Quando menores de idade engravidam
Gravidez de menina de 11 anos em Santa Catarina causa comoção nacional e faz refletir
O Brasil parou recentemente diante da notícia de que uma menina de 11 anos, grávida, teve seu direito ao aborto negado pela Justiça de Santa Catarina. O hospital da universidade pública não quis se responsabilizar pelo caso, alegando que a menina já estava com 22 semanas de gestação e que ela só poderia ser interrompida até a vigésima semana. A família procurou a Justiça e os desdobramentos da história são de conhecimento público desde que o assunto dominou a mídia.
A polícia catarinense investiga agora se a gravidez é fruto de um estupro ou de sexo consentido com um menino de 13 anos. De acordo com a lei, estupro de vulnerável se configura quando as vítimas tem menos de 14 anos, independente do consentimento ou não. Ainda de acordo com a legislação, se não houve uso de violência ou grave ameaça, o caso muda de situação.
Segundo advogados, a possibilidade de a gravidez da menina ter sido causada por relações sexuais entre dois menores ganha novos contornos jurídicos – e mais complexidade. No caso, como se trata de uma menina de 11 anos e um garoto de 13, os dois são considerados vulneráveis aos olhos da lei. Trata-se, sem dúvida, de uma situação bastante delicada sob o ponto de vista jurídico.
No entanto, como psiquiatra da infância e da adolescência, interessa-me discutir a questão sob outras vertentes. Antes de mais nada, é preciso entender os graus de maturidade de entendimento da sexualidade humana. Crianças e adolescentes têm dúvidas e curiosidades sobre o próprio corpo e o dos outros também. Isso é absolutamente normal. Não existe uma idade “certa” para começar a falar de sexo com os filhos. Os pais devem ficar atentos ao amadurecimento deles e sentir o momento e a forma adequadas para abordar o assunto.
Cada idade requer um nível de informação diferente. Falar de sexo com os filhos não deve ser entendido pelos pais como um gesto de incentivo à prática sexual. Ao contrário. Estudos apontam que quanto mais cedo o assunto é conversado em família, mais tarde estes adolescentes iniciam a vida sexual porque a curiosidade acerca do assunto foi saciada pela conversa com os pais. Além disso, a informação proveniente da educação sexual diminui os riscos de abusos, violências sexuais, gravidez precoce e contaminação por doenças sexualmente transmissíveis.
Outro ponto a ser considerado neste caso é o quanto uma menina de 11 anos tem condições psicológicas e emocionais para ser mãe. Na prática, sob o ponto de vista fisiológico e psiquiátrico, é uma criança cuidando de outra. Acreditava-se, até algumas décadas atrás, que o desenvolvimento do cérebro era concluído no fim da infância. Porém,hoje sabe-se que o processo de desenvolvimento do cérebro humano vai até os 25 anos, aproximadamente. Portanto, se a menina de 11 anos tinha pouca maturidade para entender o que estava fazendo, também terá pouca maturidade para o grau de responsabilidade implícito a uma gravidez. No entanto, o caso não é uma raridade no Brasil. Segundo o Governo Federal, apenas em 2020 foram registradas 17,5 mil meninas grávidas entre 10 e 14 anos. Já entre as adolescentes entre 15 e 19 anos, a taxa de é 68,4 gestações para cada mil meninas, 50% a mais que a média mundial.
O assunto é delicado, exige empatia, responsabilidade e delicadeza para entender as suscetibilidades implícitas na gravidez de crianças e adolescentes.
Fabio Barbirato é psiquiatra pela ABP/CFM e responsável pelo Setor de Psiquiatria Infantil do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa do Rio. Como professor, dá aulas na Pós-Graduação em Medicina e Psicologia da PUC-Rio. É autor dos livros “A mente do seu filho” e “O menino que nunca sorriu & outras histórias”. Foi um dos apresentadores do quadro “Eu amo quem sou”, sobre bullying, no “Fantástico” (TV Globo).