Abóboras e carruagens na gangorra do futebol
Extremismo e precipitação das redes acentua queda do torcedor para a alteridade, refletida na relação com os clubes cariocas e com a seleção brasileira
Torcedor é gangorra. Ora o time não presta, o técnico tudo sabota, a grama do vizinho brilha irremediavelmente mais verde. Duas ou três vitórias e a abóbora renasce carruagem, ressuscitada igual Odete.
As redes acentuam essa inconstância. Disseminam suas feições imediatistas, rasas, extremadas. Exilam o equilíbrio.
O fenômeno incide predominantemente sobre os clubes. Mas resvala na seleção desbotada de identidade, beleza, idolatria.
Nem o poderoso Flamengo escapa ao cerco bipolar. Qualquer oscilação transforma em vidraça o semifinalista da Liberta.
“Falta intensidade”, crítica o rubro-negro no boteco. “O Palmeiras é mais eficiente”, compara o colega de copo, igualmente insaciável, dias antes da vitória sobre o rival. O sarrafo nunca esteve tão alto.
O outro extremo não fica atrás. Bastou Samuel Lino largar bem para quase o aproximarem de uma encarnação do Garrincha e confundirem a impetuosa equipe de Filipe Luís com o Santos do Pelé.
Agora é a vez de Pedro, alegria da arquibancada domingo passado, reaver status de craque. “Centroavante da Copa”, crava o torcedor radiante com o 3 a 2 que embola o campeonato.
Os demais cariocas também caminham entre exageros, precipitações, alteridades. Desenganado não faz muito tempo, o Vasco nada em confetes: time da moda, dizem por aí. “O trem-bala voltou, ninguém segura. Melhor do Brasil”, empolga-se o devoto na saída do Maraca, alma lavada pelos 2 a 0 sobre o Tricolor.
Botafogo e Fluminense lembram um eletrocardiograma. Irregulares, ondulam entre marés fatalistas e otimistas.
A Canarinho entra na dança. Aderna ao sabor de saudosismos e ufanismos assimétricos.
A goleada de cinco nos coreanos acordou o entusiasmo. Sob os condões do treinador italiano, retornávamos ao imaginário dourado pelo jeito dionisíaco de jogar bola e pelos cinco títulos mundiais.
“O Brasil reencontra o Brasil”, empolga-se o comentarista na TV. “Ancelotti acertou a defesa e o ataque”, acrescenta o companheiro de mesa-redonda. Memes decretam o fim da era Neymar. (Se roubam joias do Louvre à luz do dia, o museu a pleno vapor, por que não intuir o hexa no próximo ano?)
Três dias e três gols japoneses depois, o Brasil se afasta novamente do Brasil. A carruagem renascida empaca.
“Vamos passar vergonha em 2026”, profetizam os apocalípticos. “Pior seleção de todos os tempos”, sentenciam os nostálgicos. “Neymar ainda faz falta. Mesmo fora de forma, é olho em terra de cego”, polemizam fãs esperançosos.
O oito ou oitenta alastra-se com ferocidade radioativa. Contamina prosas esportivas, políticas, econômicas. Inflama até conversas sobre a primavera amena ou a disparada do café. Qualquer dia o extremismo compulsivo vai parar no mate da praia.
Talvez não passe de um surto contemporâneo acentuado pelas paixões do futebol. Talvez, com sorte, logo resgatemos a ponderação e a leveza dos escombros. Elas precisam, nos termos atuais, ganhar minutagem.
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Varal de memórias
Arqueologias afetivas eternizam a infância. Por isso guardiões da memória dos gramados as cultivam religiosamente. Seus olhos reluzem iguais aos de uma criança no recreio em encontros como a feira Geral, sábado agora (25), das 10h às 22h, no Barra Garden.
Organizada pelo colecionador Luís Quedinho, reúne exposições de camisas, flâmulas, troféus, troca de figurinhas e, claro, muita resenha. “Os destaques são os objetos colecionáveis, mas papos bacanas rolam o dia todo. É uma grande confraternização”, convida Quedinho.
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Inclusão na passarela
A quadra de tênis do Copacabana Palace estende, na noite desta quinta (23), o tapete vermelho a meninas de 11 e 12 anos acolhidas pelo Instituto Futuro Bom. Elas trocam as raquetes ali empunhadas em aulas gratuitas pelo balanço da passarela. Desfilam novo uniforme e, sobretudo, autoestima. Formam a segunda turma das Princesinhas do Copa, iniciativa que agrega esporte, moda, educação, inclusão.
Fundado em 2016 pelo professor de tênis Marcus Fonseca, o Futuro Bom dedica-se à democratização esportiva. Facilita o acesso de crianças e adolescentes pobres à modalidade, como um caminho à transformação de vidas. Três mil jovens – de comunidades como Rocinha, Vidigal, Cruzada – são atendidos no instituto, premiado pela Associação de Tenistas Profissionais (ATP) e pela Rede Hoteleira do Rio.
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Tamanho não define talento
A seleção brasileira de nanismo se apresenta, nesta sexta-feira, no colégio estadual Menezes Vieira, em Niterói. A exibição precede o Jogo pela Inclusão – Tamanho não define talento, que celebra o Dia Nacional do Nanismo (25/10).
A programação inclui conversas entre estudantes, atletas e ativistas ligados à defesa dos direitos humanos, como a também passista Viviane Assis. Organizadas pela Subsecretaria de Políticas Inclusivas, vinculada à Casa Civil, em parceria com a Secretaria de Educação, as atividades começam às 10h30.
“Iniciativas como o Jogo pela Inclusão mostram que diversidade e respeito caminham juntos. A convivência esportiva e o exemplo dos atletas inspiram esse aprendizado”, ressalta a subsecretária de Políticas Inclusivas, Bia Pacheco.
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.