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Esquinas do Esporte

Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
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Aos 70, Zico consolida um legado muito além da bola

Acolhimento aos fãs, misto de responsabilidade profissional, orgulho e satisfação, expressa a maestria do ídolo também em desatar grades simbólicas

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Atualizado em 7 mar 2023, 07h40 - Publicado em 5 mar 2023, 13h15
Zico
Zico ( Divulgação/)
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O Centro hibernava até a dúzia de moradores acordar o silêncio num plantão quixotesco. Seria uma noite de domingo qualquer, não fosse a proximidade casual de dois brilhos do clube querido: um nascente, o outro consagrado.

A participação da dupla na mesa-redonda da emissora vizinha acendeu-lhes a esperança de vê-la em carne e osso. Correram para o portão da tevê, à cata de um aceno, com sorte um autógrafo. Não era o agito cego dos trens, ônibus, calçadas. Era o agito ingênuo e febril dos devotos que vislumbram o santo.

Passava das onze quando o grupo dominado por adolescentes avistou, da grade, os dois rubro-negros ganharem o estacionamento. Caminhavam ao lado dos jornalistas com os quais haviam proseado no programa. Prorrogavam o papo sobre a rodada do Carioca e amenidades futebolísticas. Resenha de câmera desligada, a melhor.

Mal chegaram ao pátio, o pessoal lá na rua os chamava como a criança chama o vendedor de picolé. As reações sucederam opostas.

Acostumado ao assédio, o astro não se sensibilizou com os gatos pingados de roupas e vidas desbotadas. Esboçou incômodo semelhante ao do motorista obrigado a encarar a realidade da molecada no sinal.

Despediu-se ligeiro, e arrancou o carrão sem dar bola aos garotos já habituados com o desprezo. Talvez por isso não tenham esmorecido. Seguiram animados a mendigar, diria Cazuza, porções de ilusão.

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Estavam prestes a serem enxotados. O jovem jogador conteve o segurança com um sinal discreto e um pedido sussurrado: “Deixa, deixa”. Então direcionou-se sereno até os fãs. Evaporou a grade. Em vez de incômodo, a tietagem lhe despertava orgulho.

Mesmo cansado, adiou a volta para casa. Atendeu um por um com paciência. Autografou papéis, camisas, conversou fiado por alguns minutos, talvez os melhores minutos daqueles cariocas invisíveis.

Em nenhum momento vestiu a pompa do rei que concede aos súditos o breve direito de beijarem-lhe a mão. Envergava simplicidade.

Ali, numa rua escura do Centro, onde a poeira e os vira-latas vagueavam noite adentro, abriu-se uma fenda na partitura contemporânea. Nenhuma pose instagramável, nenhuma pressa, nenhuma indiferença. Ao resgatar os tais garotos da invisibilidade, o talento rubro-negro restituía também o olho no olho tão abandonado no império das telas.

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O episódio transcorreu exatamente assim, à exceção dos personagens invertidos. A promessa do Flamengo saiu batido, enquanto o medalhão cumpriu seu destino. Acolheu os fãs não por pressão de holofotes, contratos, protocolos, e sim por empatia e consciência profissional. Compreende a natureza que distingue o craque do ídolo.

O jovem não vingou. O medalhão chama-se Zico.

A admiração irrestrita amealhada pelo Galinho, inclusive dos adversários e torcedores de todos os times, deve-se à rara triangulação entre a maestria esportiva, matriz dos gols e dribles arrebatadores, belezas que aliviam o peso do mundo; a vitalidade ética; e a capacidade mágica de jamais descalçar a humildade, de preservar o gosto por acolher a galera sem confundi-lo com concessão ou favor.

Esse gosto equilibra responsabilidade e satisfação. Embala histórias colecionadas ao longo de sete décadas, em Quintino, na Gávea, no Japão, no Maraca.

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Mimese da humanidade, o futebol reproduz horrores como as agressões subsequentes ao 1 a 1 entre Sergipe e Botafogo na milionária Copa do Brasil. Mas também nos lega luzes como Zico, capaz de desatar grades simbólicas.

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Tabelinha perfeita

O espírito agregador transborda nas peladas com os amigos. Emanam a leveza irreverente do fundo de quintal. Zico e outros bambas relembram jogadas, casos, personagens sem os quais o futebol não seria o que é.

O humor incondicional do jornalista, empreendedor e boleiro Sérgio Pugliese escolta esses divertidos bastidores em reportagem do Museu da Pelada. Uma tabelinha perfeita.

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Alexandre Carauta é professor da PUC-Rio, doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.

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