque da Cidade (2006), de Renan Cepeda, acompanhada de uma citação de Quintana:
“Os túneis são meus lugares favoritos no Rio. Neles posso descansar de tanta beleza.” (Mário Quintana)
Obedecendo ao arco temporal proposto, a história desse território é narrada por meio de imagens e personagens. Como o padroeiro São Sebastião, que aparece na segunda sala, na pintura de Glauco Rodrigues, de 1983, exibida em diálogo com a escultura em ferro Ofá de Oxóssi (2024), do artista pernambucano Diogum. “É um aceno para o sincretismo constitutivo das práticas religiosas brasileiras”, pontua Lauro.
Toda entremeada por textos informativos, a mostra – que reúne obras das Coleções Roberto Marinho, do Museu de Arte do Rio, do Museu Nacional de Belas Artes, Instituto Moreira Salles, Projeto Hélio Oiticica, Fundação Casa de Rui Barbosa, Cinemateca Brasileira e de colecionadores particulares – revela curiosidades históricas ao público. Em 1512, chegaram aqui os primeiros portugueses que, acreditando ser a Baía de Guanabara o estuário de um curso de água doce, chamaram-na de “Ria”, designação geográfica para tais lugares. Desse modo, o primeiro nome do local foi uma conjugação do verbo rir.
Na área expositiva, fotografias de Alair Gomes, Anna Kahn, Cristiano Mascaro, Custódio Coimbra, José Medeiros, Leonardo Aversa, Marc Ferrez, Pierre Verger, Renan Cepeda e Vincent Rosenblatt, entre outros, são apresentadas em diálogo com trabalhos de artistas de diferentes gerações e vertentes, como Allan Weber, Carlito Carvalhosa, Carlos Vergara, Di Cavalcanti, Djanira, Ismael Nery, Jarbas Lopes, J. Carlos, Luiz Alphonsus, Rivane Neuenschwander e Tarsila do Amaral.
Explorando relações plásticas não hierarquizadas, o óleo sobre tela Panorama (1962-1964), de Antonio Bandeira, é ladeado por duas fotografias contemporâneas de Monara Barreto e Ratão Diniz, jovens ligados à Escola de Fotógrafos Populares (EFP) criada há cerca de 20 anos no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio.
De acordo com Marcia, há trabalhos na exposição que fazem referência a uma produção histórica, com apropriações de fotografias consagradas: “Joelington Rios e Luiz Baltar incorporam imagens icônicas de Marc Ferrez e Augusto Malta, respectivamente, do início do século 20, e as reinterpretam atualizando conceitos e temas sensíveis”, revela a curadora.
A exposição contempla, ainda, uma sala exclusivamente dedicada à produção do compositor e pintor carioca Heitor dos Prazeres (1898-1966), que retratou como poucos o cotidiano do Rio, com cinco telas que pertencem ao acervo da Casa.
Sobre as peças de design gráfico em exibição, Victor Burton comenta: “Privilegiamos ícones indiscutíveis que caracterizaram expressões de grande qualidade na história visual e cultural da cidade, como o trabalho do designer Aloísio Magalhães e a criação da Esdi, primeira escola de desenho industrial do Brasil. Selecionamos também algumas das melhores capas de discos brasileiros realizados pela gravadora Elenco, entre os anos 1950 e 1960, além de exemplares da Revista Rio, editada e dirigida por Roberto Marinho nos idos da década de 1950, que estampava suas capas com grandes artistas, como Di Cavalcanti e Roberto Burle Marx”.
A literatura também está presente. Seja através do quadro pintado por Clarice Lispector ou dos poemas que acompanham algumas obras. Entre eles, Copacabana, de Vinicius de Moraes; Os inocentes do Leblon, de Carlos Drummond de Andrade; Noite carioca, de Ana Cristina Cesar; e Botafogo, de Murilo Mendes. A crônica “De Cascadura ao Garnier”, escrita em 1922 por Lima Barreto, e o texto “A alma encantadora das ruas” (1908), de João do Rio, nos ajudam a compreender o espírito da cidade.
Entre outras curiosidades que o visitante encontra estão partituras de Heitor Villa-Lobos, croquis de Oscar Niemeyer, um autorretrato de Noel Rosa, de 1937, e fotografias de expoentes como Cartola, Chiquinha Gonzaga e Grande Otelo. Trabalhos do carioca Allan Weber, que resultam da pesquisa do artista sobre as lonas usadas nos bailes funks do Rio, expressam a força estética da cultura produzida na periferia. A seleção inclui, ainda, duas obras dos contemporâneos Marcos Chaves e Victor Arruda, criadas especialmente para a ocasião.
No núcleo “Corpo”, a curadoria reservou uma surpresa entre as pinturas e fotografias: uma tv exibirá imagens do finado Canal 100, o cinejornal fundado em 1957 pelo produtor Carlos Niemeyer. Quem frequentou as salas de cinema cariocas entre as décadas de 1950 e 1980 sabe que, antes dos filmes, passava um cinejornal com visão documental, que apresentava imagens em câmera lenta dos principais jogos da rodada.
Como atividade paralela, uma mostra temática sobre o Rio está em cartaz tanto no cinema da Casa Roberto Marinho quanto na plataforma Globoplay, aberta gratuitamente a não assinantes. Em clássicos como Memórias do cárcere e Rio 40º graus, de Nelson Pereira dos Santos; Central do Brasil, de Walter Salles; Quando o carnaval chegar, de Cacá Diegues; e O mistério do samba, de Lula Buarque de Hollanda e Carolina Jabor, são apresentadas diferentes perspectivas sobre a cidade.
Completa a exposição multimídia uma cronologia ilustrada por charges e publicações de jornais, que ocupa a última sala.
Serviço:
Rio: desejo de uma cidade | 1904-2024
Instituto Casa Roberto Marinho Rua Cosme Velho, nº 1105 – Rio de Janeiro | RJ. Tel: (21) 3298-9449. Visitação: terça a domingo, das 12h às 18h (Aos sábados, domingos e feriados, a Casa Roberto Marinho abre a área verde e a cafeteria a partir das 9h). Ingressos à venda exclusivamente na bilheteria: R$ 10 (inteira) / R$ 5 (meia entrada). Às quartas-feiras, a entrada é franca para todos os públicos. Aos domingos, “ingresso família” a R$ 10 para grupos de quatro pessoas.
A Casa Roberto Marinho respeita todas as gratuidades previstas por lei e é acessível a pessoas com deficiência física. Estacionamento gratuito para visitantes, em frente ao local, com capacidade para 30 carros.
Encerramento: 21 de julho de 2024.