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Esquinas do Esporte

Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania

Limites e desafios de uma inadiável reforma da arquibancada

Urgência em erradicar ofensas discriminatórias nos estádios esbarra, ressalta professor da PUC-Rio, em preconceitos estruturais, que perpetuam dominações

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2 jun 2023, 09h31
Torcida lança xingamentos racistas contra Vini Jr.
Racismo no futebol faz pensar o tipo de educação que crianças recebem dos pais. (Divulgação/Reprodução)
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O protesto cogitado por participantes de uma comunidade online ativa o imaginário do juiz ladrão. O VAR não o apaga. A eterna berlinda renova-se na percepção de barbeiragens sucessivas, imunes ao replay.

Somado o fantasma das manipulações esportivas, forma-se uma tempestade perfeita. Nela troveja a bronca da paixão clubística com os erros de arbitragem.

Alguns do tal grupo projetavam materializá-la numa faixa estendida durante um jogo do Brasileiro. O objetivo, empolgavam-se, seria fundar uma campanha para o aprimoramento de recursos que ajudassem a reduzir os equívocos do apito.

A ideia estacionou no lembrete de um colega escaldado: “A segurança costuma retirar essas faixas”. Investido de espírito democrático, outro rebateu: “Isso violaria o direito universal e constitucional à expressão. Lógico que, se a mensagem cometesse uma ofensa, estaria sujeita às punições da lei”. Mudaram de assunto, antes que a conversa virasse uma sessão do Supremo.

O papo articula-se ao emergente debate em torno dos perímetros comportamentais no estádio. A necessidade de reformá-los impõe o delicado equilíbrio entre a genética carnavalesca da arquibancada e a urgência de erradicar insultos racistas, homofóbicos, xenófobos.

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A reformulação envolve avanços educativos, normativos, fiscalizadores, punitivos. Recruta esforços conjugados de clubes, federações, atletas, legisladores, investidores, autoridades públicas e privadas.

Sem um pacto assim, fica difícil o amadurecimento de uma nova ética associada à experiência de torcer. Ela empaca em ferrugens machistas, patrimonialistas, supremacistas, escravocratas alastradas desde os tempos coloniais.

A construção dessa etiqueta larga da clareza sobre a fronteira entre a crítica e a ofensa, entre a provocação jocosa e a discriminação. Como recalibrar os limites morais e legais da arquibancada, nascida para cornetar? O professor Job Gomes, coordenador da pós em Direito Desportivo da PUC-Rio, esclarece:

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“Além da moderação e do bom senso, devemos nos curvar à Constituição Federal de 1988 e ao Estatuto do Torcedor. A norma constitucional serve como guia, e ela estabelece tanto o direito à liberdade de expressão, no Artigo 5º, quanto a proibição de racismo, xenofobia, assim como da violação da honra de pessoas e instituições. Já o Estatuto proíbe, em seu artigo 13, de modo mais específico, quaisquer manifestações com mensagens que revelem e incitem o preconceito e a violência”.

O repúdio internacional às agressões cumulativas sobre Vini Jr. despertou protestos comoventes, como os protagonizados por jogadores, árbitros, torcedores na rodada do Brasileiro. Estendida à esfera diplomática, a indignação mundo afora desencadeou as promessas protocolares de subir o sarrafo punitivo.

Ainda não se avista, porém, mudança concreta no horizonte. Sob a fumaça discursiva, a conivência se mantém. Sustenta-se em seculares domínios políticos, econômicos, socioculturais.

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Dissipada a espuma retórica, prevalece a inércia aninhada numa pulsão predatória – sobre a natureza, o outro, o tempo. A escritora Rosiska Darcy de Oliveira a sublinha, com sua habitual lucidez, no artigo “O tempo dirá” (revista Insight Inteligência).

O professor Job Gomes também assinala a raiz profunda de desumanidades e preconceitos banalizados nos estádios, nas esquinas, nas engrenagens de poder:

“Para a maioria das pessoas, o lamentável episódio envolvendo Vinicius Jr. parece um ato isolado que precisa ser evitado, ainda mais em pleno século XXI. A indignação mundial revela, ao mesmo tempo, uma profunda falta de conhecimento sobre o assunto. Não se sabe exatamente quando e onde surgiu o racismo contra pessoas negras, mas é seguro dizer que as pessoas de pele negra são as mais capacitadas para detectar situações de racismo. É neste sentido que defendo, como faz Silvio de Almeida e outros experts no assunto, a existência do denominado racismo estrutural em nossa sociedade. Ou seja, as situações que trazem à luz manifestações racistas, que em um primeiro momento podem parecer pontuais, são, na verdade, permanentes e não episódicas, pelo menos para as vítimas do racismo.

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Na atual sociedade da informação, os dados que revelam a existência de uma estrutura racista nas diversas sociedades são no mínimo convincentes, haja visto que a ocupação de determinados espaços privados ou públicos, no futebol ou fora dele, está completamente condicionada à cor da pele. Uma estrutura racista, neste sentido, merece ser combatida permanentemente e deve mirar na origem do problema, não nas suas consequências, que costumam incomodar a opinião pública sempre que eventualmente ocorrem”.

Reformas estruturais exigem uma mobilização plural, assertiva, perseverante. Demandam uma incansável triangulação entre coragem, inteligência, paciência. Evocam o exercício pleno da cidadania. Um caminho longo, tortuoso, e não menos urgente.

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Alexandre Carauta é professor da PUC-Rio, doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.

 

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