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Esquinas do Esporte

Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania

Uma janela para melhorar os cuidados de saúde

Criado pela carioca Aline Albuquerque, Instituto Brasileiro de Direito do Paciente promove cultura cooperativa indispensável ao bem-estar social

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Atualizado em 4 nov 2020, 20h59 - Publicado em 4 nov 2020, 16h58
 (truthseeker08 / Pixabay/Reprodução)
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“Precisamos mostrar, acima de tudo, a responsabilidade que vai além de diferenças partidárias, trocas de farpas. Acredito que nós, humanos, precisamos um do outro. Pertencemos, juntos, a uma nação. Há mais razões para nos unir do que nos dividir”. Meticulosamente confeccionado para costurar fissuras partidárias e populares, o discurso da primeira-ministra dinamarquesa Birgitte Nyborg, na abertura do Parlamento, evoca valores coletivos. São envernizados pela consistência retórica da protagonista da série Borgen (Netflix), vivida por uma carismática Sidse Knudsen. Filmada lá se vão quase dez anos, a mensagem exala o frescor da necessidade.

Não à toa a líder parlamentar escala o esporte para ancorar o estratégico apelo à integração nacional: “Acredito que ainda somos o mesmo povo que festejou junto naquela noite de junho em Radhuspladsen”. A fictícia premier refere-se à mistura de euforia e orgulho que inundou, em 26 de junho de 1992, a praça da prefeitura, ponto festivo de Copenhague.

O título europeu extrapolou o feito esportivo.  A vitória por 2 a 0 sobre a reunificada Alemanha entorpeceu de autoestima a população do menor país escandinavo. Os gols de Jensen e Viefel, e as defesas impossíveis de Scmeichel, emancipavam o amanhã. Uniam os herdeiros dos vikings em torno do inimaginável. Não havia limites aos sonhos, decretava o sucesso do time incorporado ao torneio no vácuo do esfacelamento iugoslavo.

A celebração revigorava a unidade nacional esmaecida por cartografias globais e cisões internas. Um pendor típico dos ritos alimentados por disputas continentais e mundiais, quando um tempo próprio “suspende as diferenças e desigualdades que permeiam a estrutura social”, observa a antropóloga Simoni Guedes no artigo “O Brasil nas Copas do Mundo: tempo suspenso e história”, de 2002.

Ao resgatar afetivamente a festança, a primeira-ministra buscava contagiar os colegas e demais dinamarqueses com a força unificadora da histórica conquista. A tática nada tem de autêntica, muito menos de irreal. Recorre ao cacife simbólico do esporte, não raramente recrutado por ambições nacionalistas.

Descontadas as firulas retóricas, o discurso pragmático de Birgitte Nyborg se debruça num componente nevrálgico das democracias representativas: a soberania do bem-comum sobre os interesses particulares (partidários, ideológicos, empresariais etc.). Preservá-la é sempre um grande desafio a governantes pretensamente democráticos. Exige integridade moral, inteligência, habilidade política, espírito comunitário.

Palácio Christianborg Dinamarca – Jens Peter Olesen – Pixabay
(Jens Peter Olesen / Pixabay/Reprodução)
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O desafio segue tão perene quanto o Palácio Christiansborg, vulgo Borgen, sede parlamentar dinamarquesa (construção neoclássica inaugurada em 1928, 25 anos depois de iniciadas as obras). Um desafio sistematicamente às voltas com autoritarismo, obscurantismo, desapego humanitário –. barreiras recorrentes a direitos universais, como o direito à saúde e ao esporte. Nem a garantia constitucional o poupa de traições ao bem-comum. Algumas sequer dão-se ao pudor da dissimulação.

Jogam no time oposto iniciativas como o Instituto Brasileiro de Direito do Paciente (IBDPAC). Será lançado nesta quinta, casualmente uma semana depois de enterrado o decreto relâmpago que ensaiava privatizar as Unidades Básicas de Saúde do SUS. A rejeição maciça o condenou à revogação presidencial em menos de 48 horas. Nenhuma evidência garante que a ideia esteja descartada. Há muito ela ecoa por gabinetes palacianos. Sua ressonância prática revela-se uma escolha identitária. Espelha, num dilema hamletiano, o país que queremos ser.

Já do IBDPAC, espera-se vida longa. Criado por profissionais da Saúde e do Direito, nasce com missão educativa: “Promover uma cultura da cooperação e da empatia nos cuidados de saúde”, sintetiza a coordenadora do Observatório de Bioética e Direitos Humanos do Paciente da Universidade de Brasília, Aline Albuquerque, uma das seis artífices do instituto. Pesquisadora também do Núcleo de Diplomacia e Saúde da Fiocruz, Aline assina publicações como “Direitos Humanos dos Pacientes” (Juruá), “Capacidade Jurídica e Direitos Humanos” (Lumen Juris) e “Manual de Direito do Paciente” (CEI), que sai do forno neste mês. A doutora em Ciências da Saúde consolida-se como uma das principais autoridades brasileiras numa área ainda verde no país, embora ascendente no plano internacional.

 

Aline Albuquerque Direitos Humanos dos Pacientes
(Divulgação/Reprodução)

Carioca da Tijuca, Aline desenvolveu no Colégio de Aplicação da Uerj e, sobretudo, no convívio familiar a base humanitária e intelectual empregada na convergência entre os campos jurídico e médico. Está radicada desde 2003 em Brasília. A trajetória na Advocacia-Geral da União vinculada ao Ministério da Saúde a conduziu aos empenhos acadêmicos e normativos para melhorar a vida das pessoas “no momento mais vulnerável”. Desses esforços deriva o Projeto de Lei que cria o Estatuto dos Direitos dos Pacientes (PL 5559/2016), acolhido na Câmara.

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Aprovado nas comissões de Direitos Humanos e de Seguridade Social e Família, o PL tramita desde o ano passado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). A espera pelo parecer do relator Paulo Teixeira (PT-SP) completará um ano no próximo dia 26. “O estatuto é o primeiro passo para que os direitos do paciente sejam reconhecidos e respaldados legalmente, e o Brasil construa uma cultura capaz de amadurecer a nossa relação com a saúde. O passo seguinte seria uma agência reguladora”, propõe a especialista.

Professora Aline Albuquerque
(Divulgação/Reprodução)

Num breve papo por telefone, reproduzido abaixo, Aline aponta caminhos à (nossa) responsabilidade social, constitucional, de sedimentar o casamento entre saúde e cidadania:

Como surgiu a ideia do instituto?

Não há ainda, no Brasil, uma consciência dos direitos do paciente, geralmente sujeito a uma relação muito verticalizada, às vezes subserviente, com o sistema médico-hospitalar. Isso muitas vezes o deixa mais vulnerável a problemas de saúde, e desprotegido, sem um respaldo jurídico específico. Com ações educativas e voltadas à qualificação profissional, o instituto vai promover uma cultura da cooperação, da empatia, para melhorar os cuidados relacionados à saúde.

Por que você considera também essencial para este avanço o Estatuto dos Direitos dos Pacientes, em debate na Câmara?

Com o estatuto, o paciente passaria a contar com uma legislação específica. Isso é fundamental para construir uma nova cultura. A Lei Maria da Penha, por exemplo, foi fundamental para começarmos a perceber e a combater uma cultura da violência contra a mulher. O Estatuto dos Direitos dos Pacientes pretende, digamos, cuidar dos cuidados. Ou seja, fornecer o amparo legal para melhorar a relação entre pacientes e médicos. Ela não é uma relação tecnicista, e sim humana. Deve ser guiada, acima de tudo, pelo bem-estar do paciente.

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Como essa relação pode, em geral, melhorar?

Eu diria que o aperfeiçoamento desta relação, ou seja, dos cuidados com o paciente, passa por duas frentes de mudança: o compartilhamento de poder com pacientes e familiares, o que envolve um acesso melhor a informações; e o cultivo de uma cultura da cidadania na Saúde.

Qual a maior ameaça aos direitos dos pacientes no Brasil?

Talvez seja a judicialização relacionada a esses cuidados. O aumento de processos na área produz um fenômeno conhecido nos Estados Unidos como medicina defensiva. Está associada a decisões para evitar embates judiciais. No sistema privado, isso tem gerado um excesso de exames, que servem de resguardo para eventuais acusações Essa distorção prejudica os cuidados de saúde, e os encarece, além de aumentar o estresse dos profissionais, como indica o crescimento dos casos de Burnout (síndrome causada por esgotamento físico e mental). Portanto, cuidar dos direitos do paciente é cuidar também do sistema de Saúde e dos profissionais. É um interesse coletivo.

Ensaios de parcerias do sistema público de Saúde com a iniciativa privada, ou mesmo de privatizações, historicamente rondam gabinetes palacianos. Qual a sua opinião sobre esses modelos?

Sou favorável ao sistema de saúde público, que deve ser permanentemente aperfeiçoado, de acordo com os princípios da cidadania e os direitos do paciente. Claro que isso depende de fatores como orçamento e gestão. Mas acredito que uma legislação específica, como o estatuto em trâmite na Câmera, contribua para esse amadurecimento.

Você propõe também uma agência reguladora…

Exato. A agência promove a lei. Construímos, assim, uma consciência dos direitos dos pacientes e, como eu disse, uma cultura da cooperação, da empatia, nos cuidados de saúde. Com uma proposta educativa, o instituto nasce para ajudar a construir essa cultura.

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O Instituto Brasileiro de Direito do Paciente (IBDPAC) será inaugurado nesta quinta-feira (5), às 19h30, com uma conversa entre Aline e o presidente da Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente, o pediatra Victor Grabois, também coordenador-executivo do Proqualis/Icict/Fiocruz. Para participar do webinar, é preciso se inscrever por meio do link https://www.sympla.com.br/seguranca-do-paciente-como-engajar-o-paciente-em-sua-seguranca__1026564p

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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, especialista em Administração Esportiva, formado também em Educação Física.

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