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Fabiane Pereira

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Andressa Furletti e Clarice Lispector, juntas, em Nova York

Atriz dirige única companhia brasileira de teatro na cidade e promove eventos, ao longo do ano, para ajudar a manter o grupo

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Atualizado em 14 out 2022, 10h26 - Publicado em 13 out 2022, 19h42
Andressa Furletti, co-fundadora da única companhia brasileira de teatro em Nova York. (Lívia Sá/Internet)
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Em julho deste ano, passei cinco dias em Nova York. Pode parecer pouco tempo, mas numa cidade que nunca dorme, cinco dias é tempo à beça. Mas jamais o suficiente para se enjoar da cidade.

Entre exposições, brunchs e shows, passei uma tarde na companhia do casal Andressa Furletti e Bernardo Sgarbi Reis. Ele, cientista premiado. Ela, atriz e co-fundadora da única companhia brasileira de teatro em Nova York, o Grupo Ponto BR (Group Dot BR). Eles moram num apartamento superconfortável em Williamsburg, Brooklyn, e a casa deles é uma espécie de ponto de encontro de muitos brasileiros que moram ou visitam NY.

Apesar de conhecê-los há um tempo, nunca tinha ido até a casa deles e me encantei com as paredes cheias de obras de arte e poesia. Um quadro imenso com uma ilustração surrealista representando uma síntese da vida e obra de Clarice Lispector chama a atenção. A obra assinada pelo artista plástico Paulo Govêa, durante um tempo, fez parte do cenário do espetáculo imersivo “Dentro do Coração Selvagem”, idealizado por Andressa e Debora Balardini, do Grupo Ponto BR. Eu assisti a versão on-line do espetáculo. Um primor!

Administrar uma companhia teatral nunca foi tarefa fácil. Mas num momento em que o setor cultural vem sendo sucateado, tudo piora consideravelmente. Por isso, uma das maneiras da companhia gerar receita e se manter produtiva é promover eventos e festas temáticas. A melhor festa junina de Nova York, por exemplo, é produzida por Andressa e Débora em parceria com simpatizantes da companha. No próximo dia 23 de outubro vai rolar na House of Yes a Opa! Lendas, uma festa temática inspirada nas lendas brasileiras misturando DJs, música ao vivo, artes visuais, gastronomia e performance.

Se eu estivesse por lá, não perderia.

Entre taças de vinho e boa música, conversei com Andressa sobre sua trajetória e compartilho parte desse papo aqui.

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Fabiane Pereira – O que levou você a trocar o Brasil por Nova York?

Andressa Furletti – Meu marido recebeu uma proposta para fazer um pós-doutorado em NY com duração de um ano e meio e resolvemos ir juntos. Eu já trabalhava como atriz no Brasil e decidi ingressar no conservatório de atuação da Stella Adler Studio. Os anos foram passando, o Bernardo recebeu outras propostas para permanecer na cidade e vi como uma boa oportunidade de fazer alguns trabalhos por aqui antes de voltar ao Brasil. E cá estamos há quinze anos.

FP – Como surgiu o Grupo Ponto BR?

AF – Nesta época, atuava em alguns curtas, peças e também no meu espetáculo solo. Foi quando o Carlos Caldart, amigo brasileiro que trabalhava na Stella Adler, entrou em contato comigo e disse que queria montar uma companhia de teatro brasileiro. Eu não pensava em montar uma companhia, mas sempre tive o desejo de apresentar a cultura brasileira nos palcos de Nova York. Juntamos alguns atores e fizemos a leitura da peça A Cerimônia do Adeus, de Mauro Rasi. Depois desta leitura ficou claro quem estava disposto a embarcar nessa ideia e ficamos eu, Carlos, Debora Balardini e Thiago Felix. Como 2012 seria o centenário de Nelson Rodrigues, decidimos que nossa primeira produção seria A Serpente. Mas logo nas primeiras reuniões o Carlos decidiu sair do projeto por incompatibilidade de ideias. Então Thiago, Débora e eu co-fundamos a companhia oficialmente. Em 2015, o Thiago optou por seguir sua carreira de professor e preparador de atores. Debora e eu seguimos na missão de apresentar a cultura brasileira em Nova York através das artes cênicas.

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FP – Quando nasceu a ideia de promover a experiência imersiva “Dentro do Coração Selvagem”?

AF – Foi no início de 2015. Tínhamos encerrado a segunda temporada do espetáculo Infinito Enquanto Dure, baseado na vida e na obra de Vinícius de Moraes. Buscávamos um novo espetáculo e fazer algo baseado na obra de Clarice parecia uma boa escolha afinal apresentar a obra de uma mulher, imigrante, inovadora, à frente do seu tempo e com um grande legado na literatura brasileira.

FP – Qual sua primeira lembrança afetiva com a poesia de Clarice Lispector?

AF – Meu primeiro contato com Clarice Lispector foi na escola, com o livro A Hora da Estrela. Como a maioria dos adolescentes, não captei a profundidade da obra naquele momento, mas me lembro da sensação de liberdade e estranheza na escrita de Clarice. Senti muito essa coisa da escrita trazer sensações físicas e me lembro de ficar impactada com a trágica história de Macabéa.

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Quadro de Clarice Lispector
Quadro de Clarice Lispector (Erika Morillo/Internet)

FP – O que você aprendeu com Clarice Lispector?

AF – Quantos caracteres você tem pra essa resposta? (risos). Tantas coisas… Um olhar atento ao outro e a si, uma aceitação do que se é, uma liberdade artística, um entendimento de sentimentos que não tem nome. E fazer um espetáculo imersivo, íntimo, e tão próximo do público com a obra de Clarice foi relembrar e reafirmar o poder do teatro. Era comum ver a comoção da plateia. Um dos momentos mais fortes pra mim dessa temporada foi quando uma amiga foi assistir ao espetáculo e no final, decidiu dar fim a um relacionamento abusivo que ela vivia.

FP – Consegue escolher uma citação favorita de Clarice?

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AF – Impossível, são muitas. Varia com o dia e a hora. O conto Mineirinho me vem à cabeça, mas recomendo a leitura do conto na íntegra. Então nesse momento eu escolho uma passagem do conto Perdoando Deus: “porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente.”

FP – O que você aprendeu com Clarice que as pessoas deveriam saber?

AF – A ter um olhar de compaixão pelo outro, mesmo que o outro seja um animal. Ali há vida, há sentimento, há desejo de viver e isso deve ser respeitado a todo custo.

FP – Qual é o maior desafio de ser uma atriz brasileira vivendo em Nova York?

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AF – A falta de oportunidades para atores brasileiros em geral. Não há muitos papéis. Até há um mercado um pouco maior para os latinos mas o fato de falarmos português e termos um sotaque diferente limita muito as opções.

FP – Estamos em ano de eleições presidenciais. Qual sua expectativa?

AF – Pra começar eu espero um pouco de coerência. Não dá pra usar saúde e educação como prioridade em uma conversa mas apoiar um candidato que corta os investimentos nessas áreas. Não dá pra falar em desenvolver o país e apoiar um candidato que desmantela e descredibiliza a ciência e a pesquisa. Não dá para admirar os espetáculos e museus do mundo, querer uma população com pensamento crítico e apoiar um candidato que ataca a cultura nacional. Não dá para querer segurança e apoiar um candidato que não está preocupado em diminuir o abismo social do Brasil. Não dá pra fazer planos a longo prazo e apoiar um candidato que não tem um comprometimento com a preservação ambiental. Não dá pra reclamar de um setor social e achar que cortar os investimentos vai fazer com que ele melhore. Não faz sentido. Não há candidato perfeito e não dá pra esperar milagre na solução dos problemas do país, muitas coisas ter resultado a longo prazo. É preciso ter isso em mente. Então eu espero que o Brasil siga um caminho de investimento em saúde e educação pública de qualidade, em pesquisa, em cultura, em desenvolvimento sustentável, em preservação ambiental, em diplomacia, em respeito e valorização dos povos originários, em combate à fome, à desigualdade social, à misoginia, ao racismo, à homofobia, à ditadura, à intolerância religiosa e ao ódio coletivo. Espero que o Lula vença no segundo turno e que a gente possa passar a discutir soluções e não absurdos e grosserias que não cabem a um chefe de estado.

 

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