A frivolidade salva (ou crônica politicamente incorreta)
Parafraseando Antônio Prata, "sou meio intelectual, meio de esquerda".
Sou metida a intelectual, e sempre prefiro assuntos sérios aos fúteis – tanto nas redes sociais quanto nas mesas de bar –, mas cheguei ao meu limite. É bem verdade que este limite tenha se dado pelo fato d’eu não ser tão hábil com as palavras como o Gregório Duvivier, mas caso alguém se interesse pelas minhas opiniões a respeito deste escracho nacional que envergonha a imagem do país diante do mundo e nos fez retroceder até 1968, sugiro a leitura semanal da coluna do perspicaz escritor/apresentador/ator já citado, publicada toda segunda na Folha.
Mas voltando à minha preferência pelos assuntos sérios, sou obrigada a reconhecer que há momentos – como este que nos faltam o ar – que só a frivolidade salva.
Embora eu só saiba viver intensamente (ariana com ascendente em capricórnio e lua em touro), ando bem cansada dos extremos. Costumo me perder no caminho do meio mas preciso resgatar em minhas entranhas, a mulher que compra na Zara sem se importar com o fato da marca usar mão de obra escrava , a mulher que vê Dirty Dancing pela centésima vez na “Sessão da Tarde” (ainda tem isso?) e chora sempre na mesma parte do filme, aquela louca que estoura o cartão comprando cremes anti celulites porque, assim como acredita que matricular-se na academia emagrece instantaneamente, também crê que ter tais cosméticos na pia do banheiro a deixa mais gostosa.
Acho que deve fazer bem pra alma gargalhar sem culpa, tomando chope no BG, numa sexta-feira pós expediente, mesmo vivendo num país que sofreu recentemente um gravíssimo rompimento democrático e numa cidade sob intervenção militar.
Acho que escrevo crônicas porque ela é a mais gentil dos gêneros literários. Ela é coloquial, me ajuda a rir de mim mesma e a prestar atenção aos detalhes que as mazelas das grandes cidades insistem em esconder. Acho que escrevo crônicas porque, de certa forma, ela não me impõe o crédito de escritora. Penso que seria presunçoso demais ter a mesma profissão de Saramago, Clarice e Lygia.
Gosto de me permitir entrar no cinema e por duas horas esquecer quem sou. Gosto de ler um livro e passar uma semana vivendo a vida de outra pessoa. Gosto ainda mais de ir a um show e me conectar com a música a tal ponto que meus pés deixam de tocar o chão, e passo a ser também onda sonora – aliás, recomendo a leitura da coluna sobre a aula de David Byrne -. Mas não me lembro a última vez que fiz essas três coisas por “preferir assuntos sérios aos fúteis”.
Aos quase trinta e sete, sinto que estou chegando ao fim da primeira metade da vida, e às vezes estar no meio de alguma coisa é estar mais perto de conquistá-la. Parafraseando Antônio Prata, “sou meio intelectual, meio de esquerda” e quero cada vez mais ser meio, porque sendo meio preciso da outra metade pra ser inteira, e aí não preciso ser só séria, posso ser fútil também.
***
Hoje faz vinte e oito dias que “alguém” matou Marielle Franco a mando de “alguém” e “ninguém” esclarece nada.