Contraste inflama o futebol carioca na reta final da temporada
Enquanto o coração alvinegro conta os segundos para explodir, o peito tricolor se aperta entre a decepção, a agonia, a fé: todos já apelam a Noel
O contraste não rivaliza com a disparada do dólar, a troca na Casa Branca, as guerras renitentes. Nem por isso deixa de inflamar as prosas, as redes, as apostas.
Extremos ora colidem num estrondo de provocações, ora caminham em dimensões paralelas. Céu e inferno lado a lado.
O alvinegro cavalga nas nuvens com o sorriso das manhãs sem despertador. O tricolor aderna entre a decepção, a agonia, a fé. Um e outro já apelam a Noel.
A surpresa os une. Se em janeiro uma cartomante cravasse favoritismo do Botafogo aos títulos nacional e sul-americano, seria acusada de picaretagem. Se previsse a transformação da carruagem dinizista em abóbora, passaria por louca. A ficção não faria melhor.
O sucesso botafoguense descarta o aleatório, argumentam os cartesianos. Reflete o meio bilhão investido no elenco.
Vela acesa, o torcedor do Flu retruca: se pensarmos bem, o declínio tricolor também estava cantado. Desatinos políticos, administrativos e esportivos o rascunharam. Mas sequer os pessimistas convictos prenunciariam tempestade tão perfeita.
A luta contra o rebaixamento corteja o inacreditável. Compreendê-la desperta dificuldade equivalente à dos democratas em assimilar a extensão trumpista.
A conturbada saída de Marcelo acirra incertezas, aprofunda o poço. Dele escapá-lo é o milagre natalino encomendado a João de Deus.
O verde do pavilhão evoca sobrevivência, alívio, piedade. Almas angustiadas mal conseguem comer um pastel na esquina. Rogam aos anjos um analgésico para o pesadelo prolongado, uma anistia à tortura em conta-gotas, rodada a rodada.
A escaldada esperança em preto e branco reluz ambições superiores. Revoga humildade excessiva, medo, descrença. Uma esperança estelar.
“Vamos faturar a Libertadores e o Brasileiro”, proclama a galera de barriga cheia. O paraíso não é mais uma miragem.
“Queria que o tempo parasse”, suspira contente o alvinegro. Troca sofrência por confiança, sem dispensar uma boa mandinga ou o tango de prontidão na vitrola. Tira onda na praia, na praça, no trabalho. Rivais catam, em vão, migalhas para condená-lo ao exagero.
Hoje o harmônico e insinuante Botafogo sobra na turma. A confluência técnica, tática, psicológica desemboca numa maturidade ofensiva e defensiva inerente aos campeões.
A soberania intui o iminente trono interno, inclina-se à coroação continental. Só uma travessura cósmica, uma perversa travessura cósmica, pode desviar o curso.
Em meio à euforia latente, os cautelosos lembram: deuses da bola adoram sabotar a lógica. Não agora, rebate a arquibancada.
A contagem regressiva derrete o ceticismo de estimação. Aniquila tudo o que não é fervor.
A ansiedade cobre cada centímetro de mundo. É uma larva próxima da erupção. Luminosa, irracional, incontrolável. Nela o peito requebra, e anuncia: explode coração!
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Alma alvinegra
Falando ainda no Glorioso, o jornalista, documentarista e professor Luís Nachbin expande sua habilidade audiovisual à paixão que cultiva desde menino, paixão hereditária, regiamente transmitida para o filho de 12 anos. Botafogo na Alma cumpre a promessa de batismo. Envernizados de irreverência, os comentários, casos e personagens reunidos no canal recém-lançado conduzem uma carpintaria do espírito alvinegro. Saboroso esquenta para a final da Liberta.
“Criei o canal para desafogar o meu espírito botafoguense eufórico e cheio de conteúdo, nessa fase única do Botafogo. Quero também dialogar com o psiquê botafoguense, que é denso, profundo, complexo”, anima-se o craque.
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.