5 perguntas para André Mussalém
Single Maré, do músico pernambucano, celebra Marielle e é inspirado na obra de Chico Buarque
Em 2016, André Mussalém lançou seu primeiro registro fonográfico, No Morro da Minha Cabeça, que criticava os estereótipos do samba. André faz parte da nova e diversa cena musical pernambucana e já soma quase três décadas de autoria musical com mais de cem composições. Artista desde os 16 anos, o músico (e advogado) estuda há muito tempo o processo de formação do povo brasileiro por meio da música.
Este agosto, Mussalém se prepara pra lançar seu segundo disco, batizado de Pólis e produzido por ele, que resgata a tradição política do cancioneiro brasileiro da segunda metade do século XX. O samba assume um discurso de crônica e crítica com nítidas influências de Gonzaguinha, Aldir Blanc, Caetano Veloso, Chico Buarque, Ruy Guerra e do cubano Pablo Miláres.
O primeiro single deste novo trabalho que será lançado amanhã em todas as plataformas digitais chega mais cedo por aqui. Intitulado Maré, a canção é uma homenagem póstuma à Marielle Franco, vereadora carioca brutalmente assassinada no centro do Rio de Janeiro cujas circunstâncias da execução até hoje – três meses depois – não foram explicadas. A canção foi construída usando como referência Gota D’água, música de Chico Buarque. Os versos narram uma tragédia que acontece numa favela e foram pensados, tanto na forma quanto na abordagem, tendo o clássico Buarquiano como ponto de partida. Na faixa, Mussalém faz um belo dueto com o também músico pernambucano Almério.
Pólis traz nove canções mais uma faixa bônus. Participaram de Maré, Rafael Marques (bandolim e cavaco), Ricardo Freitas (violão sete cordas), Marcílio Souza (fagote), César Michiles (flauta) e Renato Nogueira (percussão).
CINCO perguntas para André Mussalém
FP: Fale um pouco sobre o processo artístico/criativo de PÓLIS?
AM: A ideia de fazer Pólis surgiu durante o lançamento do primeiro álbum, quando a situação política no Brasil começou a se deteriorar. Virou quase uma necessidade minha tratar de temas políticos e sociais nas canções e resgatar uma tradição de um samba que faz a crônica do país, bastante comum na década de 60 e 70 do século XX, principalmente durante a ditadura militar. Essas músicas, de décadas passadas, foram as minhas principais fontes de inspiração.
FP: O trágico assassinato da Marielle Franco inspirou a canção Maré. A execução aconteceu há três meses. Esta canção foi a última a entrar no disco? Como foi feita a escolha do repertório?
AM: Maré foi a última música a ser composta para o repertório do álbum. Quando eu me deparei com o tragédia, fiquei extremamente sensibilizado com o simbolismo de um assassinato tão brutal que demonstrava o quão grande era e é nosso abismo. Marielle, uma mulher negra – que sob todas adversidades alcançou um espaço relevante na política – era a representação da voz dos excluídos; não falar sobre isso no álbum seria fazer um trabalho parcial. Tirei do repertório uma faixa que já ia gravar e corri para o violão. Foi uma música muito dolorosa de se compor.
O repertório não foi exatamente escolhido, ele foi composto toda vez que um fato político me chamava a atenção: desde a interpelação de Chico Buarque na rua, por pessoas conservadoras, passando pela apreensão de fantasias carnavalescas pela polícia em Pernambuco, chegando até em fatos pitorescos da mídia, como a notícia que Caetano Veloso havia estacionado no Leblon (e a simbologia disso em um Rio sob intervenção federal).
FP: Maré tem a participação do músico pernambucano Almério. Por que chamá-lo pra esta parceria nesta faixa em especial?
AM: Eu vejo a presença de Almério no palco como uma ação política. Ele tem o poder de transformar a música em uma força da natureza, com aquela voz que faz o mundo parar. Eu já havia composto uma faixa para ele cantar. Mas quando compus Maré senti que precisava de algo mais forte do que minha presença para as pessoas sentirem a urgência da mensagem. E só Almério poderia dar o recado dessa urgência.
FP: Pólis é seu segundo álbum. Há dois anos você lançou No Morro da Minha Cabeça. Quais as principais diferentes artísticas que o ouvinte encontra nestes dois trabalhos?
AM: Eu acho o primeiro álbum mais doce e feliz. É um álbum que comemora nossas tradições no centenário do samba. Musicalmente, “No Morro da Minha Cabeça” tem arranjos mais coesos, mais eruditos. “Pólis” é um álbum mais agressivo, mais interpelador do ouvinte. Essa agressividade fica bem evidente nos instrumentos que escolhemos para as músicas. Contudo, não nos desviamos das convenções do samba, não o alteramos tanto assim. Lá ainda estão o cavaco, o pandeiro e o tamborim.
FP: Você é um músico que transita entre a nova cena musical pernambucana. Como você vê o atual momento da música brasileira e de que forma, você como músico independente, se articula pra promover a circulação do seu trabalho?
AM: A música brasileira atual, sobretudo a independente, quebrou as fronteiras internas do país. Não existe mais uma geografia limitadora e, por isso, há uma multiplicidade de sons e estilos sendo produzidos. Mais do que o mercado consegue absorver. Fazer música ficou menos burocrático, não há mais a necessidade de intermediação de uma gravadora, de uma pessoa jurídica. Você faz a música em casa, lança na plataforma digital por uma distribuidora e está concorrendo com músicos já consagrados. Lógico que isso tem um preço. Para seu trabalho circular e chegar nas pessoas é preciso um trabalho estratégico de divulgação que vá além da música. Tal estratégia envolve desde encontrar parceiros musicais, produtores consagrados, até transformar a música em outros produtos mais imagéticos. Você tem que ser sua própria gravadora.