O triste fim do Palácio Monroe
Conheça a história da bela e imponente construção que já abrigou o Senado Federal e entenda alguns dos motivos de sua criminosa demolição há 45 anos
Muita gente que circula apressadamente entre o Passeio Público e a Cinelândia não se dá conta de que havia por lá um suntuoso palácio. Mas não era qualquer palácio. Era o Monroe. Há pouco mais de 45 anos, em 5 de janeiro de 1976, começou a sua polêmica, injusta e melancólica demolição.
O projeto do Coronel Francisco Marcelino de Sousa Aguiar — arquiteto e engenheiro militar que sucederia Pereira Passos como prefeito do “Districto Federal” — foi inicialmente pensado para ser o pavilhão brasileiro na Feira Mundial de St. Louis, nos EUA, em 1904. O pavilhão da jovem República dos “Estados Unidos do Brazil”, em estilo eclético, ganhou a medalha de ouro de melhor arquitetura da exposição, derrotando outros 50 pavilhões.
Reza a lenda que o pavilhão teria sido desmontado, transportado de navio e remontado no Centro do Rio de Janeiro. Essa história é mais um dos muitos mitos inventados sobre o Monroe. Esse era o plano inicial, mas nunca aconteceu. Devido a enormes atrasos do governo brasileiro, foi montada em St. Louis uma estrutura que — apesar de baseada no projeto original — não era maciça; era quase cenográfica, feita de madeira e cal. Apenas a cúpula metálica foi de fato trazida para a capital federal.
Sua primeira finalidade foi sediar a 3a Conferência Pan-americana, em 1906, como pavilhão de eventos. O Palácio Monroe foi assim batizado pelo Barão do Rio Branco, em homenagem ao presidente americano James Monroe, idealizador do pan-americanismo e da “Doutrina Monroe”.
Entre 1914 e 1922, o Monroe foi sede provisória da Câmara dos Deputados, enquanto não terminava a construção do Palácio Tiradentes. Em 1925, tornou-se Senado Federal e, alguns anos após a transferência da capital para Brasília, em 1960, tornou-se sede do Estado Maior das Forças Armadas.
Na década de 1970, o palácio estava decadente, mal cuidado e sua fachada havia sido profundamente alterada. Pouco restava do esplendor de outrora. Em 1972, o arquiteto Paulo Santos, conselheiro do IPHAN, havia proposto o tombamento de vários imóveis históricos do entorno da Cinelândia, incluindo o Monroe. O modernista Lúcio Costa emitiu parecer no IPHAN contrário ao tombamento do palácio, considerado por ele como “falsa arquitetura”, uma mera cópia amalgamada de diversos estilos europeus.
A população, apaixonada pelo Monroe, protestou como pôde, naqueles tempos. Destacou-se uma campanha liderada pelo Jornal do Brasil, pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e pelo Clube de Engenharia, obtendo 162 assinaturas de figuras notáveis e dando início a uma ação popular que não deu em nada. Enquanto isso, o jornal O Globo fazia uma campanha pró-demolição — com o apoio do arquiteto Lúcio Costa—, que chegou a chamar o Monroe em seus editoriais de “monstrengo da Cinelândia”.
Um famoso boato dava conta de que uma rixa entre o então presidente, general Ernesto Geisel, e o filho de Sousa Aguiar, ambos da mesma turma na Academia Militar, teria supostamente facilitado a “canetada” federal que decretou o fim do Monroe. Tudo se falou do Monroe, inclusive que — sei lá por que razão — o palácio atrapalhava o trânsito e até mesmo que ele prejudicava a visão do Monumento aos Pracinhas.
Dizia-se, na época, que o palácio teria que ser removido para dar passagem ao metrô, mas isso não passou de uma desculpa. O metrô fez questão de desviar do palácio, realizando uma curva caríssima, que incluiu o custeio de especialistas italianos para remover temporariamente as escadarias do palácio. Há quem diga que a intenção do Metrô era desviar do lote e não do palácio, mas o que importa é que o Monroe veio abaixo mesmo assim.
Iniciada a demolição, em janeiro de 1976, em pouco meses o antes majestoso e elegante Monroe seria reduzido a escombros. Os materiais da sua demolição, desde o entulho até o mármore, foram comercializados pela própria empresa que obteve a licença de demolição. O paradeiro dos quatro leões de mármore italiano que adornavam as escadas do Monroe é conhecido: dois foram parar no Instituto Brennand, em Recife, e dois na Fazenda São Geraldo, em Uberaba, comprados durante a demolição pelo pecuarista Luiz Carlos Franco.
Se você quiser se aprofundar na história do Palácio Monroe — esse ícone arquitetônico, político, cultural e afetivo do Rio e do Brasil —, recomendo o documentário Crônica da Demolição do cineasta Eduardo Ades, ainda disponível em algumas plataformas de streaming.
Esse belíssimo filme aproveita a história do Palácio Monroe como fio condutor para contar a história da nossa cidade e de suas transformações ao longo do século XX. O documentário discute os diferentes interesses por trás dessa e de outras demolições da cidade: eugenia predial, especulação imobiliária, autoritarismo, jogos de poder e descaso com o nosso patrimônio.
Hoje, a maioria dos que passam pela Praça Mahatma Gandhi, sítio histórico do Palácio Monroe, nem sequer suspeitam de seu passado glorioso. Nela, um chafariz imperial, belíssimo, porém sempre seco e sujo, usado pela população de rua para as necessidades básicas. Debaixo da praça, um estacionamento subterrâneo que, antes da pandemia, vivia sempre lotado — uma lucrativa e conveniente concessão ao empresariado, onde antes se decidia o futuro coletivo da nação.
Na saudosa memória dos cariocas que tiveram o privilégio de ver o Monroe frente a frente, uma cicatriz. E na construção da identidade de muitos de nós que somente puderam testemunhar a majestosa silhueta do palácio por meio de fotos e vídeos, um vazio.
O Palácio Monroe, na verdade, ainda existe, porém como ausência — só que daquelas bem incômodas. Em seu lugar, uma praça negligenciada pelo Poder Público e ignorada pela população; e a infeliz lembrança de que somos um país que não dá valor à sua história.
*Daniel Sampaio é carioca do Grajaú. Advogado, memorialista e ativista do patrimônio. Fundador do perfil @RioAntigo no Instagram.