Levantando a bola para a elegância
Em meio à infestação de reclamações compulsivas e grosserias no futebol, vôlei feminino reguarda valores como empatia, respeito e cordialidade
							Elegância. Nenhuma virtude foi tão exaltada quanto a elegância no adeus ao estilista Giorgio Armani. O astro da alta costura a desfilava nas criações, nos negócios, na vida. Oportuna inspiração para espanar a epidemia de asperezas.
Nelas se inclui a escalada de reclamações compulsórias e grosserias que contaminam o nosso futebol. Infestam o gramado, a beira do campo, a entrevista coletiva.
Atletas e treinadores as cometem com a naturalidade e a frequência de quem bebe um copo d’água. Parecem confundi-las com folclore. Talvez por isso as repitam sem pudor, como galos numa rinha constante. Exageram.
Da barbeiragem do juiz à pergunta do repórter, tudo vira tetra. Qualquer dia sobra até pro par ou ímpar.
Sob aplauso do algoritmo, marmanjos temperamentais degradam o espetáculo, a civilidade, o simbolismo esportivo. Renegam o compromisso profissional com a cordialidade, com o fair-play.
Sabotam atributos historicamente conferidos ao esporte, importantes tanto à formação social quanto à captação de patrocinadores. Nenhum investidor topa associar sua imagem à falta de compostura, mesmo num universo povoado de tensões e excitações.
Seria aconselhável, aos reclamões compulsivos, seguirem uma velha receita das peladas: falar menos, jogar mais. Precisamos, como nunca, falar menos e jogar mais.
Não custa tomar algumas aulas de etiqueta com as turmas da ginástica rítmica e do vôlei feminino. Fora a prata e o bronze, respectivamente, os recentes Mundiais reluziram elegância.
Elegância atlética: plasticidade e leveza dos movimentos, giros e saltos precisos, triangulação entre força, habilidade, inteligência. Elegância moral: respeito às adversárias, solidariedade ao choro alheio, reconhecimento do mérito vizinho, dignidade de saber perder, saber ganhar. Altivez para digerir as lições e seguir adiante. Elegância.
Assim ilustram os abraços da cubana Mireya Luis, tricampeã olímpica, na ponteira Gabi, maior pontuadora da nossa seleção no torneio; e da italiana Paola Egonu na oposta Rosamaria, outro destaque brasileiro. Os afetos entre oponentes de ontem e de hoje revelam-se pedagogicamente simbólicos.
Propagado nas redes, o primeiro abraço unia as craques de gerações distintas, sob os holofotes do pódio, numa admiração recíproca. Acima de bandeiras, rivalidades, vaidades.
No outro abraço, à margem das câmeras e da quadra, Egonu consolava Rosamaria depois da derrota para a Itália, decidida no tie-break. A semifinal incorporou-se à linhagem dos confrontos simetricamente encantadores que deveriam proclamar uma dupla vitória.
As delicadezas das bambas do vôlei resguardam a empatia, a fraternidade, o congraçamento das diferenças – princípios da cultura esportiva dourados pela publicidade. Convém preservá-los.
Tais valores ecoam também pelo novo Museu Olímpico, no Rio. As histórias expõem talento, superação, cooperação. Boa parte delas acolhe pequenas glórias humanas, discretas como aquele abraço, não menos importantes do que as medalhas. Iluminam as faces inspiradoras e imprescindíveis da elegância num mundo que se esforça para desprezá-las.
______
Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, integrante do corpo docente da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio. Doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.