O mundo digital, veja só, vira aliado dos impressos e da indústria gráfica
Inteligência Artificial, robótica e iniciativas de fomento ao leitor na Capital Mundial do Livro vêm contribuindo para impulsionar o setor
Uma visão mais superficial pode sugerir que, diante da implacável Era Digital, a indústria gráfica estaria com os dias contados. Mas, ironia das ironias, é justamente a partir do mundo digitalizado que este setor secular encontra os fundamentos necessários não só para manter a resiliência, como para traçar perspectivas otimistas para as próximas décadas.
Estímulos para isso não faltam — e a resposta do público vem superando as expectativas: segundo o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), a Bienal do Rio deste ano registrou recordes históricos de público e de vendas. Dimensionando em números, foram quase 7 milhões de livros vendidos (+23%) e 740 mil pessoas (+23%) – superando, e muito, a densidade demográfica de Niterói, por exemplo, com seus cerca de 500 mil habitantes.
Neste ano, ainda temos o Rio como Capital Mundial do Livro — primeira cidade lusófona a receber o título da UNESCO. Mais que uma honraria, é uma oportunidade de atrair editais, ações de fomento e uma agenda permanente em torno da leitura, como o Prêmio Rio de Letras, da Firjan SESI, que estimula a produção literária de novos autores — alunos do Ensino Médio —, cujos textos são selecionados pelos imortais da ABL.
Gutenberg, aliás, estaria rindo das previsões de especialistas que, nos idos dos anos 2000, vaticinaram que os livros digitais seriam tão logo preteridos pelos físicos. O que está longe de acontecer tanto no Brasil como no mundo: segundo a Association of American Publishers (AAP), a venda de e-books caiu 1,4%, enquanto a de impressos subiu 1%. Por aqui, os impressos correspondem a mais de 85% do mercado editorial, enquanto os digitais representam apenas 7% do faturamento total do setor.
Para a indústria gráfica em geral, os livros são a cereja de um bolo que continua a crescer — e se diversificar: a produção de embalagens, graças ao e-commerce, registrou um aumento de 44% em 2024, puxada justamente pelas vendas on-line e pela premiumização, que inclui acabamentos especiais e soluções diferenciadas de produtos gráficos (Mordor Intelligence — Commercial Printing).
Mas essa não é a única contribuição do mundo digital para o setor. Na Drupa 2024 — maior feira mundial da indústria gráfica e de impressão —, foram demonstrados o uso de Inteligência Artificial em todas as etapas fabris: na pré-impressão e design, com correção e ajuste automático de cor; na impressão em si, com sensores que fazem manutenção preventiva e preveem falhas; e no controle de qualidade, via câmeras de alta resolução integradas à IA, a fim de detectar variações invisíveis ao olho humano. Fora outras otimizações em logística e gestão, que contribuem não só com a melhoria da competitividade, como com a sustentabilidade, dirimindo desperdícios.
Sem contar ainda a tendência das “fábricas conectadas”, com uso da robótica e a Internet das Coisas: assim, são operadas simultaneamente máquinas offset (grandes tiragens) e digitais (tiragens curtas e personalizadas), tornando a linha de montagem mais flexível e eficiente. Há, também, robôs para transporte de bobinas, cortes, dobras, colagens e até empacotamentos — o que se, por um lado, exige maior qualificação dos trabalhadores, por outro contribui com uma maior segurança e ergonomia.
Assuntos esses que compõem as discussões do III Seminário Internacional Gráfico, evento gratuito e aberto ao público que acontece dia 17 de setembro na Casa Firjan. Especialistas internacionais – ao lado de grandes autores, como Itamar Vieira Jr. e Eliana Alves Cruz – vão relatar as maiores tendências e desafios do setor. Com direito, ainda, à exposição “De onde vem o livro que você lê?”, uma experiência imersiva em 3D através da história, desde Johannes Gutenberg até a Era Digital.
Os caminhos, portanto, existem, mas não significa que não haja inúmeras e variadas pedras — ou até verdadeiras montanhas. Segundo pesquisa recente, três em cada 10 brasileiros são analfabetos funcionais, o que gera impacto direto, claro, na venda de livros. No Brasil, a queda foi de 8% em 2023, e o faturamento no setor encolheu 5,1%. Mas, para driblar isso, temos novamente o mundo digital como aliado, unindo forças ao impresso: além de fundamentais para qualquer divulgação, as mídias digitais são o berçário de conteúdos diversos que trocam os bytes pelas tintas – e aí, já com um público consolidado e ávido para tocar no produto.
Essa transversalidade, inclusive, pode ser vista nos dados divulgados pelo Mapeamento da Indústria Criativa, realizado pela Firjan. O estudo aponta que o estado do Rio conta com mais de 10 mil trabalhadores nos segmentos de design e editorial. Profissionais que compõem uma indústria que é muito mais do que papel e máquina: é uma conectora de cultura, consumo e conhecimento — aliada e integrada, cada vez mais, ao mundo digital.
Carla Geraldo, especialista técnica no Centro de Referência Firjan SENAI SESI em Gráfica, é coautora desta coluna.