Euro: sinais de vida numa aquarela que transcende a bola
Reencontros com a emoção e a mitologia do futebol saboreiam aperitivo de uma virada histórica e embalam o sonho de dias ensolarados nesse lado do Atlântico
O fervor bate na tela. Enquanto o Brasileiro engrena e a seleção cumpre o roteiro continental, o lado de lá do Atlântico aquece os olhos. Emite sinais auspiciosos.
Arbitragens discretas, gramados impecáveis e o ímpeto em jogar bola cortejam o apuro técnico reinante. Pouco mimimi, muito futebol, como tem de ser. As pelejas fluem envernizadas de fibra, de passes certeiros, lances bonitos, emoção. As chances se alternam, os gols florescem, a zebra passeia, a galera se esbalda.
Quem não gostaria de estar ali, respirando redenção? Ali em Roma, em Londres, Glasgow, Bucareste, em qualquer das 11 sedes da Euro. Os ventos de um amanhã ensolarado têm soprado alguns dos melhores jogos dos últimos anos: 3 a 3 entre França e Suíça, com o adeus dos campeões mundiais nos pênaltis; 5 a 3 dos espanhóis sobre os croatas; a eletrizante prorrogação entre Itália e Áustria.
Há muito os italianos aguardavam um escrete desses, animador. O confronto contra os talentosos belgas insinua-se mais um jogaço.
Há muito o mundo aguarda um respiro desses. Nada importa tanto na Euro quanto a vitória sobre o vírus. Paliativa. Ainda assim, uma vitória. Construída nos esforços conjuntos pelo controle da pandemia.
Os rostos pintados, as caras cheias de sorrisos, apreensões, esperanças, de indisfarçáveis doses de cerveja, festejam mais do que disputas empolgantes e belas jogadas. Sob um emblemático sol de verão, reverenciam mais do que o reencontro com a atmosfera mítica do futebol. Saboreiam, acima de tudo, o aperitivo de uma virada histórica.
Emana das arquibancadas coloridas o melhor dos sinais de vida emitidos pelo torneio. Uma invejável aquarela de superações. Tomara que não tarde a atravessar o Atlântico.
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Luzes à diversidade
Reflexo da nossa sociedade – suas contradições, imperfeições, ambiguidades –, o futebol e a Euro também propagaram mensagens nada acalentadoras. A reverência à supremacia branca feita pelo atacante austríaco Marko Arnautovic, ao comemorar o gol na vitória sobre a Macedônia do Norte (3 a 1), não se exaure na repreensão imediata de colegas, tampouco na suspensão aplicada pelo Comitê Disciplinar da Uefa, ou mesmo no pedido de desculpas.
Sejam no campo, sejam na arquibancada, manifestações racistas e discriminatórias exigem de todos reflexões profundas, incansáveis. Implicam constantes aperfeiçoamentos de mecanismos socioculturais, econômicos, legislativos, jurídicos alinhados à responsabilidade de coibi-los. O dever une autoridades esportivas, atletas, profissionais da área, torcedores.
Caminho distinto tomou a Uefa na semana passada, ao vetar a iluminação externa da Allianz Arena, estádio do Bayern, nas cores do arco-íris durante o duelo entre Alemanha e Hungria. Liderado pelo prefeito de Munique, Dieter Reiter, o apoio cromático à causa LGBT+ representaria um protesto à recente lei húngara que proíbe as escolas do país de abordarem conteúdos considerados “promocionais à homossexualidade e à mudança de gênero”.
A Uefa atribuiu o veto ao compromisso estatutário com a isenção política. Confundiu o legítimo direito à neutralidade com uma licença para desautorizar a defesa dos direitos humanos. As redes sociais logo apontaram a confusão.
A indústria do futebol não constitui uma bolha imune a preconceitos, violências, pandemias, embora alguns assim a imaginem. Deveria dirigir uma substantiva parcela do vasto capital econômico, midiático e simbólico para potencializar os empenhos em favor da diversidade, da igualdade, da justiça social.
O desafio envolve o combate a uma complacência naturalizada nos escaninhos do futebol profissional. Disso depende a sistematização de limites como o sinalizado na dispensa do zagueiro corinthiano Danilo Avelar. Ofensas racistas disparadas numa partida de videogame custaram-lhe a demissão exemplar.
Do lado de lá e de cá do Atlântico, precisamos aumentar cada vez mais o sarrafo contra o racismo, o sexismo, a homofobia, a discriminação de toda espécie. Eis uma virada ainda mais desafiadora.
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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física.