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Ausência

Leia a crônica de Fernanda Torres da semana

Por Fernanda Torres
Atualizado em 25 fev 2017, 17h15 - Publicado em 23 dez 2016, 00h00
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Crédito: Isabelle Barreto
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Moradora da Lagoa Rodrigo de Freitas, fui testemunha do frisson causado pela árvore de Natal, desde a sua estreia, em 1996. Enfrentei o caos do trânsito, as ruas tomadas por famílias desejosas de admirar o luminoso colosso, dei voltas de pedalinho ao redor dela, me penalizei com a sentinela que dormia debaixo dos milhões de megawatts e suportei paciente as badaladas sonoras que se repetiam noite adentro. Eu cultivava simpatia pela árvore e aceitava com resignação os transtornos colaterais trazidos por ela.

Em 2013, último ano de crença na bonança econômica do país, o titã atingiu 85 metros de altura, a mesma de um prédio de 28 andares. Apesar da marca, a euforia dos anos anteriores não se repetiu como esperado. Era o prenúncio de que, mais cedo ou mais tarde, a realidade daria o ar da graça.

O presságio se concretizou em meados de 2014. A tão aguardada Copa do Mundo nos brindou com um 7 a 1 da Alemanha, seguido da mais deprimente campanha eleitoral da história.

Em 2015, o verão sem chuvas baixou os reservatórios do Sudeste a níveis alarmantes, as tarifas de energia executaram um salto triplo carpado de 40% em janeiro, o escândalo da Petrobras veio a público, a bancarrota ganhou contornos visíveis, o ódio nas redes ultrapassou a barreira da civilidade e o Titanic embicou para o fundo.

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Numa manhã nublada de dezembro, acordei com a notícia de que a estrutura da árvore não resistira aos fortes ventos da madrugada e seu terço superior havia colapsado.

Corri para a janela e lá estava a pobre, ainda no hangar, murcha e retorcida como uma girafa com fratura exposta. Era uma metáfora perfeita daquele ano funesto, retrato da falência da Nova Matriz Econômica, dos discursos sem eira nem beira da então presidente, do caos na saúde e na educação, da derrota das UPPs, dos desmandos da Petrobras e dos vampiros do erário que continuam a dar as cartas no Congresso.

Não foram os maus ventos, pensei, foi a tensão moral e cívica.

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Para salvar a inauguração, prevista para a noite seguinte, forjou-se um arremedo de árvore. O cone disforme lembrava as primeiras pirâmides do Egito, cujas linhas mal calculadas exigiram dos projetistas uma guinada abrupta em direção ao topo.
A geringonça atarracada cumpriu seu melancólico papel, mas não houve festa.

A Lagoa está vazia neste ano. Não há sinal de Natal, engarrafamento, algazarra ou luzes nas janelas. Em Ipanema, parte da iluminação da orla também está apagada. Suspeito que por contenção de despesas.

Num Rio falido, seria obsceno ostentar o falo piscante. Eu sei que a calmaria é sinal de desemprego e falta de perspectiva. Mesmo assim, prefiro a escuridão e o silêncio à presença daquela imagem arruinada de 2015. A depressão no lugar do susto.
Deve existir uma solução para a crise que não seja o eterno retorno ao consumo voraz e ao excesso.

Um Natal sereno é o que desejo a todos. E um 2017, na medida do possível, suportável.

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