Quem é Pedro Mendes, o visionário por trás da galeria Mendes Wood DM?
Com quatro espaços pelo mundo e cerca de 50 artistas representados, a galeria se tornou uma espécie de embaixada da arte contemporânea brasileira
Aos vinte e poucos anos, o mineiro de Belo Horizonte, Pedro Mendes, estudava filosofia e políticas internacionais na American University of Paris, na França. “Sempre me interessei por ‘humanidades’. Meu avô, apesar de engenheiro, era um grande filósofo. Cresci com o Prêmio Nobel de Economia e filósofos frequentando a nossa casa. Estudei business e direito, mas acabei indo pra filosofia, que era o que eu gostava.”
Nesse período em Paris, o passatempo de Pedro era visitar galerias e museus. “Passava noites inteiras olhando as vitrines das galerias de arte da Rue de Seine. Nessa altura, comecei a colecionar umas pinturas modernas. Às vezes ficava sem dinheiro pro aluguel, mas comprava desenhos e pinturas de artistas modernistas”, lembra.
O turning point em sua trajetória foi ter conhecido a artista visual mineira Sonia Gomes. Suas obras partem de tecidos antigos, pedaços de vida que são transformados, bordados e submetidos a torções, resultando em esculturas de pano impregnadas de memórias, que dialogam com questões de identidade racial.
“Em 2001, minha irmã largou a arquitetura e foi estudar com a Sonia na Escola Guignard, em BH. Nesse mesmo ano perdi minha mãe, ela teve morte súbita. E a Sonia entrou na minha vida de uma forma superinteressante. Doamos a ela todos os tecidos da nossa casa que tinham afeto: roupas da minha mãe, adereços, cortinas e tal. Seis meses depois, ela disse que teve uma epifania e nos entregou uma peça imensa – ela gosta de chamar de ‘pano’ – que, de certa forma, contava toda a história da minha mãe.”
Pedro se refere à obra Memória (2001). “Foi emocionante demais receber esse trabalho, mas a gente não conseguia conviver por muito tempo com ele, porque tinha muita carga afetiva. Era de uma potência demiúrgica! Ficou um tempo comigo, depois com minha irmã, o emprestamos para uma amiga e esse pano acabou viajando pelo mundo. Quando a Sonia ficou conhecida, todos os museus começaram a nos pedir. A obra foi para Nova York, Basel, pra Coleção da Ursula Hauser, Fundação Rubel e, no ano passado, passou a integrar a coleção principal do MoMA.”
A essa altura, Pedro sequer sonhava em ser galerista. “Eu não entendia nada de arte contemporânea, mas conheci a diretora da Fundação Cartier, através de um amigo. Estava em cartaz uma exposição que traçava um grande panorama da arte brasileira, reunindo nomes desde Bispo do Rosário à Adriana Varejão. Fui até lá com o Matthew (Matthew Wood, ex-marido de Pedro e sócio-fundador da Mendes Wood), levando várias peças da Sonia Gomes.” Meio perplexa diante da linguagem e das milhares de torções e texturas da artista mineira, a diretora acabou despachando Pedro e Matthew.
Em 2007, a dupla aterrissa no Brasil e, três anos depois, cria o ‘JA.CA’, um espaço que fomentava pesquisas, projetos, residências e experimentações no campo das artes, com patrocínio de grandes empresas. Ficava em um galpão no meio do mato, no caminho para o Inhotim, em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte.
“Era uma área de minério e as obras ficavam vermelhas, cobertas de pó. Mas foi lá que começamos a fazer exposições internacionais, com um time de quatro curadores. Com o fim da Lei Rouanet, sem subsídios, foi preciso encerrar o projeto e decidimos abrir uma galeria no mesmo espaço. Mas não aparecia ninguém lá, o acesso era bem ruim, tínhamos um comprador por ano, em média, e tivemos que fechar.”
Ficou claro que o negócio precisava migrar para outro lugar e Pedro e Matthew elegeram São Paulo. “Alugamos uma lojinha num segundo andar da Oscar Freire, montamos a galeria e começamos a pesquisar mais profundamente o mercado. Nosso primeiro artista foi o Lucas Arruda e em seguida veio a Sonia Gomes”, relembra. “Fizemos uma inauguração e lotou, com adesão espontânea da imprensa. A Mendes Wood foi a primeira galeria jovem de São Paulo. Nessa altura, conhecemos e nos associamos ao Felipe Dmab, que era de lá e superbem conectado à cena paulistana.” A partir daí, a galeria passa a se chamar Mendes Wood DM.
Pergunto sobre Lucas Arruda, artista projetado por eles.
“É, sem dúvida, um artista de reconhecimento internacional. A obra dele toca um número muito grande de pessoas, independente da cultura ou nacionalidade. Não à toa, hoje integra algumas das coleções mais importantes do mundo como o Centre Pompidou, na França, a Fondation Beyeler, na Suíça, e o Guggenheim Museum, em Nova York. Vamos fazer uma individual agora, no fim do ano, em Kyoto, no Japão. Encontramos um mosteiro do século XIII e sentimos total sinergia com a obra do Lucas. A negociação foi bastante cerimoniosa, como costuma ser no Japão”.
O interessante é que a escrita da galeria não seguiu uma linha tradicional de arte contemporânea. “Sempre me pautei pelo que era fora do sistema. Não era necessariamente atraído pelo conceito, me interessava muito mais pela história e a verdade do artista. Inclusive dos autodidatas”, afirma. “Nessa época, passamos a trabalhar com a Solange Pessoa, que era uma professora de Minas, e também com o Paulo Nimer Pjota, o Daniel Steegmann Mangrané, o Adriano Costa e o Antonio Obá. E aí, paulatinamente, foi dando certo.” E bota certo nisso!
“Gradualmente trouxemos novos sócios, amigos e colaboradores de longa data que até então contribuíram de forma muito especial para o sucesso da galeria: a Carolyn Drake, sócia-fundadora das galerias da Europa, a Mage Abàtayguara-Örneberg e o Renato Silva, que nos acompanham desde o começo da galeria, e mais recentemente Martin Aguilera, que nos ajudou a montar a operação de NY.”
Pedro pontua que Renato Silva era parte da comunidade dos artistas afrodiaspóricos e a Mendes Wood DM foi a primeira galeria a exibir essa produção: “Realizamos uma conferência com a Coco Fusco, com a Kara Walker e o Paulo Nazareth, e iniciou-se um movimento de integração e discussão das raízes do Brasil. E foi incrível, porque a partir dessa conferência a galeria passou a receber um grande número de pessoas pretas, que nos falavam sobre a impossibilidade de frequentar espaços públicos culturais na área dos Jardins e relatavam que eram perseguidas por seguranças assim que entravam”, recorda Pedro. “Elas ficaram muito emocionadas porque finalmente abria-se um território para artistas que já produziam há décadas e não tinham lugar para existir. Então a Mendes Wood DM virou essa casa da diáspora africana e o Paulo Nazareth, obviamente, estava entre os primeiros artistas.”
E como foi a estratégia de internacionalização da galeria, diante de um mercado tão fechado e crítico?
“Em 2014, fizemos uma exposição importantíssima, a Meditação transe, centrada na arte do inconsciente. O Matthew era budista e eu também estava nessa busca pela espiritualidade do Oriente. Trouxemos artistas aborígenes e indígenas em diálogo com artistas do Brasil, como a Rivane Neuenschwander, por exemplo. Foi aí que entendemos que a Mendes Wood DM não se restringia ao rótulo de uma galeria brasileira e, então, começamos o processo de internacionalização. Investimos muito em levar artistas para fora do país e eles ganharam projeção rapidamente. Os temas apresentados, como políticas identitárias e inserção afrodiaspórica, despertavam grande interesse.”
Pedro conta que parte dessa estratégia foram as participações constantes em feiras internacionais e os anúncios na Frieze (revista inglesa especializada em arte contemporânea) e na Artforum (publicação americana de referência em arte): “Além da vinda de curadores de diversos países, que trazíamos regularmente.”
E qual a importância das feiras, na sua visão?
“Fazemos em média uma por mês. São superimportantes para levar uma visão sintética da apresentação de um artista.”
Qual é a melhor feira?
“Basel. Ainda é a mais forte.”
Foi nesse período que a galeria passou a financiar, também, a residência de artistas estrangeiros aqui no Brasil. “Obviamente, não recebemos salário por uns dez anos”, revela Pedro.
Tanto tempo de privação resultou, porque hoje a galeria tem sede em São Paulo, Nova York, Paris, Bruxelas e uma residência no Vale do Hudson, “que é considerado a origem da pintura americana e tem uma luz alucinante. Realizamos residências em todos esses locais e isso é importantíssimo para os artistas”.
Pondero que deve ter sido complexo abrir esses espaços fora do Brasil…
“Com o crescimento da galeria e também as conexões que criamos com curadores, colecionadores, parceiros, artistas e amigos ao redor do mundo, se tornou imprescindível a presença da Mendes Wood DM em outras capitais de grande importância no mundo da arte contemporânea. Cada uma com sua particularidade: Nova York como esse polo natural entre as Américas e um mercado muito aquecido. Bruxelas, cidade capital da Europa e destino de arte conceitual. E, por último, Paris, essa cidade que tanto nos inspira.”
E o processo de seleção dos artistas? Como funciona?
“Sempre acreditei muito na teoria científica da Inteligência Coletiva, que defende que várias pessoas pensantes tomam uma decisão mais assertiva do que um ‘single genius’. São visões díspares, conexões diferentes e isso estrategicamente é muito eficaz. Todos os sócios sugerem os artistas e participam da decisão final”, afirma.
“Pra isso funcionar, você precisa de liaisons (uma espécie de agente) por afinidade. Para além dos seis sócios, contratamos liaisons que cuidam de alguns artistas da galeria. Eles fazem a ponte com os estúdios, organizam todo o material, cuidam do financeiro, das exportações e estabelecem as conexões institucionais.”
E essa sociedade de seis, como funciona? Como se administra e se pensa a sustentabilidade a longo prazo?
“Fizemos um organograma em que cada um assume uma área (criativa, comunicação, organização…). Um ponto que vale destacar, porque acho determinante, foi que optamos por nunca centrar a comunicação nos sócios. Só muito recentemente demos uma primeira entrevista. O foco sempre foram os artistas e a marca da galeria. Essa descentralização dos sócios é parte da estratégia de fortalecimento da marca.”
Em um negócio como esse, você precisa de uma estrutura financeira de capital intensivo, né?
“Sim. É preciso capital para investir e promover nossos artistas, e para montar as exposições e projetos à altura dos nossos sonhos.”
A Mendes Wood DM conta hoje com uma equipe de 80 funcionários em suas quatro sedes ao redor do mundo. “Profissionais extremamente dedicados e talentosos, sem os quais não conseguiríamos existir.” E vende seus artistas para coleções de instituições de grande relevância na cena internacional, como o MoMA, a Tate, a Fundação Cartier e a Coleção Pinault.
“É um processo bem burocrático e complexo entrar numa coleção de museu”, afirma o galerista. “Inserimos as obras do Paulo Nazareth no MoMA, do Lucas Arruda e do Antonio Obá na Coleção Pinault, da Rosana Paulino na Tate, e da Solange Pessoa na Fundação Cartier”, celebra Pedro.
E, no momento, quais são as suas apostas?
Eu citaria a Josi, uma artista mineira do Vale do Jequitinhonha, de onde ela diz levar consigo a poeira de pequi, o mato torcido e breu pingado de rezas. Incluiria também o Marcos Siqueira, autodidata da Serra do Cipó, que usa pigmentos naturais. Considerando os estrangeiros, fico com o francês Pol Taburet e uma artista chinesa que me entusiasma muito, a Leah Ke Yi Zheng.
Quem diria que aquelas madrugadas em que caminhava pela Rue de Seine, apreciando as vitrines das galerias de arte contemporânea de Paris, traçariam o destino desse mineiro visionário?